José Gabriel Palma
“Em entrevista à ‘Carta Maior’, José Gabriel Palma, economista da Universidade de Cambridge e especialista em economia comparada, defende as mudanças que vêm sendo implementadas pelo governo Dilma Rousseff. Segundo ele, o Brasil está fazendo a coisa certa ao mudar sua política de juros altos e sua política cambial para um modelo baseado na redução dos juros e em ajuste da taxa de câmbio acompanhados de programa de estímulo fiscal e de política industrial. "É uma retificação necessária", afirma.
A reportagem é de Marcelo Justo, de Londres
“O ‘Banco Central da Europa’ e o ‘Popular’
da China baixam suas taxas de juro, o da Inglaterra anuncia nova injeção
monetária na economia para baixar as taxas dos bancos e aumentar o crédito às
pequenas e médias empresas. O mundo está reagindo como pode a uma tormenta que
não cessa.
No Brasil, Dilma Rousseff está
mudando seu modelo de alta taxa de juro e sua política cambial para um modelo
baseado na redução dos juros e em ajuste da taxa de câmbio acompanhados de
programa de estímulo fiscal e de política industrial.
A “Carta Maior” conversou com José
Gabriel Palma, economista da Universidade de Cambridge e especialista em
economia comparada, que avaliou a marcha do plano Rousseff e seu impacto sobre
o resto do MERCOSUL.
-O governo do Brasil imprimiu um desvio em sua política econômica. É disso que o Brasil necessita neste momento da crise mundial?
É uma retificação necessária. Lula é um dos políticos mais hábeis da América Latina, mas acreditou que podia deixar todo mundo contente. Ele entregou o Banco Central aos monetaristas, o BNDES a setores pró-indústria, facilitou desenvolvimento das finanças com pouca sustentação na economia real e seguiu adiante com seus programas sociais. Mas em matéria de política econômica – e este é um dos grandes ensinamentos das economias asiáticas – é preciso escolher. No cenário brasileiro, ou se segue o caminho da industrialização ou se inclina por outra estratégia econômica baseada nas finanças e nas ‘commodities’.
O PT obteve extraordinário êxito político graças a essa estratégia porque conseguiu amplo consenso. Aparentemente, quase todos estavam felizes. O problema é que, economicamente, isso não funciona. Um tipo de câmbio supervalorizado é bom para as finanças, os rentistas e os serviços, mas é destrutivo para a indústria. E vice-versa. É como ocorre com um automóvel. Não se pode entregar o acelerador a um grupo, o freio a outro e a embreagem a um terceiro. O resultado foi que por ‘default’ se terminou com um modelo de crescimento baseado em ‘commodities’ e finanças e se abandonou a indústria. Um crescimento assim não é sustentável no longo prazo. Hoje, a indústria manufatureira brasileira é a metade do que era em 1980 em relação ao PIB. É um dos grandes processos de desindustrialização da história. Dilma Rousseff está tentando mudar isso.
-No caso de Lula, não foi inevitável adotar essa política para neutralizar o medo que sua eleição havia provocado nos mercados?
Certamente, havia temor nos mercados financeiros, mas a única coisa que pediam era que não houvesse moratória na dívida interna ou fechamento da conta de capitais. Cabe recordar que Lula assumiu em janeiro de 2003 quando a última coisa que os Estados Unidos queriam era nova frente de conflito político e estavam precisando muito de aliados em sua política externa pós-11 de setembro. Além disso, a economia e as finanças internacionais se reativavam fortemente com a nova política expansiva do FED. Por isso, não era necessário passar por mudança de direção tão dramática como a que viveu o PT com Palocci e Dirceu. Lula colocou Palocci no Ministério da Fazenda como um sinal da mudança ideológica no PT, porque ele era o único ex-prefeito do PT que havia feito privatizações em sua cidade. Além disso, nomeou Meirelles para o Banco Central, tanto para dar confiança à oposição, já que ele era deputado eleito pelo PSDB, como para dar confiança aos mercados financeiros internacionais por seu exitoso passado como banqueiro internacional.
Essas mudanças adquiriram dinâmica própria pró-neoliberal. É uma mudança que não obedece a urgente necessidade objetiva. Se bem que as coisas não estivessem uma maravilha no Brasil, tampouco havia uma bomba relógio armada. A dívida pública era muito alta, mas manejável, uma dívida externa baixa e sustentável e uma situação da balança de pagamentos que não era tão ruim. Não é que Lula tenha assumido o governo em situação de crise na qual os mercados ditavam a política a seguir. Lula tinha essa ilusão, acreditava que podia contentar todo mundo. E isso não é possível no longo prazo, já que leva à paralisia da política econômica e, dentro do contexto brasileiro naquele momento, só podia favorecer aos grupos pró-virada neoliberal do PT no plano político, e às finanças e às ‘commodities’ no econômico.
-Essas medidas então estão avançando na direção correta?
Hoje, há setor público que tenta assumir um papel mais ativo. Nas últimas três décadas, o investimento público no Brasil não chegou a 3% do PIB. Na Índia é de 15%. Na China, 12%. O certo é que a infraestrutura brasileira está caindo aos pedaços. Isso é trava para o crescimento. Nesse sentido, vejo uma mudança. Começa-se a optar. Baixando as taxas de juro busca-se uma taxa de câmbio competitiva e favorece-se o investimento público. Agora, até aonde o governo vai chegar com essa política isso ainda está por se ver. Mas o que tenho notado em minhas recentes visitas ao Brasil é que há consciência muito mais clara de que é preciso optar e que se precisa de política muito mais desenvolvimentista. Essas mudanças requerem tempo. É como mudar o rumo de um transatlântico no oceano. O efeito dessa nova política econômica não será imediato.
-Essa mudança de política pode gerar tensões no MERCOSUL? Na Argentina, há uma tendência a pensar a favor de um Real sobrevalorizado porque isso favorece suas exportações.
É conveniente para a Argentina que o Brasil cresça. Uma economia com taxa de câmbio favorável para a Argentina, mas que não cresce não é situação ideal. Uma economia que cresça rápido pode ser mercado muito interessante para a Argentina. Neste momento, a Argentina parece mais vulnerável que o Brasil à crise econômica mundial. O Brasil tem altas reservas que lhe dão um colchão para possíveis problemas externos. E se embora a dívida interna siga sendo um peso, parte do legado tóxico de Gustavo Franco, o setor público está relativamente equilibrado, enquanto que a Argentina está mais vulnerável a mudanças bruscas tanto por sua situação de reservas como pela situação do setor público, tão dependente do setor externo.
-No marco da política mais ampla do MERCOSUL, está se adotando uma política de bloco correta para enfrentar a atual crise mundial?
Em geral, os países do MERCOSUL têm levado adiante suas próprias políticas independentes do que os demais fazem. Em um momento como o atual, o MERCOSUL pode ser instrumento fundamental para que seus países sigam políticas mais concentradas no crescimento interno. Ou seja, poderia ser um grande mercado interno para os países que o constituem, o que poderia dar-lhe um eixo de dinamismo interno muito interessante. Isso não significa fechar-se para o mundo. Significa que, com economia e finanças externas com o nível de loucura como o atual em nível mundial, exige-se que um país se relacione com o exterior com cautela e de forma seletiva.
Hoje em dia, se requer políticas mais orientadas para o mercado interno e a industrialização, como estão fazendo crescentemente China e Índia. O MERCOSUL pode ser instrumento fundamental para isso. Na prática, os problemas que a Argentina enfrenta agora para controlar a fuga de capitais, que incluem restrições para trocar pesos por reais, complicam essa situação, assim como também ocorre com a crescente proteção de sua indústria manufatureira.”
FONTE: reportagem de Marcelo Justo, de Londres. Publicada no site “Carta Maior” com tradução de Marco Aurélio Weissheimer (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20561).
-O governo do Brasil imprimiu um desvio em sua política econômica. É disso que o Brasil necessita neste momento da crise mundial?
É uma retificação necessária. Lula é um dos políticos mais hábeis da América Latina, mas acreditou que podia deixar todo mundo contente. Ele entregou o Banco Central aos monetaristas, o BNDES a setores pró-indústria, facilitou desenvolvimento das finanças com pouca sustentação na economia real e seguiu adiante com seus programas sociais. Mas em matéria de política econômica – e este é um dos grandes ensinamentos das economias asiáticas – é preciso escolher. No cenário brasileiro, ou se segue o caminho da industrialização ou se inclina por outra estratégia econômica baseada nas finanças e nas ‘commodities’.
O PT obteve extraordinário êxito político graças a essa estratégia porque conseguiu amplo consenso. Aparentemente, quase todos estavam felizes. O problema é que, economicamente, isso não funciona. Um tipo de câmbio supervalorizado é bom para as finanças, os rentistas e os serviços, mas é destrutivo para a indústria. E vice-versa. É como ocorre com um automóvel. Não se pode entregar o acelerador a um grupo, o freio a outro e a embreagem a um terceiro. O resultado foi que por ‘default’ se terminou com um modelo de crescimento baseado em ‘commodities’ e finanças e se abandonou a indústria. Um crescimento assim não é sustentável no longo prazo. Hoje, a indústria manufatureira brasileira é a metade do que era em 1980 em relação ao PIB. É um dos grandes processos de desindustrialização da história. Dilma Rousseff está tentando mudar isso.
-No caso de Lula, não foi inevitável adotar essa política para neutralizar o medo que sua eleição havia provocado nos mercados?
Certamente, havia temor nos mercados financeiros, mas a única coisa que pediam era que não houvesse moratória na dívida interna ou fechamento da conta de capitais. Cabe recordar que Lula assumiu em janeiro de 2003 quando a última coisa que os Estados Unidos queriam era nova frente de conflito político e estavam precisando muito de aliados em sua política externa pós-11 de setembro. Além disso, a economia e as finanças internacionais se reativavam fortemente com a nova política expansiva do FED. Por isso, não era necessário passar por mudança de direção tão dramática como a que viveu o PT com Palocci e Dirceu. Lula colocou Palocci no Ministério da Fazenda como um sinal da mudança ideológica no PT, porque ele era o único ex-prefeito do PT que havia feito privatizações em sua cidade. Além disso, nomeou Meirelles para o Banco Central, tanto para dar confiança à oposição, já que ele era deputado eleito pelo PSDB, como para dar confiança aos mercados financeiros internacionais por seu exitoso passado como banqueiro internacional.
Essas mudanças adquiriram dinâmica própria pró-neoliberal. É uma mudança que não obedece a urgente necessidade objetiva. Se bem que as coisas não estivessem uma maravilha no Brasil, tampouco havia uma bomba relógio armada. A dívida pública era muito alta, mas manejável, uma dívida externa baixa e sustentável e uma situação da balança de pagamentos que não era tão ruim. Não é que Lula tenha assumido o governo em situação de crise na qual os mercados ditavam a política a seguir. Lula tinha essa ilusão, acreditava que podia contentar todo mundo. E isso não é possível no longo prazo, já que leva à paralisia da política econômica e, dentro do contexto brasileiro naquele momento, só podia favorecer aos grupos pró-virada neoliberal do PT no plano político, e às finanças e às ‘commodities’ no econômico.
-Essas medidas então estão avançando na direção correta?
Hoje, há setor público que tenta assumir um papel mais ativo. Nas últimas três décadas, o investimento público no Brasil não chegou a 3% do PIB. Na Índia é de 15%. Na China, 12%. O certo é que a infraestrutura brasileira está caindo aos pedaços. Isso é trava para o crescimento. Nesse sentido, vejo uma mudança. Começa-se a optar. Baixando as taxas de juro busca-se uma taxa de câmbio competitiva e favorece-se o investimento público. Agora, até aonde o governo vai chegar com essa política isso ainda está por se ver. Mas o que tenho notado em minhas recentes visitas ao Brasil é que há consciência muito mais clara de que é preciso optar e que se precisa de política muito mais desenvolvimentista. Essas mudanças requerem tempo. É como mudar o rumo de um transatlântico no oceano. O efeito dessa nova política econômica não será imediato.
-Essa mudança de política pode gerar tensões no MERCOSUL? Na Argentina, há uma tendência a pensar a favor de um Real sobrevalorizado porque isso favorece suas exportações.
É conveniente para a Argentina que o Brasil cresça. Uma economia com taxa de câmbio favorável para a Argentina, mas que não cresce não é situação ideal. Uma economia que cresça rápido pode ser mercado muito interessante para a Argentina. Neste momento, a Argentina parece mais vulnerável que o Brasil à crise econômica mundial. O Brasil tem altas reservas que lhe dão um colchão para possíveis problemas externos. E se embora a dívida interna siga sendo um peso, parte do legado tóxico de Gustavo Franco, o setor público está relativamente equilibrado, enquanto que a Argentina está mais vulnerável a mudanças bruscas tanto por sua situação de reservas como pela situação do setor público, tão dependente do setor externo.
-No marco da política mais ampla do MERCOSUL, está se adotando uma política de bloco correta para enfrentar a atual crise mundial?
Em geral, os países do MERCOSUL têm levado adiante suas próprias políticas independentes do que os demais fazem. Em um momento como o atual, o MERCOSUL pode ser instrumento fundamental para que seus países sigam políticas mais concentradas no crescimento interno. Ou seja, poderia ser um grande mercado interno para os países que o constituem, o que poderia dar-lhe um eixo de dinamismo interno muito interessante. Isso não significa fechar-se para o mundo. Significa que, com economia e finanças externas com o nível de loucura como o atual em nível mundial, exige-se que um país se relacione com o exterior com cautela e de forma seletiva.
Hoje em dia, se requer políticas mais orientadas para o mercado interno e a industrialização, como estão fazendo crescentemente China e Índia. O MERCOSUL pode ser instrumento fundamental para isso. Na prática, os problemas que a Argentina enfrenta agora para controlar a fuga de capitais, que incluem restrições para trocar pesos por reais, complicam essa situação, assim como também ocorre com a crescente proteção de sua indústria manufatureira.”
FONTE: reportagem de Marcelo Justo, de Londres. Publicada no site “Carta Maior” com tradução de Marco Aurélio Weissheimer (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20561).
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