Guido Mantega, ministro da
Fazenda, sobre o crédito de longo prazo: “Eu não quero aumentar o BNDES, mas
sem ele não teríamos investimento no Brasil”
Por Sergio Lamucci e Lucinda Pinto, no jornal “VALOR”
“O ministro da Fazenda, Guido
Mantega, disse semana passada que "a atuação dos bancos públicos – no crédito de
longo prazo, no financiamento ao consumidor ou no capital de giro das empresas
– tem impedido desaceleração mais acentuada da economia brasileira". Ao mesmo
tempo, criticou a retração das instituições privadas na oferta de crédito. "Se o
financiamento da economia hoje dependesse apenas do setor privado, o quadro até
poderia ser de recessão", disse o ministro.
“Não quero aumentar o BNDES, mas sem
ele não teríamos investimento no Brasil”, disse Mantega, em entrevista
exclusiva ao jornal “Valor”,
lembrando a importância dos bancos públicos para evitar um tombo ainda maior da
atividade econômica em 2009, quando o PIB encolheu 0,3%.
Bem humorado com a vitória do seu
Corinthians na Libertadores, Mantega afirmou que a oferta de crédito subsidiado
pelo BNDES deve permanecer enquanto as instituições financeiras privadas não
assumirem o papel de oferecer financiamento de longo prazo. “O setor privado
não gosta disso. Mas eu falo para eles: no dia em que vocês estiveram
presentes, emprestando no longo prazo, eu reduzo o BNDES.”
Mantega criticou o que classifica de
postura pró-cíclica dos bancos privados, de emprestar muito quando a economia
cresce com força e de reduzir a oferta de crédito num momento em que a
atividade se enfraquece. Segundo ele, parte do aumento da inadimplência
bancária, especialmente no setor de veículos, se deve a exageros cometidos por
algumas instituições em 2010, o que gerou problemas específicos no segmento.
Mantega lembrou que, na ocasião, o crédito se expandiu a uma taxa de 30%. “O
governo não quer euforia, quer equilíbrio.”Foi nesse contexto que, no fim de
2010, foram adotadas medidas macroprudenciais (restrição ao crédito) para
evitar os exageros”.
Mantega afirmou que o problema do
setor de automóveis, que ele classificou como ‘bolha”, já está sendo diluído. A
inadimplência, contudo, também piora, porque os bancos passaram a adotar
política mais dura para conceder empréstimos e financiamentos, disse. “Quando
há ameaça de crise, de desaceleração, o banco usa critérios mais rigorosos,
corta o crédito e aumenta os juros.”
Para o ministro, a incerteza externa
tem ofuscado “mudanças qualitativas importantes na economia brasileira”
Segundo o ministro, no período de
expansão forte do crédito, os bancos aprovavam de sete a oito de cada dez
consultas por financiamento. Com a desaceleração da atividade e a piora da
crise externa, a média de aprovação caiu para 2,5, afirmou ele, observando que
a relação depois subiu para 4,5 a 5. “Eles estão aprovando mais, mas vejo que
alguns grandes bancos não compareceram”, afirmou Mantega.
De acordo com o ministro, Banco do
Brasil e Caixa Econômica Federal deverão continuar mais agressivos no crédito,
cortando taxas e elevando volumes de empréstimos. Questionado sobre a
necessidade de capitalização da Caixa, em função das “regras de Basileia 3”,
Mantega disse que será necessária alguma capitalização da instituição, sem
antecipar detalhes sobre a operação. “No devido momento, o governo vai
capitalizar a Caixa.”
Mantega também voltou a destacar o
efeito negativo da atual crise externa sobre a economia brasileira, tão
intensa, segundo ele, como a de 2008/2009. O epicentro agora é na Europa, onde
as autoridades têm demorado muito para agir. Para dar uma medida da gravidade
da situação, deu como exemplo a China: “Neste ano, se a economia chinesa
crescer 8%, será muito”, disse ele, lembrando que em 2009 o país asiático
conseguiu crescer 9,2%. “Quando a China é atingida, é porque o negócio é
sério.”
Para o ministro, a incerteza externa
tem ofuscado “mudanças qualitativas importantes na macroeconomia brasileira”,
propiciadas pelo novo mix de política monetária e fiscal. Dois preços relativos
fundamentais – os juros e o câmbio – estão em níveis muito mais favoráveis à
produção e ao investimento, disse Mantega. Quando a situação externa melhorar,
o país estará em condições muito melhores para competir.
Para dar mais competitividade à
indústria, Mantega afirmou que o governo deverá estender, no terceiro
trimestre, a medida de desoneração da folha de pagamento para mais setores
industriais, além dos 15 que deverão entrar no novo regime em agosto. Essa
medida, que já beneficia quatro segmentos, está alinhada à percepção de que, na
crise, é preciso reduzir custos, como os de mão de obra.
Segundo o ministro, a desoneração
não será generalizada, por causa do custo que ela representa para o governo. A
desoneração do INSS empresarial total custaria R$ 97 bilhões e, somente da
indústria, R$ 25 bilhões. O que já foi feito até aqui representa renúncia
fiscal de R$ 7 bilhões, sem considerar a cobrança de uma alíquota sobre o
faturamento, que compensa parte da desoneração da folha. “Vamos avançar, mas
temos de olhar o resultado fiscal.” A necessidade de reduzir outros custos também
está na mira do governo, disse Mantega, citando as tarifas de energia elétrica.
Segundo o ministro, os efeitos dessa
“mudança qualitativa na macroeconomia brasileira” ainda não são visíveis, em
parte por causa da crise externa, e em parte porque é necessário haver mudança
de mentalidade, para que as pessoas se acostumem a níveis de juros muito mais
baixos. No Brasil, a própria estrutura produtiva está habituada a privilegiar a
rentabilidade financeira. “Um claro exemplo disso é que as empresas têm
tesouraria, porque a rentabilidade financeira, quando se tem juros altos, é
maior do que a produtiva.”
Mantega observou que o investidor
está se adaptando à realidade de que a renda financeira é mais baixa, porque o
risco é baixo. “Se você está num título público, sem risco, vai ganhar um
pouquinho. Isso estimula o investidor a partir para imóveis, para o mercado de
capitais. Com isso, vamos dar injeção no mercado capitais, nas debêntures, no
setor produtivo.” Segundo ele, com juros menores do que os que vigoraram por
tanto tempo no Brasil, haverá, de um lado, estímulo à produção e ao investimento,
e de outro, incentivo ao consumo, especialmente se também houver queda dos ‘spreads’
bancários.
Para Mantega, a queda dos juros
brasileiros nos últimos meses é o que estaria por trás da onda de
descontentamento de alguns investidores estrangeiros com a economia brasileira.
“O Brasil era o último peru de Natal”, disse Mantega, citando a imagem
seguidamente empregada pelo ex-ministro Antonio Delfim Netto. A alta
rentabilidade e o baixo risco da aplicação no país tornavam o espaço de ganho
do investidor estrangeiro “uma aberração”, afirmou Mantega. “Aqui era ganhar
dinheiro sem risco. Aí, de repente, tiramos o peru.”
Mantega reiterou que o governo não
trabalha com taxa de câmbio de equilíbrio, mas que enxerga o atual nível mais
competitivo do que foi no passado. “Eu disse que câmbio de R$ 2 é melhor do que
a R$ 1,50, não disse mais do que isso”, afirmou. “Não sei qual é o câmbio de
equilíbrio. E ninguém joga limpo nessa questão.”
Mantega lembrou que o Brasil
continua a adotar medidas para impedir entradas excessivas de capital, e não
mostrou nenhuma simpatia quanto à remoção do “Imposto sobre Operações
Financeiras” (IOF) que incide sobre operações de derivativos, reivindicação
constante de analistas de mercado. “Vão ter que me convencer muito para tirar
esse IOF. É o mercado mais alavancado, e nós desmontamos essa alavancagem.”
Mantega ressaltou ainda que não
haverá mudança na meta de superávit primário deste ano, de 3,1% do PIB.
”Estamos acima da meta, com 3,6%, 3,7% de superávit primário”, disse, chamando
atenção para o déficit nominal (que inclui gastos com juros), que deverá
melhorar em 2012, ficando, segundo ele, na casa de 1,4% do PIB, abaixo dos 2,5%
do PIB do ano passado.”
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