“Números mostram que a qualidade de ensino da universidade pública é superior à da particular, pelo menos no centro-sul do país.
A quase total ausência de pesquisa faz com que a instituição privada mais se assemelhe a escolas vocacionais, de treinamento, e não a verdadeiras universidades. A superioridade numérica das matrículas em instituições privadas ainda não é gritante, mas será difícil sustentar e expansão que a universidade pública viu na primeira década deste século.
Por Maurizio Ferrante
Em ensaio recente o “London Review of Books” nos conta que uma Instituição de ensino superior chamada “BPP University College of Professional Studies” foi elevada a status de Universidade, tornando-se a segunda instituição privada das ilhas britânicas com a prerrogativa de conceder títulos de terceiro grau. O texto continua, informando que nos Estados Unidos a BPP possui 14 campi e 36.000 estudantes e que é tão somente um dos braços do “Apollo Group”, líder naquele país da educação corporativa. Lá, esste tipo de instituição cresceu sobremaneira durante os anos Bush filho, e, para dar um exemplo, a Universidade de Phoenix, do “Grupo Apollo”, conta com 500.000 alunos, sendo maior do que todo o sistema educacional de terceiro grau da Califórnia.
Em dólares, os números também são grandes; entre 2008 e 2010 o giro financeiro da “Apollo” cresceu 25%, indo a quatro bilhões de US$, enquanto “Wall Street” afundava. É um excelente negócio, especialmente se atentarmos que nessas “Instituições de Ensino sem Fins Lucrativos” - IESFL (como estranhamente muitas se autoclassificam) a indissolubilidade entre ensino e pesquisa é quebrada e o ensino a distância paulatinamente toma o lugar do presencial, com brutal contração de custos.
O autor do ensaio, Howard Hotson é “fellow” do “St Annie College”, Oxford, e presidente da “International Society for Intellectual History”; evidentemente, foi motivado pela preocupação de que o que acontece nos Estados Unidos pudesse acontecer na Inglaterra com o avanço das IESFL. Acontecer o que? A seu ver, a ruptura da homogeneidade qualitativa do sistema universitário do país, e sua substituição por uma estrutura como a americana, na qual ao lado das universidades “Ivy League”, sem sombra de dúvida líderes mundiais em qualidade científica e eficiência educacional, proliferam instituições de qualidade muito duvidosa. Em resumo, a educação como business, com toda a escala de valores e prioridades atinentes ao mercado.
E NO BRASIL? COMO ESTAMOS?
Numericamente falando, 2069 a 245: o número de instituições privadas de terceiro grau é quase dez vezes o das públicas. O total de matrículas é, respectivamente, 3.764.728 e 1.232.992, isto é, de cada 100 alunos, 32 cursam a universidade pública . Quanto a concluintes, a proporção pouco se altera, com 26% dos formandos oriundos da universidade pública. Os dados mencionados a seguir se referem sempre a ensino presencial, exceto quando diferentemente especificado.
Os números mostram que a predominância da educação privada sobre a pública não é tão esmagadora como se imagina, o que se deve ao grande esforço do governo Lula que, entre 2001 e 2009, praticamente aumentou em uma vez e meia o número de matrículas. No entanto, não fez nada mais que acompanhar a certa distância a expansão das instituições privadas que, no mesmo período, duplicaram esse indicador. Enfim, em 2009 havia pouco mais de cinco milhões de universitários, em cursos presenciais e quase um milhão a mais, se cursos à distância forem considerados.
MAS E A QUALIDADE? ANALISADA NUMERICAMENTE, COMO SE COMPARA?
Apesar de algumas falhas, muito amplificadas pela imprensa, o Ministério de Educação e Cultura (MEC) está construindo uma estrutura de avaliação que inicia a mostrar sua utilidade. Para o terceiro grau, utiliza o “Índice Geral de Cursos” (IGC) composto pelo resultado do “Exame Nacional de Desenvolvimento Escolar” (ENADE), e pelo “poder de fogo” da instituição, representado pela qualidade do corpo docente, instalações físicas, biblioteca, e que é julgado por avaliações in loco realizadas por comissões de especialistas, bastante sérias, diga-se de passagem. Além do IGC, há notas referentes aos cursos oferecidos por cada Instituição, o CPC. Essa massa de avaliações é transformada em notas indo de um a cinco, que assim aparecem na grande imprensa e, quando conveniente, na propaganda de esta ou aquela instituição.
O que é necessário saber é que o IGC publicado é oriundo de uma aproximação para mais, que acaba comprimindo as notas e dificultando a avaliação comparativa. Por exemplo, a universidade X com nota 1,97 aparece com IGC igual a 3, enquanto a Y, que aparece com o mesmo IGC tem 2,82.
Assim, pesquisando os dados brutos, não os aproximados (“IGC continuado”, na nomenclatura do MEC), obtêm-se a real distância entre as instituições. A Figura 1 compara o “IGC continuado” de Instituições públicas - quadrados, e privadas – losangos; os dados foram publicados em 2011.
O universo aqui representado é relativamente pequeno, são 20 instituições públicas e igual número de particulares, todas da região centro-sul do país, do Rio Grande a Minas Gerais. Isso significa que foram pesquisadas as melhores escolas, localizadas nas regiões economicamente mais abastadas e industrialmente mais produtivas do país. Em outras palavras, a indústria, finanças, serviços e cultura brasileiros dependem em grande parte dos formandos e das atividades de pesquisa dessas escolas.
A figura mostra, claramente, duas nuvens de pontos, bem destacadas e com um mínimo de superposição. De fato, apenas uma instituição pública desceu até ser capturada pela nuvem das particulares. Dessas, três ascenderam à nuvem superior. Adiante serão comentadas algumas particularidades dessas três instituições, que, aliás, numa visão global se encontram entre as melhores do país. Concluindo, a superioridade das Instituições públicas é indiscutível, pese as quatro exceções.
Os números mostram que a predominância da educação privada sobre a pública não é tão esmagadora como se imagina, o que se deve ao grande esforço do governo Lula que, entre 2001 e 2009, praticamente aumentou em uma vez e meia o número de matrículas. No entanto, não fez nada mais que acompanhar a certa distância a expansão das instituições privadas que, no mesmo período, duplicaram esse indicador. Enfim, em 2009 havia pouco mais de cinco milhões de universitários, em cursos presenciais e quase um milhão a mais, se cursos à distância forem considerados.
MAS E A QUALIDADE? ANALISADA NUMERICAMENTE, COMO SE COMPARA?
Apesar de algumas falhas, muito amplificadas pela imprensa, o Ministério de Educação e Cultura (MEC) está construindo uma estrutura de avaliação que inicia a mostrar sua utilidade. Para o terceiro grau, utiliza o “Índice Geral de Cursos” (IGC) composto pelo resultado do “Exame Nacional de Desenvolvimento Escolar” (ENADE), e pelo “poder de fogo” da instituição, representado pela qualidade do corpo docente, instalações físicas, biblioteca, e que é julgado por avaliações in loco realizadas por comissões de especialistas, bastante sérias, diga-se de passagem. Além do IGC, há notas referentes aos cursos oferecidos por cada Instituição, o CPC. Essa massa de avaliações é transformada em notas indo de um a cinco, que assim aparecem na grande imprensa e, quando conveniente, na propaganda de esta ou aquela instituição.
O que é necessário saber é que o IGC publicado é oriundo de uma aproximação para mais, que acaba comprimindo as notas e dificultando a avaliação comparativa. Por exemplo, a universidade X com nota 1,97 aparece com IGC igual a 3, enquanto a Y, que aparece com o mesmo IGC tem 2,82.
Assim, pesquisando os dados brutos, não os aproximados (“IGC continuado”, na nomenclatura do MEC), obtêm-se a real distância entre as instituições. A Figura 1 compara o “IGC continuado” de Instituições públicas - quadrados, e privadas – losangos; os dados foram publicados em 2011.
O universo aqui representado é relativamente pequeno, são 20 instituições públicas e igual número de particulares, todas da região centro-sul do país, do Rio Grande a Minas Gerais. Isso significa que foram pesquisadas as melhores escolas, localizadas nas regiões economicamente mais abastadas e industrialmente mais produtivas do país. Em outras palavras, a indústria, finanças, serviços e cultura brasileiros dependem em grande parte dos formandos e das atividades de pesquisa dessas escolas.
A figura mostra, claramente, duas nuvens de pontos, bem destacadas e com um mínimo de superposição. De fato, apenas uma instituição pública desceu até ser capturada pela nuvem das particulares. Dessas, três ascenderam à nuvem superior. Adiante serão comentadas algumas particularidades dessas três instituições, que, aliás, numa visão global se encontram entre as melhores do país. Concluindo, a superioridade das Instituições públicas é indiscutível, pese as quatro exceções.
Figura 1 (acima) - Índice Geral de Cursos - IGC continuado - de Instituições de quarenta instituições de ensino do terceiro grau, públicas e particulares, localizadas na região centro-sul do Brasil. [Losangos: públicas; quadrados: particulares].
A Figura 2 (abaixo) - resume uma análise mais detalhada, que focou três áreas do conhecimento: engenharia, ciências humanas e economia. Os dados são de 2009 e os cursos escolhidos são os mais representativos dessas três áreas; assim:
A Figura 2 (abaixo) - resume uma análise mais detalhada, que focou três áreas do conhecimento: engenharia, ciências humanas e economia. Os dados são de 2009 e os cursos escolhidos são os mais representativos dessas três áreas; assim:
Já foi dito que o indicador para cursos específicos, engenharia civil, letras, pedagogia etc. é o CPC – e vale o mesmo raciocínio feito para o IGC continuado e aproximado. Novamente, formam-se duas elipses, mas com maior incidência de superposição.
Nas engenharias, a migração é uma rua de uma só mão: nenhuma Instituição particular ascendeu à elipse superior, mas um bom número de públicas mostrou-se deficiente. A troca de posições é mais acentuada nas ciências humanas compostas por quatro cursos (se considerarmos Direito como ciência humana). A mesma mão de direção é seguida, significando um grande número de Instituições públicas migrando até as posições inferiores da elipse das particulares, com apenas uma dessas percorrendo o sentido inverso.
Figura 2. Distribuição entre Instituições públicas e Instituições particulares, da pontuação CPC estendida referente a cursos de três diferentes áreas do conhecimento: engenharias, ciências humanas e economia. [Losangos: públicas; quadrados: particulares].
Por fim, as ciências econômicas apresentam um panorama diferente; a Figura 2 ressalta claramente a qualidade da Instituição pública, com apenas três pontos fora de sua elipse. É um panorama semelhante ao das engenharias, exceto pela emergência de oito instituições privadas, três das quais próximas ao topo da pontuação, região onde, aplicando a aproximação, todos os cursos teriam o mesmo CPC igual a cinco. A maior resolução do indicador bruto, porém, indica que, em ciências econômicas e administração de empresas, a primazia ainda fica com o sistema público de ensino.
Em resumo, da Figura 2 emergem três panoramas bem distintos:
(i) nas engenharias o desempenho do sistema privado é entre 1,5 e 3,0, resultado muito pouco satisfatório. Deve ser lembrado que esses são cursos que exigem laboratórios e aulas práticas, o que envolve custos, evitados como praga por qualquer negociante. Por outro lado, 20% dos cursos de engenharia ministrados pela universidade pública são deficientes, isto é, tem CPC menor que três.
(ii) Situação semelhante é observada nas ditas ciências humanas. Aqui, a migração para baixo de cursos dados pelas instituições públicas repete a observada nas engenharias: 25%. Uma observação interessante é que a massa de pontos forma uma nuvem mais baixa do que as nuvens correspondentes às engenharias e às "econômicas". Esse é um indicativo do status das ciências humanas que, nos tempos que correm, são consideradas “ornamentais”, desconectadas que seriam com as necessidades do mercado e da indústria.
(iii) Na área econômica, porém, o comportamento surpreende, pois a superposição se dá no sentido privadas → públicas, isto é, aquelas invadem estas. Esse comportamento retoma o mostrado na Figura 1, ou seja, as instituições lá mostradas que emigraram para a nuvem das instituições públicas são todas da área econômica. Certamente, a qualidade dessas escolas particulares de economia e/ou administração espelha o cuidado com que o sistema educacional privado cuida de si mesmo, ou seja, do mundo financeiro e da alta administração e, importante isso, lida com estudantes capazes de pagar altas mensalidades e que exigem ser retribuídos à altura. Pode-se ainda especular que a proliferação dos vários MBA´s de economia e administração, e nos quais, por força estatística, há de muito bons, qualidade [que passa] para os correspondentes cursos de graduação.
Em conclusão, os dados aqui apresentados mostram que a qualidade de ensino da universidade pública é definitivamente superior à da particular, pelo menos no universo educacional do centro-sul do país. Um aspecto positivo foi a constatação que a superioridade numérica das matrículas em instituições privadas ainda não é gritante, mas será difícil sustentar e expansão que a universidade pública viu na primeira década deste século.
Por fim, embora seja preciso admitir que, hoje, a massificação da universidade pública (inevitável verso da valiosa moeda da expansão e democratização de vagas) borrou a distinção entre ela e a particular, ainda há uma grande diferença. Assim, a quase total ausência de altos estudos e pesquisa faz com que a instituição privada mais se assemelhe a escolas vocacionais, de treinamento, e não a verdadeiras universidades.
E quanto à pergunta inicial – a “como estamos?” Bem, não estamos muito atrás da Inglaterra, parece; notícia nem muito recente (Revista Veja, 16/12/2011) nos conta que a “Kroton Educacional” comprou a UNOPAR (Universidade do Norte do Paraná - líder nacional em educação a distância) por R$ 1,3 bilhões. Com essa transação, a “Kroton“ se coloca dentre as maiores organizações educacionais do mundo, com 264 mil alunos e 45 campi em todas as regiões do Brasil. Alguém aqui se preocupa?”
FONTE: escrito por Professor do Departamento de Engenharia de Materiais, na Universidade Federal de São Carlos. Transcrito no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20142). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
Figura 2. Distribuição entre Instituições públicas e Instituições particulares, da pontuação CPC estendida referente a cursos de três diferentes áreas do conhecimento: engenharias, ciências humanas e economia. [Losangos: públicas; quadrados: particulares].
Por fim, as ciências econômicas apresentam um panorama diferente; a Figura 2 ressalta claramente a qualidade da Instituição pública, com apenas três pontos fora de sua elipse. É um panorama semelhante ao das engenharias, exceto pela emergência de oito instituições privadas, três das quais próximas ao topo da pontuação, região onde, aplicando a aproximação, todos os cursos teriam o mesmo CPC igual a cinco. A maior resolução do indicador bruto, porém, indica que, em ciências econômicas e administração de empresas, a primazia ainda fica com o sistema público de ensino.
Em resumo, da Figura 2 emergem três panoramas bem distintos:
(i) nas engenharias o desempenho do sistema privado é entre 1,5 e 3,0, resultado muito pouco satisfatório. Deve ser lembrado que esses são cursos que exigem laboratórios e aulas práticas, o que envolve custos, evitados como praga por qualquer negociante. Por outro lado, 20% dos cursos de engenharia ministrados pela universidade pública são deficientes, isto é, tem CPC menor que três.
(ii) Situação semelhante é observada nas ditas ciências humanas. Aqui, a migração para baixo de cursos dados pelas instituições públicas repete a observada nas engenharias: 25%. Uma observação interessante é que a massa de pontos forma uma nuvem mais baixa do que as nuvens correspondentes às engenharias e às "econômicas". Esse é um indicativo do status das ciências humanas que, nos tempos que correm, são consideradas “ornamentais”, desconectadas que seriam com as necessidades do mercado e da indústria.
(iii) Na área econômica, porém, o comportamento surpreende, pois a superposição se dá no sentido privadas → públicas, isto é, aquelas invadem estas. Esse comportamento retoma o mostrado na Figura 1, ou seja, as instituições lá mostradas que emigraram para a nuvem das instituições públicas são todas da área econômica. Certamente, a qualidade dessas escolas particulares de economia e/ou administração espelha o cuidado com que o sistema educacional privado cuida de si mesmo, ou seja, do mundo financeiro e da alta administração e, importante isso, lida com estudantes capazes de pagar altas mensalidades e que exigem ser retribuídos à altura. Pode-se ainda especular que a proliferação dos vários MBA´s de economia e administração, e nos quais, por força estatística, há de muito bons, qualidade [que passa] para os correspondentes cursos de graduação.
Em conclusão, os dados aqui apresentados mostram que a qualidade de ensino da universidade pública é definitivamente superior à da particular, pelo menos no universo educacional do centro-sul do país. Um aspecto positivo foi a constatação que a superioridade numérica das matrículas em instituições privadas ainda não é gritante, mas será difícil sustentar e expansão que a universidade pública viu na primeira década deste século.
Por fim, embora seja preciso admitir que, hoje, a massificação da universidade pública (inevitável verso da valiosa moeda da expansão e democratização de vagas) borrou a distinção entre ela e a particular, ainda há uma grande diferença. Assim, a quase total ausência de altos estudos e pesquisa faz com que a instituição privada mais se assemelhe a escolas vocacionais, de treinamento, e não a verdadeiras universidades.
E quanto à pergunta inicial – a “como estamos?” Bem, não estamos muito atrás da Inglaterra, parece; notícia nem muito recente (Revista Veja, 16/12/2011) nos conta que a “Kroton Educacional” comprou a UNOPAR (Universidade do Norte do Paraná - líder nacional em educação a distância) por R$ 1,3 bilhões. Com essa transação, a “Kroton“ se coloca dentre as maiores organizações educacionais do mundo, com 264 mil alunos e 45 campi em todas as regiões do Brasil. Alguém aqui se preocupa?”
FONTE: escrito por Professor do Departamento de Engenharia de Materiais, na Universidade Federal de São Carlos. Transcrito no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20142). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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