São Paulo fez contratos de quase um bilhão com a Delta; Paulo Preto assinou o maior deles, no governo Serra
Por Conceição Lemes
“Nesta semana, começam efetivamente
os trabalhos da CPI que investigará as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira
com políticos, autoridades e empresários. Um dos alvos, a ‘Delta Construções’,
de Fernando Cavendish, suspeita, com base em informações da ‘Operação Monte
Carlo’, realizada pela Polícia Federal (PF), do envolvimento da empresa com
Cachoeira.
No dia da instalação da CPI do
Cachoeira, 19 de abril, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), ao ser questionado
sobre os contratos da “Delta” com o Estado de São Paulo, disse não estar
preocupado com eles, segundo a “Folha de S. Paulo”:
“Nem sei se tem
[contratos], se tem são ínfimos ”.
A verdade é outra. Levantamento feito pelo blog “Transparência
SP” revela que, de
2002 a 2011, a “Delta” fechou, pelo menos, 27 contratos (incluindo participação
em consórcios) com empresas e órgãos públicos do governo do Estado de São
Paulo.
Na lista de contratantes,
Desenvolvimento Rodoviário S.A. (DERSA), Departamento de Estradas de Rodagem
(DER), Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), a Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) e Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Somam cerca de R$ 800 milhões em valores nominais. Em
valores corrigidos (considerando a inflação do período) chegam a R$ 943,2
milhões.
Desses R$ 943,2 milhões,
R$ 178, 5 milhões foram celebrados nas gestões Alckmin
(2002 a março de 2006 e de janeiro de 2011 em diante) e R$ 764,8 milhões no governo de José
Serra (janeiro de 2007 a abril de 2010).
DERSA CONTRATOU DELTA PARA A NOVA
MARGINAL DO TIETÊ POR R$ 415.078.940,59
O maior contrato da “Delta” com
órgãos e empresas do governo do Estado de São Paulo foi com a DERSA para
executar a ampliação da marginal do rio Tietê: R$ 415.078.940,59 (valores
corrigidos)
Apesar de condenada por ambientalistas,
geólogos e urbanistas, a “Nova Marginal do Tietê” foi anunciada em 4 de junho
de 2009, com bumbos e fanfarras, pelo então governador José Serra (PSDB) e o
prefeito Gilberto Kassab (hoje PSD, na época DEM).
Na época, o portal do governo do Estado de São
Paulo informou: “Investimento
de R$ 1,3 bilhão prevê, além de novas pontes e viadutos, plantio de cerca de 83
mil árvores e implantação de ciclovia”.
“irá reduzir o tempo das viagens em
cerca de 35%; “tráfego para as rodovias Castelo Branco, Ayrton Senna, Dutra,
Fernão Dias, Anhanguera e Bandeirantes terá fluxo mais rápido”; junto com o
Rodoanel e o Complexo Anhanguera, a Nova Marginal pretende aliviar o trânsito
nas principais interligações de bairros de São Paulo e evitar o trânsito de
veículos de passagem por bairros e o centro da cidade”.
Serra ainda afirmou:
“É uma obra que é financiada com
recursos do Tesouro e com dinheiro público das concessionárias, que é dinheiro
do pedágio, segundo projeto e orientação do próprio Governo”.
”é uma obra que está tendo
todo o cuidado ecológico, o que não é tradição em São Paulo, pois as obras e a
devastação andavam de mãos dadas, mas isso acabou nos tempos atuais”.
A obra tinha dois lotes: 1 e 2. A
concorrência do chamado lote 2 foi vencido pelo consórcio “Nova Tietê”,
liderado pela “Delta” (participação de 75% a 80%).
Extrato do contrato assinado em 13
de maio de 2009 e publicado no dia seguinte no “Diário Oficial Empresarial” revela o valor da obra: R$
287.224.552,79.
PAULO PRETO E DELSON AMADOR ASSINAM
O CONTRATO PELA DERSA COM A DELTA
O consórcio da “Delta” venceu a
licitação para o lote 2 da “Nova Marginal do Tietê” com uma diferença de R$ 2,4
milhões em relação ao segundo colocado, o “Consórcio Desenvolvimento Viário”
(EIT – “Empresa Industrial Técnica S/A” — e “Egesa Engenharia”), que, por
sinal, ganhou o lote 1.
Curiosamente 1: 1 ano 4 meses depois, o consórcio
da “Delta” conseguiu um “aditamentozinho” de R$ 71.622.948,47 no contrato.
Curiosamente 2: Na época da licitação, Paulo Vieira de Souza
era diretor de Engenharia da DERSA, e seu presidente Delson José Amador, que acumulava a superintendência do
DER.
Paulo Vieira de Souza é o "Paulo Preto", ou "Negão", como é mais conhecido. Até abril de
2010, foi diretor da DERSA. Com extensa folha de serviços prestados ao PSDB,
foi apontado como arrecadador do partido e acusado pelos próprios tucanos de
sumir com R$ 4 milhões que seriam destinados à campanha do então presidencial
José Serra. O dinheiro teria sido levantado principalmente junto a empreiteiras
com as quais ele possuía relações estreitas.
O nome de Paulo Preto apareceu,
ainda, na investigação feita pela Polícia Federal que resultou na “Operação
Castelo de Areia”. Na ação, executivos da construtora Camargo Corrêa são
acusados de comandar um esquema de propinas em obras públicas.
Delson Amador também apareceu na “Operação Castelo
de Areia”. Assim como Paulo Preto, seu nome constava da apreendida pela Polícia
Federal na Camargo Corrêa.
Em 1997, durante a presidência de
Andrea Matarazzo, Amador virou diretor da CESP. Aí, foi responsável pela
fiscalização de obras tocadas pela Camargo Corrêa, como a Usina de Porto
Primavera, e a Ponte Pauliceia, construída sobre o Rio Paraná para ligar os
municípios de Pauliceia, em São Paulo, e Brasilândia, em Mato Grosso do Sul.
Amador foi ainda chefe de gabinete de Matarazzo na subprefeitura da Sé.
HERALDO, O FORAGIDO, É QUEM ASSINOU
PELA DELTA O CONTRATO DA NOVA MARGINAL
Curiosamente 3: Certidão emitida pela Junta
Comercial de São Paulo mostra que o representante legal do Consórcio “Nova
Tietê” é Heraldo
Puccini Neto, diretor da “Delta Construções” para São Paulo e
Sul do Brasil.
Escutas realizadas com autorização
judicial revelam que é um dos interlocutores mais próximos de Cachoeira.
Documentos disponibilizados na internet referentes ao processo contra Carlinhos
Cahoeira no Supremo Tribunal Federal (STF) mostram a proximidade de Heraldo com
o bicheiro e como a quadrilha preparava editais para ganhar licitações.
É possível que esse mesmo modus operandi tenha
sido aplicado pela “Delta” em várias licitações como as feitas pelo governo do
Estado de São Paulo.
Heraldo teve a prisão decretada pela Justiça
Federal na semana passada. Foi a partir de investigações realizadas no âmbito
da “Operação Saint Michel”, braço da “Monte Carlo”.
Um grupo de policiais civis de Brasília
chegou às 6 horas da última quarta-feira 25 ao apartamento dele, no Morumbi, em
São Paulo. Heraldo não estava nem foi localizado pela polícia. É considerado
foragido da Justiça.
Curiosamente 4: Num despacho de setembro de 2011 do
Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP) referente ao contrato da ‘Nova
Marginal”, aparecem juntos Paulo Preto, Delson Amador e Heraldo Puccini Neto.
Os dois primeiros como contratantes. O último como contratado.
DEPUTADOS PEDEM AO MP QUE APURE
INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES
A essa altura algumas perguntas são
inevitáveis:
1. Considerando que o senador
Demóstenes Torres é sócio oculto da “Delta” e apoiou José Serra em 2010, será
que dinheiro da “Nova Marginal do Tietê” irrigou a campanha do tucano à
presidência?
2. Entre os R$ 4 milhões que teriam
sido arrecadados por Paulo Preto e não entregues ao PSDB, haveria alguma
contribuição da Delta?
3. Paulo Preto ou Delson Amador teve
algum contato direto com Cachoeira?
Na sexta-feira 27 jun, parlamentares
paulistas protocolaram representação no Ministério Público Estadual de São
Paulo (MPE-SP) para que investigue indícios de irregularidades, ilegalidades e
improbidades nos contratos formalizados pela DERSA com empresas e consórcios,
entre os quais o Consórcio “Nova Tietê”, capitaneado pela Delta.
Encabeçada pelo deputado estadual
João Paulo Rillo e assinada por Adriano Diogo, ambos do PT-SP, a representação
pede que o MP apure possíveis atos de improbidade administrativa praticados por
José Serra, Paulo Preto e Delson Amador, diante de sinais de superfaturamento
das obras de ampliação da Marginal Tietê.
A propósito. Lembram-se que, em
2009, durante o lançamento da “Nova Tietê”, José Serra disse: “é uma obra que
está tendo todo o cuidado ecológico, o que não é tradição em São Paulo, pois as
obras e a devastação andavam de mãos dadas, mas isso acabou nos tempos atuais”?
Na ocasião, a propaganda do governo
estadual indicava que as pistas seriam cercadas por frondosas árvores e
arbustos. E a secretária de Saneamento e Energia, Dilma Pena (atualmente
preside a SABESP), ressaltou a importância de recuperar o espaço das margens do
Tietê com uma via parque, uma ciclovia e o plantio de 65 mil mudas.
Pois bem, dois anos após o término
das obras, a “marginal Tietê” ainda está à espera das 65 mil mudas que deveriam
ter sido plantadas pelo governo paulista como compensação ambiental, em 2010.
Ainda, árvores morreram ou não se desenvolveram no solo árido das margens do
rio. A falta de árvores foi constatada em perícia realizada pelo Sindicato
dos Arquitetos. A entidade move ação civil pública contra a DERSA, que, como
responsável pela obra, é obrigada a repor cerca de 30% dos espécimes.
Será que a “Nova Marginal do Tietê”,
além de mãos dadas com a devastação, também se banhou na cachoeira preta?”
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