domingo, 16 de março de 2014

A MÍDIA MANIPULA A PLATEIA



Mídia: A manipulação da plateia


Por Mino Carta, na revista CartaCapital:

"Na terça 11, o 'Estadão' nos ofertou um exemplo impecável de como a mídia nativa manipula as informações. No primeiro editorial da terceira página, mostra de que forma uma verdade pretensamente definitiva em nada se parece com a verdade factual.

De saída, o editorial cita Mark Twain (com o delicioso cuidado de avisar que se trata de um escritor americano) para afirmar a intocada energia da mídia impressa, a contrariar as previsões da moda que vaticinam seu iminente passamento diante do avanço da internet. Primeira prova da excelente saúde: a credibilidade.

De onde o "Estadão" extrai essa “verdade”? De uma pesquisa encomendada ao "Ibope Inteligência" pela própria SECOM. Informa o editorial: 53% dos entrevistados confiam nos jornais impressos, “sempre ou muitas vezes”. Confiam menos em rádio e tevê, um tanto menos em revistas, menos ainda em sites e blogs. O "Estadão" exulta. Deveria chorar, como será provado.

O Brasil não é país de leitores. O que tem explicações óbvias, embora não falte quem não sabe ou quem não quer entender, por ignorância, medo ou interesse. A casa-grande até hoje conseguiu manter a senzala a notável distância, e tal, diria Hannah Arendt, é a verdade factual. Não é por acaso que somos o quarto país mais desigual do mundo.

Para arcar a contento seu papel de porta-voz da casa-grande, a mídia esmera-se na manipulação da sua plateia, graças a recursos de comprovada eficácia, tais como inventar, omitir e mentir. No caso do editorial do "Estadão", registre-se a clamorosa omissão de um dado fundamental: apenas 5% dos entrevistados leem os jornais com certa regularidade. Ou seja, 5 milhões de brasileiros.

Não se trata somente dos jornalões, mas também dos jornais regionais e dos chamados populares. É nesse universo que trafegam aqueles 53% de leitores mais ou menos confiantes. Ou, por outra, 2,65 milhões de brasileiros [1,4%]. Donde, mais de 197 milhões de cidadãos [98,6%], conscientes ou não da sua cidadania, não estão nem aí, como se diz.

A pesquisa tem muito valor, mas não é no sentido pretendido pelo "Estadão". A rigor, dois fatos emergem e ganham instrumentos de análise de medição mais precisos. O primeiro diz respeito ao Brasil, cujo atraso avulta e dói. O segundo nasce do confronto entre mídia impressa e meios de comunicação já tradicionais, rádio e tevê, e outros precipitados pelo progresso tecnológico. A questão, por aqui, se estabelece com peculiaridades próprias.

Sobre o atraso do Brasil, não há por que insistir. Basta cogitar de alguns aspectos. Morrem assassinados, todos os anos há bastante tempo, mais de 50 mil brasileiros. São Paulo e Rio são mais inseguros do que Ramallah. Se quiserem, a nossa mídia ofende diariamente o vernáculo. Ou um estádio no Brasil da Copa custa quatro vezes mais que um na Alemanha. Etc. etc. Não me detenho, a bem do meu fígado.

Passemos ao segundo assunto, tratado neste espaço, data vênia, por um jornalista ancião que ainda usa a Olivetti em lugar do computador. Ancião e retrógrado. Dou a minha opinião, ela também se diferencia da verdade factual. Quero acreditar, eis o ponto, e acreditar em extremis válido para mim, que a escrita vai sobreviver dentro das suas possibilidades. Scripta manent, verba volant, a escrita permanece, a fala voa, diziam os latinos.

Desço mais ao fundo. O caminho da mídia impressa tende a ser o da análise qualificada, da lavra de quem tem autoridade para tanto, e do chamado “furo”, a informação exclusiva e reveladora da qual somente você dispõe. É no futuro desse jornalismo impresso de qualidade, ética e estética, que me permito acreditar. Infelizmente, o jornalismo brasileiro escolheu o caminho oposto, vergonhosamente sectário, manipulador da informação, incapaz de qualquer resquício de estilo literário. Não sei o que haveria de acontecer para evitar o desastre final."

FONTE: escrito por Mino Carta, na revista CartaCapital. Transcrito no blog de Altamiro Borges (http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/03/midia-manipulacao-da-plateia.html).

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