terça-feira, 16 de agosto de 2011

BRASIL E ESTADOS UNIDOS, RELAÇÕES GLOBAIS E BILATERAIS


Novo documento elaborado por uma força tarefa do “Council on Foreign Relations” [dos EUA] voltou a gerar, em parte do debate nacional brasileiro, principalmente nas esferas mais próximas às “políticas de alinhamento com os EUA”, elevado otimismo.

Sede do “The Council on Foreign Relations” (58 East 68th Street, Southeast corner at Park Avenue, New York)

Por Cristina Soreanu Pecequilo na agência “Carta Maior”

O texto considera que os norte-americanos precisam aprofundar ainda mais os laços com o Brasil, baseado em visão histórica de prévias alianças, mas, principalmente, de necessidades futuras dos EUA, seja em termos de engajamento do poder brasileiro, como de sua contenção e dos demais emergentes.

Nos últimos meses, o Brasil e outros países emergentes como a China e a Índia foram foco de investidas norte-americanas, criticando sua projeção de poder e ações autônomas no sistema internacional.

Contraposta à premissa da “multipolaridade”, a do “domínio hegemônico ocidental” foi reafirmada em inúmeras oportunidades pelo Presidente Obama e a Secretária de Estado Hillary Clinton, refutando as teses de declínio. Da mesma forma, nações africanas foram "alertadas" pelos Estados Unidos (EUA) sobre o "novo colonialismo" praticado por esses emergentes.

Paralelamente, no embate interno, a administração democrata enfrenta forte campanha midiática neoconservadora sobre a sua futura derrota eleitoral em 2012, não importando a ausência de um candidato republicano definido, e as pressões estruturais de uma economia em crise quase permanente (vide o recente debate sobre a elevação do teto da dívida norte-americana). Diante desse cenário, prevalece a imagem, e a realidade, de uma sociedade fragmentada, pressionada por grupos de interesse e dividida entre projetos polarizados.

Em meio a isso, porém, novo documento elaborado por uma força tarefa do “Council on Foreign Relations” (CFR) intitulado "Global Brazil and US-Brazil Relations" (disponível em: www.cfr.org/brazil/global-brazil-us-brazil-relations/p25407) voltou a gerar, em parte do debate nacional brasileiro, principalmente nas esferas mais próximas às “políticas de alinhamento com os EUA”, elevado otimismo.

Similar à expectativa causada pela visita do Presidente Obama em março de 2011 ao país, inclusive por abordar de forma "positiva e aberta" o reconhecimento do poder global do Brasil no atual quadro das Relações Internacionais, o texto lançado no mês de Julho de 2011 já vem sendo muito comentado.

Todavia, essas manifestações, mais uma vez, parecem descoladas da própria contextualização do relatório: um estudo sustentado nos desenvolvimentos dos últimos dez anos, e não uma reação imediatista norte-americana à nova administração Dilma Rousseff que assumiu em Janeiro de 2011. Novamente, no debate brasileiro, o arco que engloba os dois últimos anos da administração Fernando Henrique Cardoso (1999/2002) e a totalidade do governo Luis Inácio Lula da Silva (2003/2010), como sustentáculos dessa transformação, principalmente a fase Lula-Celso Amorim, está obscurecida.

Igualmente, ignora-se que este é um relatório específico, de um “think tank” relevante, mas, também específico. Ligado a uma parcela do “establishment”, o CFR é uma entidade altamente reconhecida dentro do debate político norte-americano, tradicional na realização da ponte entre setores acadêmicos, empresariais e governamentais de formulação de política externa e tomada de decisão, que, contudo, não representa consenso ou prevalece com tranquilidade dentro da Casa Branca, do Departamento de Estado ou de Defesa.

Assim, recomendações como a de que os EUA devem incluir o Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU) como membro permanente representam visões desse grupo, e não necessariamente a totalidade das visões que competem politicamente nos EUA.

Essa questão específica do assento no CSONU é inserida em uma proposta abrangente de fortalecimento e amadurecimento da relação, em termos discursivos e práticos, como a instalação de novas formas de contato entre as diplomacias, e uma percepção norte-americana mais ampla sobre o papel do Brasil, na região, no mundo e no sistema multilateral em geral e não só na ONU.

Ou seja, apesar das boas relações que os EUA têm com o Brasil hoje, o texto considera que os norte-americanos precisam aprofundar ainda mais esses laços, baseado em visão histórica de prévias alianças, mas, principalmente, de necessidades futuras dos EUA, seja em termos de engajamento do poder brasileiro, como de sua contenção e dos demais emergentes.

Trata-se de um relatório bastante completo, no qual o Brasil é examinado em sua dimensão nacional, suas ações globais e regionais, e o que isso significa para as relações bilaterais. Não cabe aqui adentrar nos pormenores do relatório, uma vez que o mesmo é extenso, mas é interessante destacar, por capítulo, o que os EUA identificaram como pertinente no que se refere ao país.

No capítulo "A Economia Brasileira: Mecanismos e Obstáculos" menciona-se a necessidade de ajustes macroeconômicos (juros, crescimento e inflação), o impacto das ações dos EUA no país (muito brevemente), e a relação comercial com a China. Nessa parte, indica que seria interessante que Brasil-EUA tivessem posições conjuntas para reduzir o impacto chinês em seus mercados. O capítulo se encerra com discussão extensa sobre os potenciais domésticos e os inúmeros pontos de estrangulamento do Brasil: infraestrutura, educação, agricultura, mineração e metalurgia, crescimento da classe média e inovação.

No segundo capítulo, "A Agenda Energética Brasileira e as Mudanças Climáticas", destaca-se o papel positivo do Brasil no uso de uma matriz variada de energia e a preocupação com o desenvolvimento sustentável. Espaço significativo é reservado à discussão das reservas do pré-sal brasileiro, assim como ao gás e ao etanol. Petróleo e etanol, porém, são o foco. Em termos de agenda climática, controle de emissões, desmatamento, Amazônia, biodiversidade são abordados, com os EUA mantendo suas posições tradicionais de ressaltar a relevância do engajamento do Brasil no tema, sua liderança no setor.

Na sequência, o capítulo "Brasil como um Diplomata Regional e Global" dá grande destaque às alianças globais do Brasil como BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), IBAS (Índia, Brasil, África do Sul), o papel na Missão de Estabilização do Haiti (MINUSTAH) e retoma o tema do assento permanente no CSONU. Temas sensíveis como Irã, Direitos Humanos, abstenções brasileiras em votações do CSONU não apoiando a posição dos EUA são discutidas, ressaltando a importância de os norte-americanos compreenderem "o porquê das posições diferentes do Brasil", estendendo-se ao comércio multilateral e a estrutura econômico-financeira global.

Segundo o relatório, os EUA não devem esperar consenso pleno do Brasil por conta de suas alianças com outras nações e sua visão de autonomia (e que isso faria parte de uma tentativa de provar independência e distanciamento dos EUA, mesmo quando o Brasil concordasse com este país). Como se percebe, uma visão [apequenada] norte-americana das motivações brasileiras.

No que se refere à região sul-americana, considera-se que a liderança brasileira da integração é positiva para os EUA, devido ao papel mediador e estabilizador brasileiro, em termos políticos e financeiros. Aborda-se, igualmente, a política africana do Brasil, continente no qual os norte-americanos perderam espaço para o nosso país, a China e a Índia nos últimos anos.

O último capítulo é dedicado especificamente a "Brasil e Estados Unidos", indicando a boa vontade mútua. Adentrando inicialmente os temas Irã e Segurança Nuclear, o capítulo segue para comércio e investimento, para voltar a temas de segurança como imigração e tráfico de drogas, saúde, biocombustíveis, mudança climática. A conclusão segue parâmetro similar, com foco em três pilares: interesses comuns, parceria madura e aproveitar o momento. Segundo o relatório, este é o tempo para avançar as relações bilaterais, alcançando benefícios mútuos.

Finalmente, não se pode negar que o documento é, realmente, um marco para as relações bilaterais Brasil-EUA, independentemente das ressalvas aqui colocadas. Apesar do longo histórico de relacionamento, do auge dos estudos de brasilianistas nos anos 1960 e 1970, o intercâmbio sempre foi visto por um prisma regional. Tal prisma, estruturalmente, localizava a importância do Brasil para os EUA na América Latina. Em algumas circunstâncias históricas norte-americanas, nem mesmo esse viés prevalecia, com a predominância de uma visão generalista da política externa dos EUA sobre o país inserido em "pacotes prontos" para o hemisfério, vide as discussões da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e propostas anteriores.

Assim como a Estratégia de Segurança Nacional, de maio de 2010, publicada pelo Presidente Obama, trata-se de documento progressista e que revela as limitações dos EUA e a sua capacidade de renovação estratégica para lidar com parceiros na dinâmica do "engajar para conter" (i.e, de reinventar a hegemonia). Ao mesmo tempo, uma renovação que disputa espaço com o declínio e o tradicionalismo, o isolacionismo, o intervencionismo e o unipolarismo, gerando as reações e contrarreações hegemônicas já abordadas em artigo para “Carta Maior”.

Reações e contrarreações que não se resumem a determinados grupos, mas possuem ressonância em Washington, assim como esse próprio relatório também terá. Assim, no debate nacional não podemos nos esquecer que esse é um texto norte-americano, produzido e direcionado para o público norte-americano, e que terá o apoio de uma parte dessa sociedade, como visto na p.3:

As conclusões da Força Tarefa e suas recomendações são direcionadas não somente as formuladores de políticas que lidam com as Américas, mas também àqueles que, nos EUA e em outras instâncias, são responsáveis por decisões em questões estratégicas globais, temas econômicos e mecanismos multilaterais nos quais a voz e a ação do Brasil são relevantes. As conclusões e recomendações deste relatório fornecem uma estrutura para políticas bipartidárias -globais, regionais e bilaterais- que levem em conta as oportunidades e desafios da ascensão brasileira, no momento em que os Estados Unidos e o Brasil enfrentam as grandes questões internacionais do século 21”.

Portanto, são conclusões e recomendações para os EUA sobre o Brasil, mas que devemos obrigatoriamente compreender sob nosso ponto de vista, dentro de um projeto nacional de reposicionamento interno e global. Mais ainda, como um poder global, hoje, demonstra-nos a necessidade de melhor estudar e compreender nossos parceiros mais próximos, sejam eles os EUA, a China, a Índia, a África do Sul, as nações sul-americanas, os continentes africano e asiático. Somente a partir desse olhar, poderemos elaborar nossas conclusões e recomendações sobre nossos pares, para nós mesmos.”

FONTE: escrito por Cristina Soreanu Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Transcrito no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=161402&id_secao=7) [imagens do Google adicionadas por este blog].

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