sábado, 6 de fevereiro de 2016

SÍRIA E A "DOUTRINA WOLFOWITZ" DOS EUA

   Barack Obama dá continuidade à Doutrina Wolfowitz

Síria e a norte-americana Doutrina Wolfowitz

"O presidente Barack Obama continua sob a égide da 'Doutrina Wolfowitz', iniciada em 1992 e mantida durante anos por seus impulsionadores George Bush pai e filho, cujo objetivo é sustentar pela força um mundo unipolar liderado pelos Estados Unidos e impedir o surgimento de potências rivais.

Por Luis Manuel Arce, na Prensa Latina

Muito do que foi feito desde a invasão do Afeganistão e do Iraque, incluídos os golpes de Estado em lugares tão díspares como Ucrânia e Honduras, ou em temas tão aparentemente afastados do assunto militar, como a extração de petróleo a partir de areias betuminosas ou 'fracking' para colapsar o mercado de petróleo, são ações premeditadas sob o enfoque dessa doutrina.

Esse pensamento neoconservador elaborado por um grupo de ideólogos do sistema e surgido meses após o desaparecimento da União Soviética e do campo socialista europeu, busca a consolidação de um poder unilateral concentrado em Washington.

Wolfowitz, vinculado durante 30 anos ao Pentágono, declara friamente: "Nosso primeiro objetivo é prevenir o ressurgimento de um novo rival que represente uma ameaça semelhante à proposta anteriormente pela União Soviética, tanto no território da antiga URSS como em qualquer outro lugar. Essa é a base de nossa nova estratégia de defesa regional e requer nosso esforço para evitar que uma potência hostil domine uma região cujos recursos, sob um controle consolidado, sejam suficientes para gerar energia global".

Logicamente que se refere ao "Levante".

Desde então, sob a bandeira dos Bush, esse pensamento é como um manifesto do 'establishment' estadunidense, e foi executado, sem que tremesse a mão, por Richard Cheney, então Secretário de Defesa, e seguida e mantida por seus sucessores no Pentágono e no Departamento de Estado, segundo o destacado analista político estadunidense Paul Craig Roberts.

Sua essência foi exposta recentemente pelo jornalista norte-americano adepto dessa ideologia, Charles Krauthammer, no "The Washington Post", quando escreveu: "Temos um poder global determinante. A história nos designou como os tutores do sistema internacional. Quando a União Soviética se desmembrou, nasceu algo novo, algo completamente novo, um mundo unipolar dominado por uma superpotência única sem nenhum rival e com alcance decisivo em todos os rincões do mundo. Isso supõe um novo e espantoso desenvolvimento da história, que não se via desde a queda de Roma. Nem sequer Roma é um modelo adequado para o que hoje se chama EUA".

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acaba de denunciar que as grosserias do opositor Henry Ramos Allup, de tirar do parlamento de forma insolente quadros com as imagens do Libertador Simón Bolívar e do líder bolivariano Hugo Chávez, fazem parte de um plano apoiado a partir do estrangeiro para criar as condições que "justifiquem" uma intervenção militar.

Nesse mesmo contexto, inscreve-se o desacato ao Tribunal Supremo de Justiça ao juramentar na Assembleia os três legisladores impugnados, evidenciando que a oposição conservadora ignora o Poder Judicial.

Esse panorama não é novo e está muito bem definido na Doutrina Wolfowitz sob a nomenclatura de caos premeditado colocada em cena com um roteiro muito específico na Líbia, com o objetivo alcançado de derrubar e assassinar Muamar Kadafi e ocupar o país, como denunciou Craig Roberts.

Como esse especialista reitera, o caos não se instalou na Líbia porque os líbios não souberam se colocar de acordo entre si após a morte de Kadafi, mas porque era o objetivo estratégico dos Estados Unidos. Nunca houve uma revolução democrática, mas um movimento secessionista na região de Cirenaica. Nunca houve aplicação do mandato da ONU para proteger a população, mas um massacre perpetrado pela OTAN que custou a vida de 160 mil líbios, dos quais 75% eram civis, segundo a Cruz Vermelha Internacional.

Venezuela, certamente, não é um fato isolado porque a doutrina neoconservadora Wolfowitz é global, como é também a de Brzezinski sobre a "erosão por dentro", que em seu momento lhe serviu de base e que ainda aplica a Casa Branca e da qual é uma mostra a "via 3" da "lei Torricelli" no caso de Cuba.

A guerra na Síria é a mais atualizada expressão desse pensamento, porque, nesse teatro de batalha, os Estados Unidos têm uma multidão de objetivos geopolíticos que vão desde monopolizar para seu benefício a rota do petróleo e do gás, até consolidar o regime sionista em Israel, cercar militarmente a República Popular da China e a Rússia e conseguir controle político absoluto da região.

O critério para essa estratégia é que, derrotada a URSS, que havia sido o muro de contenção do unipolarismo dos EUA, não é possível permitir que a Rússia do presidente Vladimir Putin assuma o papel dos soviéticos ou que a China, com seu surpreendente desenvolvimento econômico, também o faça ou se some a Moscou em uma aliança estratégica muito poderosa.

A ordem está dada pelos neoconservadores: hegemonia mundial por e para os Estados Unidos. Atirar para matar em qualquer "rincão obscuro do mundo", como proclamou Bush filho a raiz das invasões no Oriente Médio.

Esse objetivo explica os acontecimentos no Afeganistão e no Iraque, a impunidade de Israel em seus crimes e colonização dos territórios ocupados, as ameaças ao Irã, os condenáveis fatos na Líbia, a atroz guerra na Síria, o surgimento de supostos grupos fundamentalistas sem ordem nem lei, o caos em países da África do Norte, o golpe de Estado na Ucrânia, a ofensiva contra a ex-presidenta Cristina Fernández na Argentina e Dilma Rousseff no Brasil, as pressões aos presidentes do Equador, Rafael Correa, e da Bolívia, Evo Morales, o caos na Venezuela, e a vergonhosa submissão da Europa a Washington.

Venezuela tem acionado os alertas na América Latina, enquanto Eric Sommer, do "Global Time", acende as luzes vermelhas ante o que denomina "protoguerra" dos Estados Unidos contra a China e o infeliz papel que Washington trata de atribuir à "Associação Transpacífica" (TPP) nesse perigoso jogo.

Essa "protoguerra", segundo afirma, parece dirigida a intimidar, debilitar e, inclusive, possivelmente desestabilizar o governo e a sociedade e inclui tentativas de cercar e isolar, militar, econômica e informativamente a China.

Nessa estratégia, Sommer alerta que os Estados Unidos considera a TPP como a asa econômica da "protoguerra" destinada a cercar a China, e a considera uma proposta de tratado regulador e de investimento regional que excluiria Pequim das negociações atuais.

Os ideólogos estadunidenses, independentemente de suas preferências partidárias — Paul Wolfowitz foi primeiro democrata e depois republicano —, consideraram-se vencedores da guerra fria e proclamaram o fim da história expresso na obra de Francis Fukuyama como parte da política de "desistorização" do tempo e o estímulo à distopia para apagar a memória histórica dos povos.

Dessa forma, foram edificando esse muro propagandístico de uma pretendida unipolaridade para fazer crer que a história havia escolhido o capitalismo como a ideologia universal e os Estados Unidos o país excepcional para dirigi-lo, isto é, a hegemonia real que se gestou em 70 anos de pós-guerra.

Nesse contexto, algum dia se conhecerão os segredos dos bastidores da queda das torres gêmeas em 11 de setembro — fato sobre o qual há muitas dúvidas sérias — que abriram o caminho para as desgraças que se vivem hoje no Oriente Médio e a proliferação de organizações terroristas como o Estado Islâmico, Al-Qaida e muitas mais de origens tão obscuras.

O golpe de Estado na Ucrânia em 22 de fevereiro de 2014, e as sanções dos Estados Unidos e Europa à Rússia do presidente Putin têm a mensagem subliminar neoconservadora do unipoder alegado pelos unipolaristas.

No entanto, queiram ou não, os alicerces da "Doutrina Wolfowitz" são pouco profundos e o edifício tem sido estremecido pelo bloqueio russo sumamente efetivo à invasão militar que haviam planejado na Síria.

Os neoconservadores sabem e assumem como um fracasso de sua doutrina, e isso explica em parte os tropeços que têm dado Estados Unidos e Europa em sua suposta batalha contra o Estado Islâmico.

Não obstante o dito até aqui, a Síria continua sendo a encruzilhada que pode levar à paz ou à guerra em grande parte do mundo. Uma paz impulsionada pelos que lutam por uma responsabilidade compartilhada em um mundo multipolar. Uma guerra como consciente recurso destrutivo que lamentavelmente podem utilizar aqueles que continuam obstinados em um controle unipolar do universo."


FONTE: escrito por Luis Manuel Arce, editor da "Prensa Latina". Transcrito no portal "Vermelho"  (http://www.vermelho.org.br/noticia/275911-9).

Nenhum comentário: