Por Saul Leblon
“Uma das dimensões transformadoras
desta crise é romper a esférica blindagem política da qual se valeu o sistema
financeiro para impor supremacia devastadora à economia e ao imaginário da
sociedade.
Por razões intrínsecas ao
desenvolvimento capitalista, nenhum poder é tão organizado quanto o do dinheiro
a juro. Ramificação local e escopo planetário lhe dão a prerrogativa de
conduzir e induzir a "globalização" e, desse modo, os mercados nacionais.
Institutos de pesquisas,
universidades, jornalistas e partidos adestrados à sua lógica cuidam de
reproduzir localmente hegemonia que subordina governos, mercados e visões
de mundo ao interesses rentistas. Tudo revestido pelo cimento midiático, que
faz esses parecerem extensão dos interesses gerais de toda sociedade.
A fraude recém-descoberta no cálculo da "Libor" abre uma trinca adicional nesse lacre de muitas camadas. Embora noticiada como falcatrua técnica, na realidade ela autoriza questionamentos de amplitude e gravidade estruturais que extrapolam a reputação do “Barclays” - um dos seis maiores bancos do mundo, pego com a mão na cumbuca da manipulação de taxa de juro em benefício próprio.
A "Libor", grosso modo, é obtida da média dos juros cobrados em empréstimos interbancários (entre bancos) na praça de Londres. Direta ou indiretamente, influencia vasto leque de operações em todo o planeta.
O que se descobriu agora é que o “Barclays” informava taxa inferior a que de fato pagava para obter caixa junto a outras instituições. A manobra deliberada visava a reduzir sua despesa com produtos financeiros vendidos a milhares de investidores, pelos quais pagava juros atrelados à própria "Libor".
A fragilidade intrínseca a esse sistema de formação de taxas de juros, que concede à parte interessada de um contrato o direito de determinar variáveis que afetam os dois lados, não é estranha ao Brasil. Aqui, a taxa básica de juros, a "Selic", que remunera os títulos do governo, foi definida até muito recentemente com base na quase exclusiva opinião dos grandes agentes do mercado financeiro --diretamente interessados em robustecer o rendimento das carteiras de renda fixa de portifólios para os quais trabalham.
No caso da "Libor", é preciso lembrar que ela definiu parte substancial do pagamento de juros da dívida externa brasileira durante décadas. Significa que o país endividou-se e quebrou nos anos 80, ademais de rastejar na década seguinte, submetido à hemorragia de gastos com juros flutuantes, potencialmente manipuláveis pelos principais interessados em sangrar o país: os bancos credores. Se o “Barclays” o fez agora para baixo, por que o mesmo não pode ter ocorrido com sinal invertido no passado?
Entre os anos 70 e 90, o Brasil desembolsou cerca de US$ 280 bilhões em juros e amortizações pagos aos seus credores. Mais de US$ 220 bilhões desse total foram pagamentos feitos entre 1980 e 1990, ao final dos quais a dívida ainda era superior a US$ 120 bilhões e não parava de crescer.
A fraude recém-descoberta no cálculo da "Libor" abre uma trinca adicional nesse lacre de muitas camadas. Embora noticiada como falcatrua técnica, na realidade ela autoriza questionamentos de amplitude e gravidade estruturais que extrapolam a reputação do “Barclays” - um dos seis maiores bancos do mundo, pego com a mão na cumbuca da manipulação de taxa de juro em benefício próprio.
A "Libor", grosso modo, é obtida da média dos juros cobrados em empréstimos interbancários (entre bancos) na praça de Londres. Direta ou indiretamente, influencia vasto leque de operações em todo o planeta.
O que se descobriu agora é que o “Barclays” informava taxa inferior a que de fato pagava para obter caixa junto a outras instituições. A manobra deliberada visava a reduzir sua despesa com produtos financeiros vendidos a milhares de investidores, pelos quais pagava juros atrelados à própria "Libor".
A fragilidade intrínseca a esse sistema de formação de taxas de juros, que concede à parte interessada de um contrato o direito de determinar variáveis que afetam os dois lados, não é estranha ao Brasil. Aqui, a taxa básica de juros, a "Selic", que remunera os títulos do governo, foi definida até muito recentemente com base na quase exclusiva opinião dos grandes agentes do mercado financeiro --diretamente interessados em robustecer o rendimento das carteiras de renda fixa de portifólios para os quais trabalham.
No caso da "Libor", é preciso lembrar que ela definiu parte substancial do pagamento de juros da dívida externa brasileira durante décadas. Significa que o país endividou-se e quebrou nos anos 80, ademais de rastejar na década seguinte, submetido à hemorragia de gastos com juros flutuantes, potencialmente manipuláveis pelos principais interessados em sangrar o país: os bancos credores. Se o “Barclays” o fez agora para baixo, por que o mesmo não pode ter ocorrido com sinal invertido no passado?
Entre os anos 70 e 90, o Brasil desembolsou cerca de US$ 280 bilhões em juros e amortizações pagos aos seus credores. Mais de US$ 220 bilhões desse total foram pagamentos feitos entre 1980 e 1990, ao final dos quais a dívida ainda era superior a US$ 120 bilhões e não parava de crescer.
Em 1982, o Brasil quebrou; as
torneiras dos bancos se fecharam. Restava o socorro do FMI. As "cartas de
condicionalidades" assinadas para ter acesso a esses recursos--destinados a
pagar juros -- deflagraram espiral de arrocho salarial e cortes de gastos
públicos que dizimaram a capacidade de crescimento da economia. Tornariam o
país refém ainda mais vulnerável do sistema financeiro internacional. Qualquer
semelhança com o martírio vivido hoje pelas sociedades grega, espanhola,
portuguesa, entre outras, não é coincidência, mas reprodução da mesma lógica. O
Brasil, tampouco, foi exceção nas mãos dos então responsáveis pela definição da
"Libor".
Cálculos do economista Pierre Salama
sugerem que, na crise da dívida externa dos anos 80, o FMI impôs aos países
pobres e em desenvolvimento um programa de arrocho que resultaria em
transferências de recursos, na forma de juros e amortizações, de gravidade e
volume superior às reparações de guerra impostas à Alemanha pelo Tratado de
Versalhes. Desse ovo da serpente chocado ao final da Primeira Guerra, surgiria o
nazismo.
Há 20 anos, quem duvidasse da lisura no cálculo da "Libor" era olhado com a mesma desfaçatez hoje dirigida aos que advogam o controle estatal sobre o sistema financeiro, como requisito para superação da crise mundial. O jornalista e escritor Bernardo Kuscinki foi para a Inglaterra em 1991 fazer seu pós-doc munido de um projeto singular: investigar a hipótese de que a taxa "Libor" estava sendo manipulada em prejuízo dos países devedores.
Antes de viajar, consultou um economista brasileiro que referendou suas suspeitas: 'Todo mundo sabe que existe a 'hora do Brasil' no mercado interbancário de Londres', ou seja, a hora de definir a lasca anual a ser extraída do lombo do país, ajustando-se a "Libor" para esse fim. Na City londrina, Kuscinski procurou especialistas para encorpar seu projeto. Foi recebido com risos e desdém. Desistiu e escolheu outro tema. Os fatos, agora, demonstram que a sua hipótese não era leviana.”
Há 20 anos, quem duvidasse da lisura no cálculo da "Libor" era olhado com a mesma desfaçatez hoje dirigida aos que advogam o controle estatal sobre o sistema financeiro, como requisito para superação da crise mundial. O jornalista e escritor Bernardo Kuscinki foi para a Inglaterra em 1991 fazer seu pós-doc munido de um projeto singular: investigar a hipótese de que a taxa "Libor" estava sendo manipulada em prejuízo dos países devedores.
Antes de viajar, consultou um economista brasileiro que referendou suas suspeitas: 'Todo mundo sabe que existe a 'hora do Brasil' no mercado interbancário de Londres', ou seja, a hora de definir a lasca anual a ser extraída do lombo do país, ajustando-se a "Libor" para esse fim. Na City londrina, Kuscinski procurou especialistas para encorpar seu projeto. Foi recebido com risos e desdém. Desistiu e escolheu outro tema. Os fatos, agora, demonstram que a sua hipótese não era leviana.”
FONTE: escrito por Saul Leblon no site
“Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1028).
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