Tudo aconteceu pela ganância sobre o petróleo iraquiano. Para isso, pretextos e enganações foram criados e mentidos para o mundo
LEMBRANÇAS DO IRAQUE ASSOMBRAM EDITOR DA BBC
Por John Simpson, editor de noticias internacionais da
BBC
“Dez
anos depois da invasão do Iraque, o repórter e editor de noticias
internacionais da BBC John Simpson admite que algumas lembranças do conflito
nunca mais saíram de sua cabeça.
Simpson, um dos mais conhecidos
jornalistas da Grã-Bretanha, participou de importantes coberturas durante o
conflito. Em um momento-chave, ele e sua equipe foram atingidos por uma bomba
que deixou inúmeros mortos.
O editor
da BBC acredita que, apesar do pessimismo dos iraquianos, o futuro do país
inspira otimismo, mas isso depende da diminuição da violência que, atualmente,
opõe sunitas e xiitas.
Leia abaixo o depoimento de Simpson”:
“Na última década, passei mais de um
ano da minha vida no Iraque.
Vi de perto como o país ficou
marcado pela violência, desde o início.
Durante a invasão, um piloto da
Marinha americana descuidado jogou uma bomba de cerca de 450 kg em um grupo de
forças especiais americanas e curdas. Minha equipe e eu viajávamos com eles.
Dezoito pessoas morreram, muitas delas queimadas. Não ouve um inquérito
apropriado depois e ninguém foi punido.
Assisti o tumulto que se seguiu à
invasão liderada pelos Estados Unidos se transformando em rebelião e, então, em
guerra civil entre sunitas e xiitas, enquanto as forças americanas e britânicas
assistiam impotentes os acontecimentos.
Em 2006 e 2007, até parecia possível
que as forças americanas pudessem ser derrotadas. Uma atmosfera de pessimismo
predominava no comando americano. Os planos foram traçados para uma evacuação
da chamada “Zona Verde de Bagdá”. O poder americano no mundo parecia diminuir.
Então, um novo comandante, o general
David Petraeus, mudou toda a estratégia. Como resultado, os Estados Unidos
conseguiram se retirar sem humilhação maior. Depois disso, Petraeus se
transformou no chefe da CIA e ficou no cargo até que um escândalo destruiu sua
carreira em 2012.
SEM AS TROPAS
Quando as forças estrangeiras deixaram o país, o Iraque teve que se virar sozinho.
Políticos iraquianos eleitos
começaram a estabelecer a autoridade pelo país, a situação de segurança teve
melhora marcante, mas a vida no país ainda é perigosa em algumas ocasiões.
O governo dominado pelos xiitas
ainda não fez o bastante para tranquilizar a minoria sunita, e ela está
insatisfeita. Os curdos, cada vez mais independentes e ricos, demonstram pouco
interesse em fazer parte do Iraque como um todo.
A maioria dos iraquianos demonstra
profundo pessimismo. Mas, para um estrangeiro, o futuro do país parece estar
melhorando. O que falta é que seu povo tenha um pouco de paz.
Então, isso significa que a invasão
era justificada? Os iraquianos estão divididos a respeito deste assunto. A
tendência entre xiitas e curdos, os grandes beneficiados com a queda de Saddam
Hussein, é concordar.
A maioria dos sunitas, os grandes
perdedores, não concorda.
Certamente, a invasão resultou na
queda de um tirano que governava pelo terror. Uma vez conversei com um morador
de Bagdá que foi sentenciado à morte com execução em um banho de ácido por
escrever um número de telefone em uma nota de dinheiro com o retrato de Saddam
Hussein.
Até
os executores tiveram pena dele e apenas o mergulharam no ácido por um momento.
Mas as costas do homem ainda têm cicatrizes horríveis.
MAIS PERTO DO IRÃ
Poucos dos pressupostos nos quais a invasão se baseava eram precisos.
O Iraque não se transformou em um
grande aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio, como o governo de George W.
Bush esperava. Ao contrário, agora o país está mais próximo do Irã do que dos
americanos.
E o Iraque também não se transformou
no grande fornecedor de petróleo dos Estados Unidos. Companhias de petróleo
americanas têm contratos importantes no Iraque, mas as britânicas, russas e
chinesas também.
Provavelmente, os maiores
beneficiados foram duas companhias americanas: “Halliburton”, com a qual o
ex-vice-presidente Dick Cheney tem conexões, e a companhia de segurança “Blackwater”,
cuja reputação foi questionada tantas vezes que agora ela se chama “Academi”,
um nome que faz a empresa parecer totalmente pacífica.
Já se sabe, há tempos, que Saddam
Hussein não era a ameaça estratégica que os governos americano e britânico
afirmavam ser em 2002 e 2003. Havia alegações que os mísseis de Saddam poderiam
atingir a costa leste dos Estados Unidos e até bases britânicas no Chipre.
Na verdade, o “relatório Duelfer”,
de 2004, descobriu que Saddam Hussein tinha parado todas as pesquisas de armas
nucleares em 1991 e encerrado a pesquisa de armas químicas e biológicas em
1995. As armas de destruição em massa do Iraque [nunca existiram,] tinham sido
destruídas ou enviadas para fora do país.
A maioria das pessoas nunca entendeu
realmente o motivo da invasão. Uma pesquisa de opinião do “Washington Post”, em
2004, mostrou que 69% dos americanos pensavam que Saddam Hussein era o
responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001.
IMAGENS PERTURBADORAS
Refletindo sobre a última década no Iraque, algumas imagens perturbadoras não me saem da memória.
Na cidade de Fallujah, que foi
atingida pelos soldados americanos em 2004, observei duas crianças sentadas,
silenciosas, no chiqueirinho, mal se moviam. Como um grande número de crianças
na cidade, elas também sofriam de problemas de má formação.
Não sou especialista em armas, não
posso dizer se esses casos são os resultados de alguma arma usada pelos norte-americanos,
mas eu queria poder esquecer a cena dos gêmeos deformados e com danos
cerebrais.
Ouvi também a história de uma
família de Bagdá, cujo principal provedor de renda foi sequestrado por uma
gangue local. O resgate era de US$ 20 mil, a família fez empréstimos e vendeu
tudo para conseguir o dinheiro.
Depois, foram exigidos mais US$ 5
mil, que a família conseguiu com muito sacrifício. Mas tudo o que eles
receberam de volta foi o cadáver do homem, que tinha sido morto minutos depois
da captura.
Não me esqueço de meu jovem
tradutor, Kamaran, encostado em um monte de terra, os pés quase arrancados pela
bomba americana que caiu por engano sobre nós, o sangue escorrendo dos
ferimentos.
"Sei que é perigoso, mas eu realmente quero trabalhar com você",
me disse ele dias antes.
Não se passa um dia destes dez anos
em que eu não pense nele.”
FONTE: escrito por John Simpson, editor de
assuntos internacionais da agência britânica de notícias BBC. Divulgado pela
BBC e transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-depoimento-do-editor-da-bbc-sobre-a-guerra-do-iraque). [Imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].
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