Por Marcelo Justo, direto de Londres.
“Quase ninguém mais aguenta a austeridade na Europa. Em seu primeiro discurso como primeiro ministro ante o parlamento italiano, Enrico Letta foi contundente. “A Itália está morrendo com a aplicação da austeridade. Necessitamos de políticas de crescimento”.
Não é uma voz isolada. Na última semana, nada mais nada menos que o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, disse que era preciso “uma política correta que tenha ao mesmo tempo aceitação social e política”. A contundente derrota em fevereiro do candidato da austeridade, Mario Monti, foi o mais claro sinal do esgotamento político e social da austeridade. Com um desemprego que superou os 27% na Espanha e na Grécia, bateu recordes em Portugal e na França e chegou a 19 milhões nos 17 países da eurozona, o esgotamento desse modelo é a cada dia mais visível.
Com esse pano de fundo, o Banco Central europeu terá que decidir [...] se baixa a taxa de juros, que está em um mínimo histórico, para estimular o crescimento.
A “Carta Maior” conversou com Simon Tilford, do “Centro para a Reforma Europeia”, com sede em Londres, sobre o futuro da zona do euro:
Chega a surpreendê-lo que, desde o ortodoxo José Manuel Barroso até Enrico Letta, ou os documentos do Partido Socialista francês, publicados pelo “Le Monde”, todos falem do fracasso da austeridade?
Simon Tilford: A ideia de que a austeridade iria preparar o caminho para o crescimento mediante o retorno da confiança dos mercados não funcionou. Hoje, muitas economias se encontram em recessão ou mesmo em depressão. Os dados são inquestionáveis. O problema é que admitir o fracasso da austeridade é muito difícil para os políticos, porque teriam que admitir que há dificuldades institucionais na Europa, que deve mudar.
Quais são esses problemas institucionais?
ST: É preciso uma autoridade bancária que atue realmente como fonte de crédito de última instância para toda a zona do euro. A única razão pela qual baixaram os custos de financiamento dos países periféricos é porque o presidente do Banco Central da Europa (BCE), Mário Draghi, disse em agosto passado que faria tudo o que fosse necessário para sustentar o euro. Não ocorreu o que diziam alguns políticos caso se seguisse uma política de austeridade. Um absurdo, se pensarmos que o custo da dívida caiu também para a França que resiste a aplicar a austeridade.
O que ocorreu é que os investidores pensam que o BCE vai atuar como emprestador de última instância se houver um problema. Mas isso deve se institucionalizar e é preciso uma federalização do sistema bancário da eurozona para romper o vínculo atual entre a dívida dos bancos e a dos Estados. E, certamente, é fundamental que haja políticas de crescimento, que substituam as atuais políticas de austeridade.
Está claro que o Plano A, da austeridade, falhou. Como seria o Plano B? Estamos falando de um plano keynesiano clássico?
“Quase ninguém mais aguenta a austeridade na Europa. Em seu primeiro discurso como primeiro ministro ante o parlamento italiano, Enrico Letta foi contundente. “A Itália está morrendo com a aplicação da austeridade. Necessitamos de políticas de crescimento”.
Não é uma voz isolada. Na última semana, nada mais nada menos que o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, disse que era preciso “uma política correta que tenha ao mesmo tempo aceitação social e política”. A contundente derrota em fevereiro do candidato da austeridade, Mario Monti, foi o mais claro sinal do esgotamento político e social da austeridade. Com um desemprego que superou os 27% na Espanha e na Grécia, bateu recordes em Portugal e na França e chegou a 19 milhões nos 17 países da eurozona, o esgotamento desse modelo é a cada dia mais visível.
Com esse pano de fundo, o Banco Central europeu terá que decidir [...] se baixa a taxa de juros, que está em um mínimo histórico, para estimular o crescimento.
A “Carta Maior” conversou com Simon Tilford, do “Centro para a Reforma Europeia”, com sede em Londres, sobre o futuro da zona do euro:
Chega a surpreendê-lo que, desde o ortodoxo José Manuel Barroso até Enrico Letta, ou os documentos do Partido Socialista francês, publicados pelo “Le Monde”, todos falem do fracasso da austeridade?
Simon Tilford: A ideia de que a austeridade iria preparar o caminho para o crescimento mediante o retorno da confiança dos mercados não funcionou. Hoje, muitas economias se encontram em recessão ou mesmo em depressão. Os dados são inquestionáveis. O problema é que admitir o fracasso da austeridade é muito difícil para os políticos, porque teriam que admitir que há dificuldades institucionais na Europa, que deve mudar.
Quais são esses problemas institucionais?
ST: É preciso uma autoridade bancária que atue realmente como fonte de crédito de última instância para toda a zona do euro. A única razão pela qual baixaram os custos de financiamento dos países periféricos é porque o presidente do Banco Central da Europa (BCE), Mário Draghi, disse em agosto passado que faria tudo o que fosse necessário para sustentar o euro. Não ocorreu o que diziam alguns políticos caso se seguisse uma política de austeridade. Um absurdo, se pensarmos que o custo da dívida caiu também para a França que resiste a aplicar a austeridade.
O que ocorreu é que os investidores pensam que o BCE vai atuar como emprestador de última instância se houver um problema. Mas isso deve se institucionalizar e é preciso uma federalização do sistema bancário da eurozona para romper o vínculo atual entre a dívida dos bancos e a dos Estados. E, certamente, é fundamental que haja políticas de crescimento, que substituam as atuais políticas de austeridade.
Está claro que o Plano A, da austeridade, falhou. Como seria o Plano B? Estamos falando de um plano keynesiano clássico?
ST: A Europa precisa crescer. Não se trata simplesmente de gastar mais dinheiro ou de que a Espanha ou Itália se endividem mais para estimular o crescimento. O que é preciso é que a zona do euro em seu conjunto tenha uma política de expansão. Ou seja, que países com forte superávit comercial como a Alemanha relaxem sua política fiscal e gastem mais, fortalecendo seu consumo interno, e que haja relaxamento radical da austeridade na periferia.
No momento, do que se fala é de uma redução das taxas de juros. Isso serviria de estímulo para o consumo?
ST: Não creio que tenha grande impacto. O tema é por que o chamado mecanismo de transmissão do dinheiro está quebrado. A razão pela qual o crédito é caro na Espanha ou Itália para o consumo individual ou empresarial é porque os bancos são muito débeis. Para solucionar esse problema, precisam quebrar o vínculo entre os bancos e o Estado. Os investidores são reticentes a emprestar aos governos pelo medo que têm da debilidade do setor bancário e da necessidade de que ele tenha que ser resgatado pelo Estado. Ao mesmo tempo, há desconfiança no setor bancário porque ele tem muita dívida do governo em seus balanços. Isso se consegue com um BCE que atue como emprestador de última instância e algum mecanismo de federalização do sistema bancário.
É possível ter um plano de investimento em nível da Comissão Europeia para estimular o crescimento na Espanha, Itália, Grécia e Portugal?
ST: As somas necessárias para isso são gigantescas. Um investimento assim poderia melhorar um pouco as coisas. Mas se pensamos na Espanha, ela não precisa de mais infraestrutura. A Itália ou, fora da zona do euro, o Reino Unido, sim precisam de investimentos em infraestrutura que, em ambos casos, necessitam de urgente modernização. O que um país como a Espanha precisa resolver é sua crise bancária, relaxar a política de austeridade e existir uma demanda mais forte de outros países europeus para sair de sua crise.
O grande obstáculo para a adoção de um plano B é a Alemanha, mas no momento, até as eleições de setembro, não há nenhuma possibilidade de mudança. Agora, mesmo que a oposição vença as eleições, ela que critica mais a austeridade, uma mudança de política levará tempo para se concretizar. A zona do euro tem tanta margem política, econômica e social para esperar uma mudança?
ST: Surpreendeu-me muito o grau de tolerância verificado em relação à austeridade. As pessoas aguentaram muito mais do que a maioria dos observadores pensavam. Mas não se pode apostar nisso indefinidamente. Se olharmos para a crescente impopularidade da União Europeia e a frustração das pessoas, veremos que essa é uma estratégia insustentável. Surpreende-me que França, Itália e Espanha não tenham adotado posição comum mais forte. É possível que tenham decidido não colocar a Alemanha contra a parede. Mas não descarto que venham a fazer isso. A própria Alemanha terá que aceitar que essa estratégia não está funcionando. O problema é que, para além de quem ganhe a eleição em setembro, o eleitorado alemão colocará limites para uma mudança de estratégia. Na Alemanha, não há muita aceitação da necessidade de federalização real da eurozona para que ela funcione. Somente se a crise chegar a um ponto limite e isso forçar um debate aberto na Alemanha, poderá ocorrer uma mudança de estratégia.”
FONTE: escrito por Marcelo Justo, direto de Londres. Tradução: Marco Aurélio Weissheimer. Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21984). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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