terça-feira, 9 de agosto de 2011

GLOBO ELIMINA NOS SEUS "PRINCÍPIOS" A TRANSPARÊNCIA E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


“GLOBO”: OS PRINCÍPIOS, A CREDIBILIDADE E A PRÁTICA

Por Venício Lima

“Deve ter sido coincidência. Todavia, não deixa de ser intrigante que os “Princípios Editoriais das Organizações Globo” tenham sido divulgados apenas algumas semanas após o estouro do escândalo envolvendo a “News Corporation” e um dia depois que um ex-jornalista da própria Globo tenha postado em seu Blog –com grande repercussão na blogosfera– que havia orientação na TV Globo para tentar incompatibilizar o novo Ministro da Defesa com as Forças Armadas.[Ver, sobre a orientação da Globo, a postagem deste blog ‘democracia&política’ intitulada “EUA E ISRAEL DETERMINAM À IMPRENSA BRASILEIRA: “DETONAR AMORIM”, de domingo, 7 de agosto de 2011].

CREDIBILIDADE: QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA

A credibilidade passou a ser elemento absolutamente crítico no “mercado” da notícia. O monopólio dos velhos formadores de opinião não existe mais. Não é sem razão que as curvas de audiência e leitura da velha mídia estejam em queda e o “negócio”, no seu formato atual, ameaçado de sobrevivência.

Na contemporaneidade, são muitas as fontes de informação disponíveis para o cidadão comum e as TICs [TICs - Tecnologia da Informação e Comunicação] ampliaram de forma exponencial as possibilidades de checagem daquilo que está sendo noticiado. Sem credibilidade, a tendência é que os veículos se isolem e “falem”, cada vez mais, apenas para o segmento da população que compartilha previamente de suas posições editoriais e busca confirmação diária para elas, independentemente dos fatos.

O escândalo do “News of the World” explicitou formas criminosas de atuação de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, destruiu sua credibilidade e levantou a suspeita de que não é só o grupo de Murdoch que pratica esse tipo de “jornalismo”. Além disso, a celebrada autorregulamentação existente na Inglaterra –por mais que o fato desagrade aos liberais nativos– comprovou sua total ineficácia. As repercussões de tudo isso começam a aparecer. Inclusive na Terra de Santa Cruz.

OS "PRINCÍPIOS" DA GLOBO

No Brasil ainda não existe sequer autorregulamentação e as Organizações Globo, o maior grupo de mídia do país, não tem um único Ombudsman em suas dezenas de veículos para acolher sugestões e críticas de seus “consumidores”. Nesse contexto, a divulgação de "princípios editoriais" –sejam eles quais forem– é uma referência do próprio grupo em relação à qual seu jornalismo pode ser avaliado. Não deixa de ser um avanço.

A questão, todavia, é que o histórico da Globo não credencia os "Princípios" divulgados. Em diferentes ocasiões, ao longo dos últimos anos, coberturas tendenciosas que se tornaram clássicas, foram documentadas. E alguns pontos reafirmados e/ou ausentes dos "Princípios" agora divulgados reforçam dúvidas. Lembro dois: a presunção de inocência e as liberdades “absolutas”.

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O “Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros”, adotado pela FENAJ, acolhe uma garantia constitucional (inciso LVII do artigo 5º) que tem origem na Revolução Francesa e reza em seu artigo 9º: “a presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística”.

Não é necessário lembrar que o poder da velha mídia continua avassalador quando atinge a esfera da vida privada, a reputação das pessoas, seu capital simbólico. Alguém acusado e “condenado” pela mídia por um crime que não cometeu dificilmente se recupera. Os efeitos são devastadores. Não há indenização que pague ou corrija os danos causados. Apesar disso, a ausência da presunção de inocência tem sido uma das características da cobertura política das Organizações Globo.

Um exemplo: no auge da disputa eleitoral de 2006, diante da defesa que o PT fez de filiados seus que apareceram como suspeitos no escândalo chamado de “sanguessugas”, o jornal “O Globo” publicou um box de “Opinião” sob o título “Coerência” (Caderno A pp.3/4) no qual afirmava:

Não se pode acusar o PT de incoerência: se o partido protege mensaleiros, também acolhe sanguessugas. Sempre com o argumento maroto de que é preciso esperar o julgamento final. Maroto porque o julgamento político e ético, não se confunde com o veredicto da Justiça. (...) Na verdade, a esperança do PT, e de outros partidos com postura idêntica, é que mensaleiros e sanguessugas sejam salvos pela lerdeza corporativista do Congresso e por chicanas jurídicas. Simples assim.”

Em outras palavras, para O Globo, a presunção de inocência é uma garantia que só existe no Judiciário. A mídia pode denunciar, julgar e condenar. Não há nada sobre presunção de inocência nos "Princípios" agora divulgados.

Aparentemente, a postura editorial de 2006 continua a prevalecer nas Organizações Globo.

LIBERDADES ABSOLUTAS?

Para as Organizações Globo, a liberdade de expressão é um valor absoluto (Seção I, letra h) e “a liberdade de informar nunca pode ser considerada excessiva” (Seção III).

Sem polemizar aqui sobre a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa –que não é mencionada sequer uma única vez nos "Princípios"– lembro que nem mesmo John Stuart Mill considerava a liberdade de expressão absoluta. Ela, como, aliás, todas as liberdades, têm como limite a liberdade do outro.

Em relação à liberdade de informar, não foi exatamente o fato de “nunca considerá-la excessiva” que levou a “News Corporation” a violar a intimidade e a privacidade alheia e a cometer os crimes que cometeu?

O FUTURO DIRÁ

Se haverá ou não alterações na prática jornalística “global”, só o tempo dirá. Ao que parece, as ressonâncias do escândalo envolvendo o grupo midiático do todo poderoso Rupert Murdoch e a incrível capilaridade social da blogosfera, inclusive entre nós, já atingiram o maior grupo de mídia brasileiro.

A ver.”

FONTE: escrito por Venício Lima, Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de “Regulação das Comunicações – História, poder e direitos”, Editora Paulus, 2011. Publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5152) [título, imagem do Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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