Gráficos coloridos golpeiam a verdade e o Brasil
Truque das barrinhas: mídia manipula infográficos para mostrar quadro pior do que a realidade
Do portal "Viomundo", transcrevendo do Novas Cartas Persas
"Os “nervosinhos” estão mais nervosos que nunca. Afinal o mundo não acabou. Só resta, então, mostrar, ou melhor, desenhar (para que qualquer Homer entenda) que o mundo vai acabar. Quem sabe aí o mundo não acabe numa espiral de caos?
Ontem, o UOL estampou na capa de sua página principal uma matéria da Folha que mostrava a triste realidade de brasileiros que passaram a realizar “compras de mês”, aquelas que se faziam nos tempos de hiperinflação, quando os índices de preços chagavam a 14% (ou até 40%) AO MÊS.
Para provar que a hiperinflação já afeta os consumidores brasileiros, recolheu o depoimento de duas, isso mesmo, DUAS aposentadas que fazem sua compra de supermercado mensalmente. As pobres senhoras, vejam só, ainda têm que comprar peixe ou frango quando a carne está cara, ou, ainda, vejam só, têm que trocar a marca de óleo ou sal por outras mais baratas…
Como se isso não fosse feito desde quando mercado existe; como se isso não fosse feito também entre pessoas de menos renda nos países desenvolvidos.
Mas a evidência cabal foi apresentada pelo fantástico e fofinho infográfico. Para ilustrar a reportagem sobre as “compras de mês”, a reportagem compilou uma lista de 26 itens, dos quais 18 subiram acima da média de inflação (segundo o IPCA).
Só que entre os itens da lista de compras da Folha estão produtos como “passagem aérea”, “empregada doméstica” e “alimentação fora do domicílio”. Não sei em que supermercado o jornal faz a sua compra do mês, mas na lista da Folha NENHUM produto (ou grupo de produtos) pode ser encontrado nas gôndolas de supermercados:
Agora, a bola da vez é internacional. O jornal neoliberal britânico Financial Times decidiu abrir fogo contra os países emergentes. O Brasil é um de seus alvos favoritos. Na notícia de ontem publicada pelo FT, o periódico chegou à conclusão que não são apenas 5 os países emergentes “frágeis” (carinhosamente apelidados pelo jornal de “Fragile Five”). Agora a lista de emergentes frágeis, dos quais o investidor deve evitar a todo custo, é composta por 8 países.
Para demonstrar a “fragilidade” dos países, o FT enfatizou um (isso mesmo, apenas UM…) indicador de vulnerabilidade mostrando a relação entre reservas internacionais e necessidade de financiamento externo (veja a situação no Brasil em OITO indicadores de vulnerabilidade no post Mitos Econômicos Brasileiros #4: “2014 será o ano da ‘tempestade perfeita’ no Brasil”).
Pois bem, para ilustrar a fragilidade financeira dos países, o jornal também lançou mão de um bonito e fofinho infográfico, estampado em cores vivas no Twitter do jornal, em que os 8 países são comparados. A imagem era fundamental para dar sustância para a manchete bombástica (“‘Fragile Five’ falls short as tapering leaves more exposed”) de uma matéria vazia.
O problema começa com um dos dados: as reservas internacionais do Brasil fecharam o 3º trimestre de 2013 em US$ 376 bilhões e não US$ 369 bilhões. Mas esse não foi o maior problema do infográfico: as proporções das barras nos gráficos são sempre de tamanho semelhante, o que dá a impressão de que os oito países estão “no mesmo saco” – que é exatamente a tese do artigo.
No gráfico, os US $369 bilhões (sic) de reservas do Brasil são iguais aos US$ 45 bilhões da Hungria ou os US$ 53 bilhões da África do Sul. Sem essa imagem forte e fofinha, fica difícil de acreditar no malabarismo argumentativo do FT. Mas olhando com cuidado, vemos que o gráfico diz uma coisa (estão todos no mesmo saco); os números dizem outra (uns são laranjas, outros são maçãs).
Refazendo o gráfico (infelizmente sou incapaz de fazer um tão bonito e fofinho quanto o da equipe de ficção ilustradores do FT) de tal modo que os números digam a mesma coisa que ilustram as barras, temos o seguinte quadro:
Fonte: FT e Banco Central do Brasil
As manipulações das reportagens da Folha e do FT se somam à famosa distorção do gráfico de inflação no Brasil medida pelo IPCA, no programa Conta Corrente, da GloboNews, publicado na sexta-feira (10). Apesar dos números corretos, a imagem (que vale mais do que mil palavras) é clara: mostra que a inflação é a maior dos últimos 5 anos, pelo menos.
Aqui, novamente, os números dizem uma coisa, a imagem, outra. Infelizmente não há mais registro do erro no site do programa. Mas milhares de pessoas espalharam a reprodução da imagem com o erro:
Depois do rebuliço que gerou na internet, o Conta Corrente apresentou uma errata, já na edição seguinte do programa (dia 13), e mostrou o gráfico com as proporções corretas. OK. Erros acontecem. Um jornalismo ético deve reconhecê-los, mostrá-los ao público e corrigi-los o mais rápido possível. Foi o que o Conta Corrente fez.
Esse e outros erros (manipulações?) podem até ter sido sinceros e involuntários. Mas diante da linha editorial apocalíptica desses veículos, não deixa de ser sintomático. Pode ser um caso grave de “nervosite” ou um “wishful thinking”, não sei. Freud explica."
FONTE: do site Novas Cartas Persas. Transcrito no portal "Viomundo".
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