NÃO ME DECIFRASTE E ESTÁS
SENDO DEVORADO
“Cheguei ao
poder com grande apoio popular, graças ao discurso de luta por uma vida melhor
para todos, mas também a acordos com os setores mais retrógrados da nossa
sociedade. A ‘Carta aos brasileiros’, enigmática ao cidadão comum, representou
um recado bem entendido pela elite. Depois de três tentativas frustradas para
chegar à presidência, apreendi que as mudanças no Brasil, país com a mídia
dominada, têm que ser parcimoniosas. Quase como tendo que haver consentimentos
dos que dominam a sociedade.”
“Nunca fui
um revolucionário por várias razões. Em primeiro lugar, porque minha natureza é
a de um negociador e nunca foi a de um guerreiro, na acepção primeira da
palavra. Em seguida, porque o povo, com o presente grau de percepção, não quer
uma revolução. Creio até que, mesmo com alto grau de compreensão do mundo, ele
também não irá querer. Finalmente, não pode ser esquecido que muitos dos
revolucionários têm morte prematura.”
“Contudo,
mesmo reformista, orgulho-me em dizer que, durante meu governo, persegui à
risca meu discurso de campanha e trouxe vida melhor para dezenas de milhões de
irmãos. No que era básico para mim, não fraquejei em nenhum instante. Sei que
tive erros, praticados consciente ou involuntariamente. Quando errei
conscientemente, tenham certeza que estava cedendo a alguma pressão que, se
negada, poderia fazer fracassar, por exemplo, todo o projeto de inclusão social
em curso.”
“Troquei
opções sem correlação alguma, mas que o momento as transformava em moedas de
troca. Sem corresponder à realidade, só para ajudar o entendimento, me deparava
com dilemas do tipo: receber apoio da bancada secreta e poderosa dos banqueiros
a uma política externa independente em troca do atendimento aos interesses
pecuniários deles. A capacidade de mobilização deles no Congresso só é
comparável à da bancada ruralista. Assim, reconheço que existiram setores cujos
desempenhos deixaram a desejar. Não avancei muito na reforma agrária, por
exemplo, o que me deixa frustrado.”
“Aprendi com
muitos dos que estavam ao meu lado, mas o ministro das Relações Exteriores do
meu governo tem um crédito especial comigo. Resumiria o que aprendi com ele,
desta forma: ‘não se é grande em nível internacional, se não se imagina grande,
se não se planeja para ser grande e se não se age de forma grandiosa’. Hoje,
creio que abri muito a guarda na entrega do petróleo nacional, a menos de
quando retirei 41 blocos do Pré-sal da nona rodada. Falo das rodadas de leilões
do nosso petróleo. Segundo o ensinamento aprendido, entregar petróleo sem quase
nenhum usufruto para a sociedade não corresponde a ‘agir de forma grandiosa’.
Mas, só fiquei consciente desse fato quando o término do meu governo estava
próximo.”
“Têm
instantes que tenho vontade de dizer à minha sucessora: ‘Não faça isto!’ Digo
isso com relação à décima primeira rodada, que foi recentemente aprovada por ela.
Ainda mais que querem agora ofertar, também nessa rodada, além dos blocos
inicialmente previstos, aqueles oriundos da fracassada oitava rodada. O
objetivo escamoteado é diminuir, por asfixia financeira, a participação da
Petrobras nas futuras concessões. Assim, mais blocos serão destinados às
empresas estrangeiras ainda sob a lei socialmente incorreta nº 9.478. Bem
que os petroleiros sempre disseram que o Brasil não precisa ter pressa para
produzir petróleo, pois a Petrobras já garante seu abastecimento por mais de 40
anos. Porém, não falo com minha sucessora, pois, afinal de contas, o governo é
dela.”
“Por isso,
acusam, com certo grau de razão, que meu partido e eu somos pouco conscientes
com relação à questão nacional. Sem ser xenófobo, hoje, creio que há
necessidade de se privilegiar a exploração das riquezas nacionais da forma que
mais beneficie a nossa sociedade, o que ocorre em geral com empresas
genuinamente nacionais. Enfim, ninguém está completamente pronto para ser
presidente.”
“Entretanto,
a recuperação dos salários, o aumento do número de pessoas empregadas, a
ampliação e o acréscimo do valor do Bolsa-Família, o aumento do número de
universidades públicas, a ampliação das vagas disponíveis nas existentes e o
Pro-Uni são algumas das realizações das quais me orgulho. Enfim, durmo
tranquilo. Fiz tudo que queria e podia fazer e, muitas vezes, tive que criar,
com esforço, condições para as coisas boas acontecerem.”
“Se vocês
tivessem entendido tudo isso e dado mais apoio político a mim ou a qualquer
outro governante socialmente comprometido, mais poderia ter sido conquistado. A
verdade é que quem lhes devora não sou eu, contrariando o enigma da esfinge.
São os cartéis, inclusive muitos estrangeiros, que ainda não foram enquadrados.
Estão soltos porque não há reação de vocês. Contudo, sei que, com a atual mídia
controlada pelo capital, fica difícil o povo tornar-se consciente. A menos que,
aos poucos, ele migre para canais de informação mais honestos.”
Neste ponto, acordei da minha divagação, na qual
buscava explicações racionais, ou seja, buscava decifrar.”
FONTE: escrito por Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia.
Publicado no no “Correio da Cidadania” e transcrito no portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/politica/paulo-metri-decifra-o-enigma-dos-leiloes-de-petroleo.html). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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