quinta-feira, 2 de maio de 2013

YO NO CREO EN LAS BRUJAS, PERO...


Por Marcelo Gleiser, na “Folha”

Einstein chamou de 'fantasmagórico' o efeito à distância entre partículas proposto na física quântica.

Quando Newton publicou sua teoria da gravitação universal em 1686, sabia que iria ter problemas com alguns críticos. Afinal, sua teoria descrevia a atração gravitacional de uma massa sobre outra como uma força que, misteriosamente, agia sobre o espaço vazio, meio que fantasmagoricamente.

Como é que a influência do Sol sobre a Terra, da Terra sobre o Sol, deste jornal sobre sua cabeça ou da sua cabeça sobre o jornal atua sem que haja um contato direto?

Esse é o problema da "ação à distância", que ficou sem explicação na teoria do Newton. Aparentemente, tudo se passava instantaneamente: se o Sol deixasse de existir, sentiríamos isso imediatamente --e "cataclismicamente".
                                                                                        
Muito esperto, Newton incluiu na conclusão de sua obra uma espécie de ação preventiva contra críticos, argumentando que sua teoria explicava tanta coisa que não precisava explicar a origem da gravidade ou como esta se propagava pelo espaço: "Não farei qualquer hipótese a respeito". Já bastava assim.

Apenas em 1915, Einstein mudou esse quadro com sua teoria da relatividade geral. A ação da gravidade poderia ser ligada à curvatura do espaço em torno de corpos com massa: planetas têm órbitas elípticas em torno do Sol porque o espaço à sua volta é deformado como uma espécie de cone, e a elipse é a curva mais curta nessa geometria.

A teoria de Einstein substituiu a misteriosa ação à distância de Newton por um efeito local, produto da ação da massa sobre o espaço ao seu redor. Se o Sol desaparecesse de repente, não sentiríamos isso instantaneamente: levaria pouco mais de oito minutos, o tempo que demora para a gravidade se propagar do Sol até aqui, na velocidade da luz.

Quando Einstein achou que havia exorcizado o fantasma da ação à distância, eis que ele retorna triunfalmente à física quântica.

Tudo começou em 1926, quando Schrödinger obteve sua equação de onda descrevendo as órbitas do elétron em torno do núcleo atômico.

Era claro que o elétron não podia ser visto como uma mera partícula; já se sabia da "dualidade partícula-onda", na qual objetos podem ser tanto localizados como partículas quanto espalhados como ondas.

Schrödinger supôs que a onda fosse o próprio elétron ou sua carga elétrica espalhada em torno do núcleo, feito um borrão. Logo ficou claro que essa onda não era de matéria, mas de probabilidade: a equação dava a probabilidade de o elétron ser encontrado aqui ou ali. Pior, quando sua posição era medida, a onda entrava em colapso instantaneamente em um ponto --onde estava o elétron. A ação à distância retorna!

O efeito piora quando temos um par de elétrons girando em sentidos opostos. Separando-os e invertendo a direção de um, o outro inverte a sua também, de modo que ambos mantenham seu giro oposto.

O incrível é que isso ocorre instantaneamente, a qualquer distância! Einstein ficou horrorizado com isso, chamando o efeito de fantasmagórico. Pudera, havia-o exorcizado uma vez na gravidade e queria fazê-lo na física quântica.

Mas ele e outros não conseguiram isso: efeitos "não locais" são parte do mundo quântico, confirmados experimentalmente. O significado disso está em aberto. "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay."

FONTE: escrito por Marcelo Gleiser e publicado na “Folha de São Paulo”. O autor é professor de física teórica no “Dartmouth College”, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/106256-yo-no-creo-en-las-brujas-pero.shtml) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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