Por Eduardo Guimarães
“Quem exprimiu a premissa que
intitula este texto, ainda que em outros termos, não foi qualquer um. Seu autor
é o presidente do Equador, Rafael Correa. Foi dita em visita recente que o
mandatário fez ao Brasil durante entrevista que concedeu ao jornalista Kennedy
Alencar em programa que esse mantém na televisão aberta.
Correa disse ainda mais. Afirmou
que, ao deixar o poder, pretende se dedicar integralmente à missão de combater
o que pode ser chamado de “imperialismo midiático”, ou seja, o massacre
comunicacional que um reduzido contingente de impérios de comunicação produz ao
esconder, minimizar, aumentar, distorcer ou inventar fatos, além de, não raro,
censurar divergências.
A grande dificuldade que se
apresenta hoje para acabar com a figura supranacional que é a do “dono” da
comunicação (algumas dezenas de grupos empresariais, familiares ou não, que
decidem o que a humanidade deve ou não saber) é a de que esses impérios
absolutistas se escudam naquilo que mais ferem: a liberdade de expressão.
Para tanto, esses megagrupos
empresariais espertalhões procuram manter viva uma situação que vigeu nos
primórdios da imprensa, quando ela não tinha o poderio que tem hoje nas
democracias e, assim, era o último bastião contra o despotismo de Estado.
Isso durou até que os setores
beneficiários da concentração de renda em todo o mundo descobrissem que melhor
do que mandar espancar ou assassinar jornalistas que quisessem questionar o
poder econômico seria cooptá-los, assenhoreando-se da propriedade da imprensa e
convertendo-a em imensa indústria.
A possibilidade de censurar hoje uma
imprensa que dispõe de inúmeras plataformas para difundir seu trabalho é
praticamente nula, não só nas democracias, mas, até, nas ditaduras. Na “Primavera
Árabe”, as redes sociais mostraram que não é mais possível impedir o livre
fluxo de informações, mesmo quando alguém tenta controlá-lo com mão-de-ferro.
Contudo, é evidente que a capacidade
de comunicar depende da dimensão do aparato comunicacional. Como blogs ou
perfis em redes sociais podem enfrentar impérios de comunicação que dispõem de
TODAS as plataformas possíveis e imagináveis em termos de transmissão de
informações?
O poder inaceitável que foi dado a
esses impérios de comunicação, portanto, é o de hierarquizarem notícias, fatos
e opiniões e até mesmo de escondê-los. E como não há meios de questionar em tom
semelhante o que esses impérios dizem, pois mesmo quando usam concessões
públicas simplesmente se negam a dar espaço até a autoridades, a inundação de
suas teses sufoca qualquer divergência e pauta a agenda pública.
Agora mesmo, no Brasil, estamos
vendo efeitos revoltantes do poder da mídia. Recentemente, dois ex-ministros do
governo Dilma foram absolvidos nas investigações sobre denúncias da mídia de
que foram alvos. Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, e Orlando Silva,
ex-ministro do Esporte, foram derrubados sob denúncias de corrupção sem fundamento
sólido.
No caso de Palocci, ainda havia um
questionamento de fundo moral sobre ter se aproveitado (como tantos outros
fizeram sem questionamento da mídia) do cargo de ministro da Fazenda para
auferir lucros em negócios após deixar esse cargo, mas, no caso de Silva, não.
Foi acusado por um meliante que, da época em que a mídia lhe conferiu
credibilidade para cá, passou de acusador a réu.
Palocci, porém, teve a legalidade de
seus negócios avalizada, ainda que restem os questionamentos morais. Todavia,
para tais questionamentos, se sustentarem que eles teriam que ser feitos a
todos os outros ex-ministros da Fazenda que enriqueceram muito mais do que ele
após deixarem o cargo, sobretudo os ministros dos governos anteriores ao de
Lula.
Já o caso de Orlando Silva é mais
grave. Foi alvo de trama sórdida. A mídia transformou um bandido perigoso – por
ter problemas mentais evidentes – em um “herói” em luta contra o poderoso vilão
corrupto encastelado no poder em que o ex-ministro foi convertido. Esse golpe
fez o governo Dilma cometer um de seus maiores erros: imolar um inocente sem
razão plausível.
Quanto já custou ao país a
politicalha partidarizada e os chiliques ideológicos dos seus impérios
midiáticos locais? Ministérios foram paralisados, a agenda pública foi
tumultuada por denúncias que eram marteladas diariamente até atingirem o
objetivo político-ideológico de seus autores. E, depois, se descobre que não
continham fundamento algum.
Políticas públicas deixam de ser, ou
são, adotadas por pressão do imperialismo midiático. É a comunicação que
permite aos Estados Unidos massacrarem mulheres, crianças e velhos de países
longínquos “em nome da democracia” e que transforma a reação a esses massacres
em “terrorismo”. Tudo graças à interpretação que os impérios maléficos de
comunicação dão aos fatos.
A fome, a miséria e a injustiça que
ainda flagelam parte imensa da humanidade sustentam-se nas versões dos fatos
que são contadas, na falta de pluralidade na comunicação.
Outro exemplo: no fim de semana
passada, estive em Juiz de Fora (MG) para receber uma homenagem de movimentos
negros sobre a qual ainda vou escrever. O envolvimento deste blog [Cidadania.com]
com a luta dos negros por igualdade, no Brasil, mostra o descalabro que se
abate sobre essa maioria da população exclusivamente por conta do imperialismo
midiático, que tem cor.
Movimentos negros de todo país
questionam a “invisibilidade” do negro na mídia, o fato de a televisão e a
propaganda brasileiras terem um filtro “racial” que retém o negro e o mestiço
em benefício da “raça pura”, de ascendência indo-européia, que domina a imagem
do povo brasileiro no exterior, fazendo com que pareça que é,
predominantemente, branco.
O resultado do racismo midiático é o
de que os negros adquirem imagem marginal à qual o mercado não quer se
associar. A propaganda, assim, usa a maioria negra como exceção quando, na
verdade, é regra. E usa a minoria branca como regra apesar de ser exceção.
Dessa forma, a discriminação racial
praticada via subrepresentação do negro na mídia produz miséria e injustiça
social. Os negros ganham menos, estudam nas piores escolas, moram nos piores
bairros, são alvos preferenciais da violência urbana, tratam-se nos piores
hospitais etc., etc., etc. E quem produz esse estado de coisas é a comunicação.
E a política internacional? Um
exemplo: ação integrada da mídia de vários países tenta legitimar um processo
que depôs um governo, este sim, legitimamente eleito. E sem o mínimo processo
legal e direito a defesa, em processo que durou algumas poucas horas.
E o que é pior: sabe-se que o risco
de meia dúzia de grupos empresariais de comunicação encurralarem os governos
dos países do MERCOSUL, não são desprezíveis. Somente o que impede de verdade a
capitulação é a Argentina.
E ainda que na imprensa escrita se
encontre uma ou outra manifestação lúcida sobre o golpe no Paraguai, na
televisão o que predomina é o apoio a esse processo espúrio, antidemocrático e
escandalosamente ameaçador à democracia na região.
Chega-se, enfim, ao cerne de tudo: a
televisão. A dobradinha que faz certa imprensa escrita com a televisão é o que
torna potente o partidarismo e o viés ideológico desses jornais, revistas e
megaportais de internet. Como, não raro, imprensa escrita e eletrônica
pertencem aos mesmos donos – que não enchem um restaurante –, não há debate de
peso no país.
Ainda assim, dirão, a vontade
eleitoral dos impérios de comunicação de países como os do MERCOSUL, por
exemplo, vem sendo derrotada ano após ano. Sim, é verdade. Mas os países deixam
de funcionar a contento porque esses impérios ainda conseguem paralisá-los com
seus caprichos.
Alguns membros do governo Dilma
desprovidos de visão histórica atribuem à tecnologia o poder de mudar essa
situação insustentável. Por essa tese, a tecnologia aumentará ainda mais o
poder de difusão de informações à revelia do que possam querer grandes grupos
econômicos como os que controlam a grande mídia pátria.
Subestimam o poder econômico. As
novas plataformas, o avanço da tecnologia que permite, cada vez mais, que um cidadão
comum e independente como este que escreve difunda informação a milhares não
mudam o fato de que quem tem mais dinheiro pode gerar tsunamis de informação
que engolfam as marolinhas da blogosfera e das redes sociais.
Enquanto este e outros países em
desenvolvimento conseguirem manter no poder governos que trabalhem para reduzir
a miséria e a desigualdade, a educação poderá fazer com que o povo vá votando,
cada vez mais, em causa própria. Todavia, as variáveis que podem reconduzir ao
poder os que querem impedir que o povo desperte são imensuráveis.
Uma crise econômica internacional
que deprima a economia além do que estamos vendo pode pôr água no moinho da
elite excludente, enganando a parcela ainda descomunal de incultos e
desinformados que hoje só vota em causa própria por conta da percepção de que
está ganhando. Se tal percepção mudar, o povo não terá capacidade para entender
os fatos e, assim, será seduzido pelo discurso reacionário.
A versão da mídia sobre regulá-la
equivaler a “censura”, porém, é extremamente frágil. Bastaria um debate público
com boa visibilidade para desmontá-la sumariamente. O brasileiro não sabe, por
exemplo, como são as legislações sobre comunicação nos países desenvolvidos.
Bastaria relatar.
O alerta do presidente Rafael Correa,
portanto, bem que poderia gerar a criação de um organismo supranacional que
trabalhe para desmontar a versão farsante sobre ser “censura” querer que os
impérios midiáticos se tornem plurais. E que denuncie países como este, nos
quais a comunicação é um latifúndio.”
FONTE:
escrito por Eduardo Guimarães no seu blog “Cidadania.com” (http://www.blogdacidadania.com.br/2012/07/imperialismo-midiatico-e-o-maior-problema-da-humanidade/).
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