Por Marcelo Gleiser
“Se, em ciência, todo efeito é
resultado de uma causa, qual é a causa primeira do surgimento do Cosmo?
Na semana passada, comecei uma
discussão do que chamo o "problema
das três origens", focando inicialmente na questão da origem da vida. Apesar de estarmos
longe de saber como a matéria inerte tornou-se viva na Terra primitiva ou de
como fazê-lo no laboratório, considero essa a mais fácil das três questões.
A origem da vida é algo que podemos
estudar de fora para dentro, para ter uma visão externa e objetiva do que
ocorre. Mesmo que seja impossível saber exatamente como a vida surgiu na Terra,
podemos investigar os possíveis caminhos bioquímicos que levam a não vida à
vida. No caso do Cosmo e da mente, as coisas são mais sutis.
Pelo que sabemos, todas as culturas
tentaram narrar o processo da origem do
mundo. Conforme exploro no livro "A
Dança do Universo", os mitos de criação sugerem um número pequeno de
respostas possíveis para a origem do mundo.
Todos pressupõem a existência de
alguma divindade ou poder absoluto capaz de criar o mundo. Na maioria dos
casos, esse poder absoluto é um deus ou grupo de deuses. Em alguns, o Universo
é eterno, sem uma origem no tempo; já em outros, o Cosmo surge do nada, de uma
tendência inerente de existir.
Esse nada pode ser o vazio absoluto,
um ovo primordial ou a luta entre o caos e a ordem. Nem todos os mitos de
criação usam uma intervenção divina ou pressupõem que o tempo começa em um
momento do passado.
Na visão científica, a origem do
Universo faz parte da cosmologia. Imediatamente, encontramos dificuldades: se, em ciência, todo efeito é resultado de
uma causa, podemos voltar ao passado até chegarmos na causa primeira.
Mas o que causou essa causa?
Aristóteles, por exemplo, usou uma divindade, "o-que-move-sem-ser-movido", que não precisa de uma causa. Ou
seja, usou a intervenção divina. Como as observações atuais apontam para um
Universo com um início no passado, o desafio dos modelos científicos de origem
do Cosmo é justamente tentar driblar a questão da causa primeira.
Porém, mesmo supondo que isso seja
possível, será que a resposta é aceitável ou definitiva? Se o Universo surgiu
de uma flutuação quântica aleatória, resolvemos a questão da causa. No mundo
quântico, processos ocorrem espontaneamente, como no decaimento de núcleos
radioativos. Juntando a isso o balanço entre a energia positiva da matéria e a
energia negativa da gravidade, essa flutuação pode ter energia nula: o Cosmo surge do "nada".
Esse é o resultado de que tanto se
vangloriam Stephen Hawking, Lawrence Krauss, Mikio Kaku e outros físicos. Mas
não deveriam. É óbvio que esse nada quântico
é muito diferente de um nada
absoluto. Qualquer modelo científico pressupõe toda uma estrutura conceitual: energia, espaço, tempo, equações, leis...
Fora isso, hipóteses precisam ser
testáveis e não sabemos como fazer isso com uma flutuação primordial. Não
podemos sair do Universo e testar outras versões no laboratório. No máximo,
modelos como esse chegam a uma compatibilidade com o que observamos.
A questão de por que este Universo e
não outro continuará em aberto. O fato de a ciência oferecer tantas respostas
não significa que ela deva responder a tudo.”
FONTE: escrito
por Marcelo Gleiser, professor
de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de
"Criação Imperfeita". Artigo publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/100141-do-nada-tudo.shtml)
[Imagem do google adicionada por este
blog ‘democracia&política’].
Nenhum comentário:
Postar um comentário