quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

PETRÓLEO NO BRASIL: SEPARANDO A CRIANÇA DA ÁGUA SUJA DO BANHO



Crédito da foto da página inicial: Agência Brasil


Setor de petróleo no Brasil: separando a criança da água suja do banho

Por José Augusto Gaspar Ruas, doutor em economia pela Unicamp, professor nas Faculdades de Campinas (Facamp) e analista do setor de petróleo e gás

"Na última década, a indústria petrolífera brasileira foi palco de importante disputa institucional; as mudanças feitas tinham como objetivo oferecer ao Brasil a possibilidade de usar o setor petrolífero e investimentos da Petrobras como alavanca para o desenvolvimento socioeconômico.

O cenário atual da indústria petrolífera é extremamente desafiador para países produtores e suas empresas.

A rápida expansão da produção americana de hidrocarbonetos, a postura reticente da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em reduzir sua produção, os efeitos da prolongada crise internacional sobre a demanda (atual e esperada) e a brusca queda dos preços do barril de petróleo são algumas das causas fundamentais desse processo.

O novo preço do barril, resultado da queda do patamar de US$ 100 em meados de 2014 para a casa de US$ 50, além de refletir ruptura nas posições em mercados futuro e spot  da commodity, também é um bom indicador do início de novo ciclo político no setor.

Não é a primeira vez que os preços reais operam em valores considerados baixos na história da indústria. As características destes outros momentos (pós-guerra até 1973 e 1985 a 2002) guardam similaridades marcantes: os grandes países consumidores e as 'majors' conseguiram influenciar a definição (ou redefinição) de marcos regulatórios em províncias produtoras.

Favoreceram, desse modo, a estabilidade da oferta para seus mercados nacionais e o acesso operacional às grandes reservas. As 'majors' ganharam força na concorrência internacional, seja por seu potencial superior de investimento e tecnologia, seja pelo acesso aos grandes mercados consumidores de derivados.

Especialmente no período pós-1985, as fusões e aquisições, incluindo aquelas resultantes de privatizações, se avolumam, ampliando a escala econômica dos grupos líderes e de sua posição global.

No extremo oposto, a instabilidade macroeconômica de países produtores, a fragilização política dos governos de plantão e o ataque aos instrumentos de política econômica e desenvolvimento, incluindo as estatais, completam as características desses períodos. Obviamente, essa dinâmica mais geral da indústria ganha contornos específicos em cada país.

Ainda que com características e “formas de implementação” significativamente distintas, Venezuela, México, Rússia, países do Oriente Médio e África apresentam recentes esboços ou efetivas mudanças nos marcos regulatórios ou na composição patrimonial de seus ativos e investimentos de E&P (Exploração e Produção).

Em outras palavras, a busca por maior espaço ao capital estrangeiro e por redução do escopo das políticas nacionais já vem ganhando contornos explícitos. A conjuntura brasileira não pode ser interpretada isoladamente desse contexto.

Ao longo da última década, a indústria petrolífera brasileira foi palco de importante disputa institucional. As mudanças implementadas, com maior ou menor sucesso, tinham como objetivo oferecer ao Brasil a possibilidade de utilizar o setor petrolífero e investimentos da Petrobras como uma alavanca para desenvolvimento socioeconômico.

Naquele contexto, o cenário de preços elevados e de perspectivas positivas quanto à demanda futura jogaram a favor dos países produtores, incluindo o Brasil.

Mas o cenário mudou. De maneira sintética, além do já explicitado contexto internacional desfavorável da indústria, sobrevieram dificuldades financeiras da Petrobras, agente central do desenvolvimento no setor, além de graves problemas criminais envolvendo parte do alto escalão da empresa e de grandes grupos fornecedores, nacionais e estrangeiros.

Essa crise teve repercussões financeiras adicionais e vem prejudicando seriamente os investimentos no setor e debilitando a formação de capital bruto no Brasil.

O cenário é evidente: com um governo e seu principal instrumento de atuação e desenvolvimento setorial enfraquecidos, as propostas com objetivo de retroceder institucionalmente têm sido apresentadas na imprensa e no jogo político brasileiro.

A retórica da "eficiência", do "saneamento financeiro da Petrobras" e da "boa governança", numa repetição dos pretensos "bons padrões de gestão internacional", pululam aqui e acolá nos distintos fóruns de debate sobre o tema.

Em artigo publicado há algumas semanas no jornal "Valor Econômico" [propriedade dos grupos tucanos antinacionais pró-capital financeiro internacional "Folha" e "Globo"], publicado em 
28/10/2015, o jornal apresenta crítica extensa ao que chamou de “O papel da Petrobras no governo Lula”. Não há como desvencilhar a referida análise do amplo contexto supracitado.

A reportagem criminaliza o uso de política industrial, associando-a univocamente à crise financeira da empresa e à corrupção. Apresenta a governança corporativa e sua visão de retorno de curto prazo como mantra inquestionável, via única para a empresa. Com um compilado de informações parciais e muitas vezes incompletas, os reais interesses das “fontes consultadas” pelo "Valor" estão devidamente guardados sob a retórica da "eficiência".

Evidentemente, é preciso reconhecer que existem problemas na Petrobras e nas instituições forjadas ao longo da última década. Houve grave equívoco na condução na política de preços de derivados, responsável por parte significativa da deterioração financeira da empresa. Certamente, há inúmeros problemas a serem resolvidos nos controles internos da empresa, protegendo-a de funcionários corruptos.

Porém, nunca é ocioso lembrar: são raras as experiências de países que efetivamente utilizaram-se da riqueza petrolífera para promoção de um novo patamar de desenvolvimento.

Via de regra, as descobertas de petróleo acompanham avanço sem planejamento de sua produção, baixo desenvolvimento na cadeia produtiva e tornam-se fonte de “maldição” associada à doença holandesa e, não raro, de conflitos políticos [nacionais e internacionais] intensos.

O caso norueguês, amplamente estudado ao longo dos últimos anos, é o exemplo de maior sucesso.

Lá, reserva de mercado, controle de ritmo de investimentos, direcionamento de compras para empresas instaladas no país, incluindo privilégios às empresas de capital nacional, utilização de recursos domésticos (mesmo com custos superiores), obrigatoriedade de programas de transferência de tecnologia, criação de estatais em diversos elos da cadeia e programas de internacionalização compuseram um amplo leque de políticas industriais que, com sucessos e fracassos, conduziram o país nórdico à liderança na indústria petrolífera e parapetrolífera.

Esse projeto, guardadas as especificidades locais e históricas, ainda é possível para o Brasil. Para que a Petrobras possa recuperar sua indispensável centralidade em um novo projeto de desenvolvimento nacional, é preciso corrigir os equívocos de gestão e aprimorar a política setorial. Mas, como no velho ditado, não se pode permitir que a criança seja jogada fora com a água suja do banho."

FONTE: escrito por José Augusto Gaspar Ruas, doutor em economia pela Unicamp, professor nas Faculdades de Campinas (Facamp) e analista do setor de petróleo e gás. Publicado no site "Brasil Debate"  (http://brasildebate.com.br/setor-de-petroleo-no-brasil-separando-a-crianca-da-agua-suja-do-banho/). [Trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

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