Por Saul Leblon
“Na semana
passada, quando o PNUD lançou o “Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil”,
mostrando a queda da desigualdade entre municípios e regiões brasileiras, o
tucano Fernando Henrique Cardoso apressou-se em postar no Facebook uma
interpretação ansiosa dos fatos.
“Verdades da História sempre vencem a
propaganda política populista", sentenciou o imortal, que já nasceu
convencido da posteridade.
"Entre 1991 a 2000, período que contempla o
lançamento e a consolidação do Plano Real, o IDHM cresceu 24,4%", destacou
o PSDB; "Já entre 2000 e 2010,
década marcada pela chegada do lulismo ao poder, a evolução foi de 18,8%".
Franco
Montoro, para citar um político próximo aos tucanos, dizia que as ‘verdades ‘
estatísticas envolvem ciladas.
A média de
consumo de frango entre duas famílias – uma
pobre, que passa fome, e a rica, que come quatro galetos no almoço – é de
dois frangos, dizia.
A ‘vantagem’
evocada por FHC incorre em outro truque correlato: nada informa sobre a base
de comparação de seu presumido ‘feito’.
Recapitulemos
o ponto do qual partiu FHC.
Os anos 80
impuseram aos países da América Latina uma expropriação de recursos de
intensidade equivalente ao escalpo extraído da Alemanha pelo Tratado de
Versalhes, nos anos 30, que pavimentou o chão do nazismo.
Conhecida
como “a década perdida”, ela despejaria uma tempestade perfeita sobre o Brasil.
A explosão
dos juros norte-americanos, o segundo choque do petróleo, a crise da dívida
externa, o colapso da ditadura e a hiperinflação reduziriam o país a uma
montanha desordenada de ruínas sociais e econômicas .
Entre 1980 e 1990, o Brasil desembolsou mais de US$ 200 bilhões no pagamento de juros, sem receber nenhum dinheiro novo, exceto rolagens.
Entre 1980 e 1990, o Brasil desembolsou mais de US$ 200 bilhões no pagamento de juros, sem receber nenhum dinheiro novo, exceto rolagens.
E o saldo,
todavia, não parou de crescer.
Indexada a
taxas de juros flutuantes –que saltaram
da média anual de 7,5% em 1977, para 20,18%, em 1980 – a dívida externa
brasileira passou de US$ 43,5 bilhões, em 1978, para três vezes mais na década
seguinte.
O
crescimento médio do PIB foi de 1,3% no período.
Insuficiente
até mesmo para responder ao crescimento demográfico, que avançou 2% ao ano.
Ao final do
pastejo financeiro dos anos 80, a renda brasileira per capita havia regredido
9%.
O ‘ajuste’
custaria ao país uma transferência aos credores da ordem 15% do PIB. Um
sacrifício que não foi rateado simetricamente.
A renda dos
20% mais pobres caiu 25,9% entre 1981/89.
A dos 10%
mais ricos cresceu 14%.
A fatia
apropriada pelos salários na renda do país recuaria para 38% no final da
década, contra 50% em 1980 (hoje é da ordem de 49%)
Os
endinheirados que formam os 10% mais ricos da sociedade terminaram os anos 80
com 53% da riqueza nacional nas mãos (a
média era de 25% em 40 países listados pelo Banco Mundial, incluindo-se Índia e
Bangladesh).
Foi sobre
essa terra arrasada que se deu o avanço do IDH na era tucana.
Num quadro
de descontrole de preços e mergulho da renda, a mera ruptura da hiperinflação –
iniciativa importante deflagrada no
governo Itamar Franco/PMDB – já seria suficiente para alterar positivamente
o IDH urbano.
Mas não para
instalar uma nova dinâmica de crescimento, com redução da desigualdade.
A taxa real
de juros [SELIC] no primeiro governo FHC/PSDB foi de 22%, em média.
O arrocho
monetário e não a distribuição de renda foi a pedra de toque da estabilização
adotada pelo governo tucano, que também serviu à atração de capitais
especulativos, um requisito ao equilíbrio das contas externas, atropeladas pela
fantasia do “Real forte” (RS 1 = US 1).
A derivação
dessa macroeconomia é conhecida: desmonte industrial , desequilíbrio fiscal e
desemprego.
Fica difícil
localizar a 'verdade histórica' que, segundo FHC, teria feito justiça ao
esticão distributivo promovido em seu governo.
Novas
tabulações do IPEA, divulgadas pelo ‘Estadão’, no domingo, acrescentam dados
que ajudam a entender as forças que agiram, de fato, para a queda da
desigualdade evidenciada no “Atlas do Desenvolvimento Humano”, do PNUD.
Conforme o
diário “conservador”, que tem FHC como um de seus articulistas, o rendimento
domiciliar per capita cresceu 63% acima da inflação na média dos 5.565
municípios brasileiros, entre 2000 e 2010.
No ciclo de
governos do PT, quatro em cada cinco municípios brasileiros (80% do total),
viram diminuir a desigualdade de renda entre seus habitantes.
‘O fato é ainda mais relevante porque
reverteu uma tendência histórica’, admite o jornal.
Qual
tendência?
A do aumento
da desigualdade em 58% das cidades brasileiras na década de 90, quando FHC/PSDB
dirigia o país.
De acordo com o IPEA, o rendimento médio dos 10% mais ricos cresceu 60%, na média de todos os municípios entre 2000 e 2010.
Mas a renda
dos 20% mais pobres de cada município cresceu quase quatro vezes mais rápido: 217%
no período.
A distância
que separava o topo da base recuou: quase um terço em dez anos.
Naturalmente,
persistem desníveis abissais.
Mas a
dinâmica instalada entre 2000/2010 operou – e
ainda opera – no sentido de maior convergência.
Quando o PT
assumiu a Presidência do Brasil, a diferença de renda entre os 10% mais ricos e
os 20% mais pobres equivalia a 26 vezes.
Em 2010,
havia recuado para 18 vezes.
O passado
não passa se não for bem compreendido.
O Brasil
vive uma nova transição de ciclo de desenvolvimento, na qual a sociedade terá
que definir, em breve, as balizas dessa travessia.
Entender a
lógica dominante dos anos 90, e o seu custo, ajuda a clarear essas escolhas.
Não se trata
de pinimba ideológica: a memória é um pedaço do futuro. É
preciso mantê-la fresca no discernimento da sociedade.”
FONTE:
escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior”e transcrito no portal de Luis
Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-interpretacao-de-fhc-dos-dados-do-idhm).
[Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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