terça-feira, 29 de março de 2011

AS PALAVRAS E O VENTO


“São quatro discursos. De alguma forma, na minha cabeça, os quatro se interligam. Representam momentos que exigem reflexão, posturas e atitudes que requerem análise. Pela importância dos seus autores (atores?), inscrevem-se nos anais da história, ainda que muitos, como os antigos lá atrás nos tempos, tenham desacreditado das palavras proferidas, que o vento levaria (“verba volant”).

O primeiro discurso remonta a um passado não tão longínquo e tem a ver com um dos momentos mais trágicos que a Humanidade experimentou na sua saga. Foi recentemente “reescrito” no belíssimo filme que conquistou algumas estatuetas na cerimônia do Oscar. O teor do discurso do rei George VI, por si só, já encerrava carga de dramaticidade suficiente: um libelo contra o nazifascismo, no momento em que, depois de algumas recalcitrâncias e indecisões que a história dos vencedores não conta (ou conta mal...), a Inglaterra finalmente opôs-se militarmente a Hitler. Diante da tragédia coletiva, o filme põe em realce a pequena tragédia particular de um rei gago, para quem as palavras eram um martírio. A partir daí, o discurso que finalmente se produz é, a um tempo, o discurso da liberdade dos homens como um todo e daquele homem em particular. É, em meio à guerra então declarada, um discurso da superação, conquistada à custa de postura de dolorida abdicação da arrogância majestática, magistralmente desnudada pela finíssima ironia que constrói o personagem de um nada convencional terapeuta da fala.

Não sei se o mundo ou as pessoas ficaram melhores depois daquele discurso, ou em função das suas consequências. São tantas as contradições do homem em sua história de escravizador de si mesmo que considero que a derrota do Eixo foi apenas um capítulo, ainda muito longe do fim, dessa sequência de maldades e perversidades que vem marcando, desde sempre, os caminhos do homem no planeta.

O segundo discurso é o do imperador Akihito, diante das câmeras de TV, dirigindo-se aos japoneses em função da tríplice tragédia que atingiu o povo nipônico. Sendo um dos raros momentos em que rompeu o silêncio em que se mantém desde que assumiu o trono, ele traduziu a gravidade da situação por que passa o povo japonês (eu diria, a Humanidade como um todo). Lembrando , quem sabe, o pai Hiroíto, que muitos anos atrás fizera outra conclamação ao povo, pedindo-lhe que aceitasse a rendição, o atual imperador –que nem de longe tem, hoje, a ascendência ou a importância no cenário do Japão que antes possuíra o pai– tentou construir mensagem de esperança e solidariedade e pediu aos japoneses o esforço de nova reconstrução.

Também não sei se o Japão ou o mundo melhorarão após esse discurso, depois que se contabilizarem as novas orfandades da energia nuclear. Impossível, para mim, ver aquele imperador vestido à moda ocidental, falando sobre os males de catátrofe que, irônicamente, tem o DNA atômico dos artefatos de Hiroxima e Nakazaki, sem me perguntar até que ponto o decantado progresso do homem e suas tecnologias avançadas estão nos levando para vida melhor ou para a derrocada final.

E chego ao terceiro e ao quarto discursos: os de Obama e de Dilma, quando da “visita” que o presidente americano nos fez muito recentemente. Um presidente-ícone, o primeiro afro-descendente a ocupar a presidência americana vindo ao país que, pela primeira vez, elegeu para a Presidência uma mulher, ironicamente uma ex-guerrilheira que se opôs a golpe militar que teve as simpatias (ou ingerências) do governo americano de então...

Quando Obama foi eleito, subiram com ele à Presidência da América milhões de seres humanos de todas as nacionalidades, de todos os cleros, de todas as etnias. Obama surgia como contraponto positivo às mazelas e desmandos da administração Bush. Os tempo e os fatos estão mostrando que ainda não conseguiu ser o que pretendia, cumprir o que prometera em relação a temas tortuosos, como o fechamento de Guantánamo, o fim da escalada bélica americana, e outros. A crise econômica em que os Estados Unidos mergulharam certamente não o ajudaram e estão trazendo de volta os pensamentos e as ações mais retrógradas da terra do dólar.

A eleição de Dilma fundamentou-se na continuidade de políticas vitoriosas que pretendem eliminar a exclusão social no país e posicionar o Brasil em lugar de destaque e importância estratégica no cenário mundial.

O discurso de Dilma foi discurso de afirmação nacional. Incisivo, como cabia. Ao ouvi-la, pensei que talvez estejamos, realmente, nos libertando do “complexo de vira-latas”, de que falava Nelson Rodrigues. Suas palavras –que não acompanharam a bajulação geral da mídia- não foram de submissão, mas de afirmação da nova realidade do Brasil no concerto do mundo, suas potencialidades e suas fundadas expectativas de reconhecimento planetário.

O discurso de Obama o segundo, para um grupo “seleto” de brasileiros- foi diplomático, pouco objetivo, mas recheado de frases muito caras aos valores e às conquistas democráticas dos brasileiros, reconhecendo a importância do país no cenário internacional, destacando pontos comuns nas histórias dos povos e preconizando ações que possam favorecer a ambos, em igualdade. Um discurso “para inglês ver”, ou, se quiserem “para carioca ouvir”, exaltando a paz no mesmo instante em que ordenava a guerra na Líbia...

É discutível qualquer tipo de crença na eficácia dessa dupla de discursos. Não sei se as relações entre Brasil e Estados Unidos melhorarão, no que diz respeito aos interesses conflitantes dos povos dessas duas nações. Nem sei mesmo se os problemas do homem de hoje se reduzem a um conjunto de indivíduos distintos de outros por “cercas embandeiradas que separam quintais”, na expressão de Raul Seixas. O mundo está mergulhado em desavenças, são grandes as desigualdades e é fácil prever que não serão suportadas por muito tempo ou contidas por discursos bem intencionados. Pelo planeta inteiro já estão ecoando outros discursos, novos discursos, os discursos anônimos que se juntam no brado coletivo dos povos nas ruas. Nesses discursos e na sua efetividade para o futuro é que, certamente, todos devemos acreditar...”

FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/as-palavras-e-o-vento)

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