QUESTIONANDO A REALIDADE
Por Marcelo Gleiser
Por Marcelo Gleiser
“Na ciência,
um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter
dois estados incompatíveis.
A realidade pode ser mais estranha do que a ficção.
Na ciência, os efeitos quânticos, que aparecem quando estudamos objetos muito
pequenos, certamente são mais estranhos do que podemos imaginar. Um objeto pode
estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados
incompatíveis, como o gato de Schrödinger, morto e vivo ao mesmo tempo.
Mas como sabemos que esses efeitos de fato ocorrem?
E por que não vemos isso normalmente? Qual a fronteira entre a realidade
quântica, com seus efeitos bizarros, e a nossa realidade comum?
Essas respostas só podem ser dadas através de
experimentos. Foi assim que ficou determinada a mais estranha das propriedades
quânticas, que está por trás de todo esse mistério: a dualidade partícula-onda. Desde os atomistas gregos, costumamos
visualizar a matéria como feita de partículas, objetos minúsculos e
indivisíveis. O elétron, que gira em torno do núcleo atômico, é um exemplo
popular. Mas em 1924, Louis de Broglie propôs algo inusitado: o elétron é também uma onda. E não só
ele, como todas as outras partículas; as entidades fundamentais da matéria têm
dupla identidade, a dualidade
partícula-onda.
O estranho disso é que partículas e ondas têm
propriedades muito diferentes: partícula
são localizadas, ocupam pouco volume no espaço; ondas se espalham. Em 1927,
Clinton Davisson e Lester Germer observaram a difração de elétrons ao passarem
por um cristal de níquel, um efeito típico de ondas. A difração ocorre, por
exemplo, quando ondas passam por duas fendas. Imagine ondas de água passando
por uma barragem com apenas duas portinholas, ou ondas de luz passando por uma
parede com duas fendas. Elas interferem e criam um padrão de estrias claras e
escuras num anteparo. Se repetíssemos o experimento atirando balas (partículas)
através das fendas, elas iriam se amontoar no anteparo bem atrás das fendas: balas não interferem entre si, não sofrem
difração.
No experimento de Davisson-Germer, o cristal de
níquel fazia o papel da parede com fendas. Em 1989, Akira Tonomura, do Japão,
conseguiu fazer o experimento de elétrons passando por fendas. Os resultados
foram bizarros. Ele mostrou que um elétron, passando sozinho pelas fendas,
interfere com ele mesmo: ou seja, o
elétron se comporta como uma onda passando pelas duas fendas ao mesmo tempo!
O que ocorre com "partículas" maiores? Qual o limite de tamanho em que as
características de onda são "perdidas"? Devido a incríveis
avanços tecnológicos, experimentos de difração foram feitos com nêutrons,
átomos, e até moléculas, centenas de vezes maiores do que átomos. Um exemplo é
o experimento de Anton Zeilinger e seu grupo da Universidade de Viena, que em
1999 demonstrou a interferência de moléculas com 60 átomos de carbono, as
"bolas de Bucky", que parecem bolas de futebol.
Quanto maior o objeto, mais sutil é sua
interferência, que fica difícil de demonstrar. Imagine uma bola de futebol
fazendo dois gols ao mesmo tempo. Isso ocorre no mundo quântico. A próxima
etapa é tentar experimentos com vírus. O que ocorre quando seres (quase) vivos
passam por duas fendas ao mesmo tempo? E seres vivos?”
FONTE: escrito por Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Publicado na
“Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/89442-questionando-a-realidade.shtml).
[Imagens do Google adicionadas por este blog
‘democracia&política’].
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