quinta-feira, 2 de outubro de 2014

CORVOS E OUTROS CORVÍDEOS




Sobre corvos e outros corvídeos: uma fábula jornalística

"Era uma vez Carlos Lacerda, homem inteligente, orador e jornalista brilhante, administrador respeitado, empresário bem sucedido, mas que se tornou com sua morte uma figura menor da história política brasileira. Personagem de oposição mais visível no período histórico que culminou no suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954, talvez a lembrança mais marcante que deixou para a história tenha sido a a patética tentativa de chamar Juscelino Kubitschek e João Goulart para compor uma ‘frente ampla’ de combate à ditadura militar da qual ele, Lacerda, fora dos principais artífices civis. 


Carlos Lacerda era um destruidor, não tinha a vocação de construir. O caminho que escolhera para tentar chegar à presidência da República fora o da conspiração, e não o da agregação democrática que, só tarde na vida, sem sucesso, tentou. Hoje, mais do que um seu retrato, o que dele mais se conhece são as caricaturas de Lan que eternizaram em Lacerda a imagem de ave de mau agouro. Carlos Lacerda será sempre lembrado como o Corvo encarapitado no caixão do mais importante personagem da política brasileira no século XX, Getúlio Vargas.

Tudo isso me vem hoje à memória, não porque tenha acabado de ler há poucos dias o terceiro volume da seminal biografia de Getúlio escrita por Lira Neto. Tudo isso me vem à memória quando olho o cenário político nacional e vejo um sem número de autocandidatos a Carlos Lacerda tentar reviver, em sua oposição sem-freio ao Partidos dos Trabalhadores, a Luiz Inácio Lula da Silva, em particular, um ‘mar de lama’ – expressão, aliás, que o próprio Getúlio chegou a usar – no qual estaria a chafurdar a recandidatura de Dilma Rousseff.

Se Gregório Fortunato encomendou mesmo a morte de Carlos Lacerda ao pistoleiro de aluguel que matou por engano o major da Aeronáutica, Rubem Vaz, nem mesmo Lira Neto, em seu meticuloso trabalho de pesquisa. conseguiu afirmar. Se Paulo Roberto Costa operou mesmo um esquema de caixa dois na Petrobrás em benefício do PT e de partidos aliados, isso só mesmo a Justiça, no devido tempo e em respeito ao devido processo legal, poderá afirmar.

Mas, o que diferencia Carlos Lacerda dos seus imitadores de hoje, é que o Corvo original nunca escondeu seus objetivos atrás de uma retórica de objetividade jornalística e de respeito à legalidade democrática. Lacerda era um golpista assumido, o que nem o brigadeiro Eduardo Gomes, o suposto principal beneficiário do golpe naquele momento, em 1954, assumia. E Lacerda, mais do que tudo, era um jornalista que não fazia qualquer concessão ao artificio da objetividade. Sua "Tribuna da Imprensa" era a principal arma de combate.

Por isso, seus imitadores de hoje sequer merecem o apelido que, de certo modo, honrou Carlos Lacerda. Esses imitadores nada mais são do que espécies menores de corvídeos; assemelham-se aos corvos, mas sem a força da imagem predatória destes. E mais, enquanto o grasnado dos corvos, de Allan Poe a Carlos Lacerda, arrepia e assusta, esses outros corvídeos apenas corvejam, e não tiram o sono de ninguém. O grasnado de Lacerda arrepiava porque era original, sua retórica era imbatível, porque criativa, ao passo que o corvejar dos corvídeos de hoje nada mais é do que o repisar de argumentos e ideias que só convencem os ouvidos dos que já estão convencidos.

Mais do que isso, esses corvídeos corvejam em jornais, revistas, televisões e rádios que, cheios de uma pompa que está a se esvair em fumaças de bits e bytes, pretendem-se pilares de uma objetividade que faria Carlos Lacerda, o Corvo, corar de vergonha. E mesmo aqueles corvídeos que corvejam, por exemplo, em revistas que, e lhes seja feita justiça jornalística, abriram mão do artifício da objetividade, passam longe da memória de Lacerda, pois nada mais são do que 'clowns', comediantes travestidos de colunistas, eles mesmo não acreditando no que escrevem, caricaturas que são de si mesmos.

Moral da história

Passados 60 anos da morte de Getúlio Vargas, só outro personagem ombreia com ele, em importância histórica no século XX. Assim como Getúlio, Luiz Inácio Lula da Silva revela-se um enigma difícil de ser decifrado, com seus defeitos e virtudes, pessoais e políticos. Assim como Getúlio, Lula governou para os mais pobres, sem, porém, e contraditoriamente, ferir os interesses dos mais ricos. E assim como Getúlio, porque tira a sua força política do reconhecimento dos mais pobres, Lula é e será sempre o alvo político preferencial dos mais ricos. Mas, por sorte de Lula, e porque os tempos são outros, não surgiu um Carlos Lacerda na sua vida. E os arremedos de corvo, os corvídeos que nunca vão tentar deixar de destruí-lo, tal como Lacerda, também vão encontrar no esquecimento o seu não-lugar na história."

FONTE: do blog de Murilo Cesar Ramos no portal "Terra Magazine"  (http://terramagazine.terra.com.br/blogdomurilocesarramos/blog/2014/09/12/sobre-corvos-e-outros-corvideos-uma-fabula-jornalistica/).

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