sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

FRANÇA SUPERA OS JIHADISTAS EM MATAR CIVIS INOCENTES




A quem serve a guerra deles?

'A França pretende destruir o Estado Islâmico? Jogando bombas, ela multiplica os jihadistas. Seus aviões matam civis tão inocentes quanto os do Bataclan.'

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris

«Por que a guerra ?»

"A pergunta deu nome ao encontro realizado em Paris, em 2003, com os filósofos Jacques Derrida e Jean Baudrillard para discutir o projeto de invasão do Iraque por Bush, ao qual a França se opôs na ONU. O país árabe foi invadido pela coalizão ocidental, sem a participação da França que votou negativamente no Conselho de Segurança da ONU. Segundo o jornalista Jean-Pierre Séréni (Le Monde Diplomatique), o voto no Conselho de Segurança foi negociado contra a garantia de futuros contratos no Iraque para as companhias petrolíferas ocidentais.

« A quem serve a guerra deles » ? Essa pergunta era o título do texto publicado depois dos atentados de 13 de novembro no jornal "Libération" e assinado por intelectuais. Quebrando uma quase unanimidade no apoio à nova guerra, eles listaram as guerras recentes nas quais a França - segundo exportador mundial de armas - se engajou e constataram o saldo totalmente negativo, seja no Afeganistão, na Líbia ou no Mali.

Na Síria e no Iraque, faz-se uma nova guerra por jazidas petrolíferas e pelo controle de uma região estratégica? «Os oleodutos do Oriente Médio, o urânio explorado na África em condições monstruosas por "Areva", os interesses da "Total" (empresa de petróleo francesa), não teriam nada a ver com essas guerras seletivas que semeiam a devastação ?» perguntam os sociólogos, historiadores, filósofos e editores que assinam o texto.

Eles acrescentam : «Na Líbia, na África Central, no Mali, a França não iniciou nenhum processo para ajudar as populações a sair do caos... A França pretende destruir Daech ? Jogando bombas, ela multiplica os djiadistas. Os aviões Rafale matam civis tão inocentes quanto os do Bataclan. No Iraque, alguns desses civis acabarão por ser solidários com os djiadistas : esses bombardeios são verdadeiras bombas-relógio».

O texto assegura que é difícil a França evitar que jovens filhos de imigrantes sejam tentados pelo extremismo. Na sociedade francesa, eles são discriminados na escola, na busca de trabalho, no acesso à moradia e até mesmo na prática religiosa com as leis que proibiram o véu islâmico total no espaço público. Num momento fugaz de lucidez política, o primeiro-ministro Manuel Valls havia reconhecido dia 20 de janeiro o «aparheid territorial, social, étnico» vivido pelos jovens franceses originários da imigração. Depois do 13 de novembro, ele não falou mais no apartheid e defendeu a intensificação dos bombardeios ao Estado Islâmico.

Em 2003, em várias capitais europeias, o povo foi à rua dizer que não queria a guerra. Mesmo assim, o Iraque foi invadido por Bush, Blair e companhia. Eles fizeram a guerra com falsas provas de armas de destruição em massa. O que sobrou da invasão e da ocupação americana foi o caos e a atual realidade do autoproclamado Estado Islâmico.

Os intelectuais que pedem o fim das bombas pedem também o fim das leis de exceção, liberticidas, que «contornam e negam as causas do terrorismo». «A guerra não será feita em nosso nome», termina o texto.

Homens-bombas

Ao intensificar os bombardeios na Síria e no Iraque, François Hollande pensa evitar novos ataques. Mas será possível declarar guerra ao terrorismo? Como vencer uma nebulosa que se infiltra em Estados-nação com homens-bomba que escapam aos controles mais sofisticados?

Em artigo no "Le Monde", Gilbert Achcar ressaltou que a prática de execuções extrajudiciais através dos drones faz do Pentágono o campeão dos «serial killers». Ora, na falta de drones ou mesmo de aviões para bombardear seus inimigos designados, o Estado Islâmico-Daech dispõe de homens e mulheres dispostos a morrer pelo autoproclamado califado, que ocupa um território do tamanho da Grã-Bretanha e apaga as fronteiras traçadas pelas grandes potências.

O filósofo alemão Jürgen Habermas disse em entrevista à imprensa francesa que, em seu país, a retórica guerreira de Hollande é vista como um jogo que tem motivações na política interna.

«A intervenção de tropas americanas e europeias no solo não somente é irrealista como seria de grande imprudência. Não adianta nada tentar se sobrepor aos poderes locais».

Petróleo nacionalizado

Desde 1972, as companhias estrangeiras estavam excluídas do setor petrolífero iraquiano, nacionalizado e controlado pelo Estado baassista (ancorado no partido Baas) criado por Saddam Hussein.

Quando se sabe que as grandes companhias petrolíferas do Ocidente voltaram a explorar desde 2003 os poços do norte do Iraque, conquistados depois pelo Estado Islâmico, se entende por que os ocidentais bombardeiam maciçamente a região para aniquilar "Daech" e retomar o tesouro perdido. Mas como nenhum país declara a guerra confessando que o faz para retomar poços de petróleo, o discurso da propaganda guerreira fala de "valores", dos "bárbaros contra a civilização", dos "fanáticos contra a liberté, égalité, fraternité".

Na França, a «Marseillaise» e a bandeira francesa deixaram de ser considerados cafonas. Até o massacre de 13 de novembro, esses símbolos nacionais eram monopolizados pelo partido xenófobo ultranacionalista "Frente Nacional-FN", de Marine Le Pen. Os atentados terroristas permitiram ao governo Hollande se reapropriar dos símbolos nacionais, considerados pela esquerda conotados demais ao passado vichysta do país.

O Iraque vive hoje as consequências do caos de uma guerra civil entre o regime xiita fantoche que os EUA deixaram ao retirar suas tropas e os antigos baassistas que governaram o país com Saddam Hussein. A minoria xiita imposta depois da invasão americana esmagou a maioria sunita, fez prisões arbitrárias, torturou, matou. Os membros do banido partido Baas (Partido da Ressurreição Árabe e Socialista). partiram para a luta armada e deram origem ao Estado Islâmico-Daech, com a pretensão de recriar o califado.

Em magnífico artigo intitulado «Fracasso de uma guerra pelo petróleo» Jean-Pierre Séréni traçou a história do fracasso da guerra de Bush no Iraque. Os interesses por baixo do pano são contados em detalhes. Essa guerra gerou contratos fabulosos para as companhias petrolíferas, mas é preciso não esquecer que, de 2003 a 2013, ela fez seiscentos mil mortos, um milhão e oitocentos mil exilados e produziu deslocamentos internos de população jamais vistos no país.

Alan Greenspan, que dirigiu o "Federal Reserve", o banco central americano de 1987 a 2006, escreveu em seu livro "Le Temps des turbulences", publicado em Paris em 2007 : «Lamento que não seja politicamente bem visto admitir o que todo mundo sabe : uma das fortes motivações da guerra do Iraque foi o petróleo da região.»

As consequências das invasões ocidentais estão hoje se espalhando como uma metástase."

FONTE: escrito por Leneide Duarte-Plon, de Paris. Publicado no site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-quem-serve-a-guerra-deles-/6/35143).

Nenhum comentário: