[A
contínua e impune invasão e incorporação a Israel (em branco) do território
palestino (em verde). O mapa à direita é de 2000. Nos últimos 13 anos, houve
mais invasões]
É PRECISO CONTAR A VERDADEIRA HISTÓRIA DA PALESTINA
Por Ramzy Baroud no “Palestine Chronicle” sob o título original
“Time for a Credible Narration of History”. Traduzido por Baby Siqueira Abrão e postado no blog “Redecastorphoto”
Ramzy Baroud
“No início de abril, os palestinos do mundo
inteiro relembraram o massacre de Deir Yassin, ocorrido em 9 de abril de 1948. Na consciência
palestina, o massacre, que tirou a vida de mais de 100 pessoas inocentes,
representou a face cruel do sionismo – a
base ideológica sobre a qual o Estado de Israel foi fundado. Ao longo dos
anos, as lembranças aterradoras associadas a Deir Yassin transformaram-se em
algo mais do que sua representação imediata como ato criminoso deliberado, com
objetivos políticos, e sobreviveram como uma cicatriz permanente no centro de
uma memória coletiva carregada de muitos massacres como o de Deir Yassin.
Deir Yassin, o genocídio praticado pelos
sionistas em 9/4/1948 contra mulheres e crianças
Deir Yassin,
como acontecimento e como representação política, permanece como componente
decisivo da luta palestina por liberdade, mas a história da qual o massacre faz
parte continua a sujeitar-se ao preconceito – ou, mais especificamente, ao racismo – da academia e da mídia.
O massacre de Deir Yassin é amplamente
aceito no pensamento israelense e ocidental porque os líderes sionistas da
época desejavam destacá-lo como uma tática terrorista bem-sucedida para tirar
centenas de milhares de palestinos das terras que lhes pertenciam.
Crianças assassinadas pelos judeus durante
a Nakba (catástrofe)
Entretanto, outros massacres cometidos
pelas forças sionistas durante a Nakba (catástrofe) palestina passam ao largo do
conhecimento israelense e ocidental sobre a Palestina e sua história encharcada
de sangue, e isso porque esses massacres foram contados, em sua maioria, apenas
pelos palestinos.
Trata-se de uma
tragédia na qual nem a vítima obtém justiça nem sua vitimização é admitida por
aquilo que foi e é. Muitos massacres cometidos contra palestinos estão ocultos
porque, a menos que sejam reconhecidos por historiadores israelenses, para as
audiências ocidentais é como se eles nunca tivessem acontecido.
Somente quando o jornalista israelense Amir
Gilat decidiu publicar um artigo, alguns anos atrás, no jornal israelense “Ma’ariv”, citando a pesquisa de
Theodore Katz, estudante de pós-graduação de Israel, foi que a mídia ocidental
reconheceu, ou ao menos concordou em debater, o massacre
de Tantura. Pouco lhes
importou que descendentes e familiares das 240 vítimas dessa vila destroçada,
assassinadas a sangue-frio pelas tropas da Brigada Alexandroni, nunca cessassem
de relembrar seus entes queridos.
Massacre de Tantura
Ao longo dos 65
anos da conquista sionista da Palestina e do início do “problema dos refugiados palestinos” – que também pode ser lido como “genocídio” por quem ousa enfrentar as
sensibilidades israelenses-ocidentais – a história da Palestina vem sendo
filtrada pelos mesmos mecanismos de décadas atrás. No entanto, é hora de o
direito à narrativa verossímil, até agora reservado aos historiadores
israelenses, ser assumidamente desafiado.
Quem cavar fundo
o texto histórico palestino ficará admirado com a história verdadeira de seu
povo, suas muitas tragédias e suas volumosas, fascinantes narrativas de uma
civilização profundamente arraigada, insuperável em suas singularidade e
continuidade históricas. A representação – ou
falsificação – da narrativa palestina, porém, existe na academia, na mídia
e até mesmo na imaginação popular ocidentais, tecida por um “conhecimento”
cuidadosamente fabricado com o qual os narradores israelenses gentilmente
decidiram revesti-la. Remova-se o vínculo israelense com a compreensão
ocidental sobre tudo o que diz respeito à Palestina e ter-se-á um espaço vazio
de textos desconexos que têm muito pouco de um discurso alternativo.
Benny Morris
O caso de Deir Yassim foi largamente aceito
como massacre porque historiadores israelenses como Benny Morris – um pesquisador razoavelmente honesto que permaneceu comprometido com o
sionismo, a despeito da história macabra que ele mesmo descobriu –
admitiram sua existência como fato histórico.
“Famílias
palestinas inteiras foram perfuradas por balas [...] homens, mulheres e crianças foram
chacinados à medida que saíam de suas casas; indivíduos eram postos de lado e
assassinados. A inteligência da Haganah relatou: ‘Havia pilhas de mortos.
Alguns dos detidos, levados a locais de encarceramento, incluindo mulheres e
crianças, eram cruelmente assassinados por seus captores’ [...]”.
Foram as
milícias sionistas do “Irgun”, de Menachem Begin, e da “Stern Gang”, lideradas
por Yitzhak Shamir, que receberam o crédito pela infâmia cometida naquele dia –
e ambos os líderes foram generosamente
recompensados pela atrocidade de seus atos. Anos depois, esses homens
passaram da condição de criminosos procurados para a de primeiros-ministros.
O massacre de
Tantura tem uma boa chance de deixar de ser mera ficção palestina e tornar-se
história verdadeira porque um estudante israelense resolveu desafiar o discurso
oficial de seu país, que insiste em retratar Israel como um oásis de democracia
e de pureza histórica.
Numerosas vilas
palestinas e seus habitantes, submetidos ao genocídio de 1948 (conhecido, nos círculos polidos, como
“limpeza étnica”), não conseguiram fazer o corte histórico, como se
continuassem a esperar que um historiador israelense validasse a afirmação de
que esse genocídio realmente ocorreu.
Dr. Salman Abu Sitta
Numa comunicação
recente, o Dr. Salman Abu Sitta, um dos principais historiadores palestinos da
Nakba, disse:
“A ironia é que
aquilo que o suspeito Benny Morris e o respeitado Ilan Pappé escreveram é o que
os palestinos vêm dizendo há mais de seis décadas. A mídia dominada pelo
sionismo é surda e muda. Trata-se do orientalismo em sua pior forma.”
Sem dúvida.
O assunto, entretanto, é tão relevante hoje
como era há 65 anos. Os descendentes dos que sobreviveram à “Nakba” e às
subsequentes guerras e massacres são, em sua maioria, refugiados na própria
Palestina ou em outros países do Oriente Médio e do mundo. Nem seus ancestrais
receberam justiça, nem a geração atual obteve a restituição do que pertencia a
seus ascendentes. De Deir Yassim a Tantura, de Ain
Al Hilweh a
Yarmouk e
Jabalya, a escala de sofrimento é a mesma, e permanente.
Mas isso precisa
mudar. Sem uma narrativa palestina autêntica, isenta de adulterações, nenhum
entendimento verdadeiro da Palestina e de seu povo – até mesmo por aqueles considerados simpáticos à causa palestina –
pode ser alcançado. Uma narrativa centrada em relatos que reflitam a história,
a realidade e as aspirações da gente comum permitirá uma compreensão genuína da
verdadeira dinâmica que move o conflito. Essa narrativa, que faz justiça a toda
uma geração de palestinos, é poderosa o bastante para desafiar a parcialidade e
a polarização atuais.
“Deir Yassin”
deve ser tão relevante para o presente como essencial para revelar o passado.
Não apenas existiram muitos massacres como Deir Yassin, de variadas formas,
como Deir Yassim é o microcosmo de um drama muito maior, que continua
acontecendo na Palestina. Se o Deir Yassin original, e outros massacres, forem
desprezados, considerados anomalias históricas irrelevantes, então o presente
permanecerá contaminado e incompreendido.
É tempo de os
historiadores palestinos darem um passo adiante e reivindicarem o que é,
essencialmente, a sua narrativa, desafiando os preconceitos da
mídia e avançando, com coragem, além dos limites permitidos por Israel,
desafiando também, portanto, o controle intelectual sobre o discurso palestino.”
FONTE: escrito por Ramzy Baroud no “Palestine Chronicle” sob o título original
“Time for a Credible Narration of History”. Traduzido por Baby Siqueira Abrão e postado no blog “Redecastorphoto”. O autor, palestino da diáspora,
é colunista internacional e editor do site
“Palestine Chronicle”. Seu mais recente livro
é “My Father Was a Freedom
Fighter: Gaza’s Untold History” [Meu
pai era um revolucionário: a história não contada de Gaza], publicado pela “Pluto
Press”.
(http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/04/e-preciso-contar-verdadeira-historia-da.html). [Mapa inicial obtido no Google e sua legenda adicionados por este blog
‘democracia&política’].
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