Por Marcelo
Gleiser, na “Folha”
“Einstein
chamou de 'fantasmagórico' o efeito à
distância entre partículas proposto na física quântica.
Quando Newton publicou sua teoria da gravitação universal
em 1686, sabia que iria ter problemas com alguns críticos. Afinal, sua teoria
descrevia a atração gravitacional de uma massa sobre outra como uma força que,
misteriosamente, agia sobre o espaço vazio, meio que fantasmagoricamente.
Como é que a influência do Sol sobre a Terra, da
Terra sobre o Sol, deste jornal sobre sua cabeça ou da sua cabeça sobre o
jornal atua sem que haja um contato direto?
Esse é o problema da "ação à distância", que ficou sem explicação na teoria do
Newton. Aparentemente, tudo se passava instantaneamente: se o Sol deixasse de existir, sentiríamos isso imediatamente --e
"cataclismicamente".
Muito esperto, Newton incluiu na conclusão de sua
obra uma espécie de ação preventiva contra críticos, argumentando que sua
teoria explicava tanta coisa que não precisava explicar a origem da gravidade
ou como esta se propagava pelo espaço: "Não farei qualquer hipótese a respeito". Já bastava assim.
Apenas em 1915, Einstein mudou esse quadro com sua teoria da relatividade geral. A ação da
gravidade poderia ser ligada à curvatura do espaço em torno de corpos com
massa: planetas têm órbitas elípticas em
torno do Sol porque o espaço à sua volta é deformado como uma espécie de cone,
e a elipse é a curva mais curta nessa geometria.
A teoria de Einstein substituiu a misteriosa ação à distância de Newton por um efeito local, produto da ação da massa
sobre o espaço ao seu redor. Se o Sol desaparecesse de repente, não sentiríamos
isso instantaneamente: levaria pouco mais
de oito minutos, o tempo que demora para a gravidade se propagar do Sol até
aqui, na velocidade da luz.
Quando Einstein achou que havia exorcizado o
fantasma da ação à distância, eis que
ele retorna triunfalmente à física quântica.
Tudo começou em 1926, quando Schrödinger obteve sua
equação de onda descrevendo as órbitas do elétron em torno do núcleo atômico.
Era claro que o elétron não podia ser visto como
uma mera partícula; já se sabia da "dualidade
partícula-onda", na qual objetos podem ser tanto localizados como
partículas quanto espalhados como ondas.
Schrödinger supôs que a onda fosse o próprio
elétron ou sua carga elétrica espalhada em torno do núcleo, feito um borrão.
Logo ficou claro que essa onda não era de matéria,
mas de probabilidade: a equação dava a probabilidade de o elétron
ser encontrado aqui ou ali. Pior, quando sua posição era medida, a onda
entrava em colapso instantaneamente em um ponto --onde estava o elétron. A ação
à distância retorna!
O efeito piora quando temos um par de elétrons
girando em sentidos opostos. Separando-os e invertendo a direção de um, o outro
inverte a sua também, de modo que ambos mantenham seu giro oposto.
O incrível é que isso ocorre instantaneamente, a
qualquer distância! Einstein ficou horrorizado com isso, chamando o efeito de fantasmagórico. Pudera, havia-o
exorcizado uma vez na gravidade e queria fazê-lo na física quântica.
Mas ele e outros não conseguiram isso: efeitos "não locais" são parte do
mundo quântico, confirmados experimentalmente. O significado disso está em
aberto. "Yo no creo en las brujas,
pero que las hay, las hay."
FONTE:
escrito por Marcelo Gleiser e publicado na “Folha de São Paulo”. O autor é professor de física teórica no “Dartmouth College”,
em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/106256-yo-no-creo-en-las-brujas-pero.shtml) [Imagem do Google adicionada por este blog
‘democracia&política’].
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