Por Francesco Sisci, no “Asia Times Online”
Francesco Sisci
“PEQUIM
– Nomes de papas são declarações políticas sobre a governança da Igreja
Católica Romana, e não é coincidência que o novo pontífice tenha escolhido
chamar-se Francisco, o nome do santo de Assis, do século 12, mas também como o
grande jesuíta Francisco Xavier, que viajou em várias missões pela Ásia e China
no século 16. Foi Francisco Xavier quem mandou à China o famoso missionário
Matteo Ricci, homem que sozinho quase conseguiu converter toda a China, se seus
esforços não tivessem sido contra-atacados por Roma.
A China, preocupada com o
conceito de “soft power” [poder suave], está muitíssimo atenta ao poder
“soft” imenso, sem paralelos, da Igreja, dado que aí se concentram os
verdadeiros “exércitos do Papa”.
O catolicismo romano é a
maior religião do mundo e conta com, de longe, o mais influente aparato
espiritual. Todas as semanas, milhões dos 1,3 bilhões de católicos batizados (número equivalente a toda a população
chinesa) repetem o rito de adesão à própria fé, ao assistirem à missa. O
Vaticano pode também contar com milhões de voluntários; centenas de milhares de
padres, professores e funcionários de vários tipos; e milhares de bispos em
cada canto do planeta.
O Papa tem influência
sobre centenas de milhões de Protestantes e sobre um número pequeno, mas não
insignificante, de cristãos ortodoxos, embora tenham surgido, ou se erguido, em
oposição a Roma. Conta também com grande respeito que lhe vem de países
muçulmanos, divididos entre milhares de mesquitas e mulás, mas no total com
talvez cerca de 1,5 bilhões de seguidores.
Xi
Jinping (E) e Papa Francisco (D)
Claro que, hoje mais que nunca, esse poder imenso, que se alastra por mais de um império, teme os muitos sinais, diretos e indiretos, de profunda crise, ou divisão, que são questões materiais e não exclusivamente questões de teologia. Há questões espirituais, mas também há questões muito práticas, e a Santa Sé está bem consciente dos dois elementos. Afinal, se trata de religião que conscientemente vestiu as vestes da última fase do Império Romano e as sacralizou.
Pequim sabe que a Igreja
conhece bem o próprio poder. E, paradoxalmente, os muitos problemas globais da
Igreja Católica, levam o Vaticano a prestar grande atenção à China, como se
discutirá a seguir.
O primeiro grande problema
que pesa sobre o papado que se inicia são as crianças sexualmente agredidas. É
problema profundo de moralidade e, portanto, ameaça toda a credibilidade do
universo da evangelização, mas implica também prosaicas preocupações
financeiras. A Igreja dos EUA, a mais fortemente sitiada pelas acusações, provê
cerca de 40% dos fundos de que vive o Vaticano, apesar de os católicos
norte-americanos mal chegarem a 5% do total de católicos.
Em anos recentes, o
presidente Barack Obama dos EUA ameaçou remover o prazo para que se processem
paróquias e dioceses acusadas de dar cobertura a padres pedófilos e
molestadores de crianças. Na verdade, no caso de processos por abuso sexual, a
diocese sempre optou por pagar, fosse o que fosse, para evitar processos
públicos que humilhariam toda a Igreja.
Se esses prazos para
julgar padres acusados de abusos sexuais de crianças forem removidos, todos os
molestados há 20, 30 ou até há 40 anos poderiam formalizar acusações criminais
contra praticamente todas as dioceses nos EUA, o que levaria à bancarrota
física e espiritual o Catolicismo nos EUA. Os católicos norte-americanos
poderiam ficar sem igrejas onde rezar e deixariam de pagar seus muitos dólares
a Roma – o que, na prática, levaria à
bancarrota toda a Igreja Católica em todo o mundo. Hoje, mais do que jamais
antes, os desvios sexuais dos padres dão ao governo dos EUA enorme poder sobre
a Igreja de Roma. E há problemas semelhantes na Europa, onde as igrejas estão
desertas de fiéis e, assim, sem almas para orientar, ao contrário dos EUA, onde
as igrejas continuam lotadas.
Para fugir a essa chantagem
o mais rapidamente possível, a Igreja tem de desenvolver “mercados
alternativos” – desafio considerável, no
longo e no curto prazo. América Latina, África e Ásia implicam desafios
diferentes. A América Latina, com várias ex-colônias da Espanha ultracatólica e
de Portugal, está já infiltrada por evangélicos, que conquistam convertidos aos
magotes, em terras que, antes, eram territórios reservados de Roma. Para alguns
católicos, essa evangelização é outra face da antiga conspiração dos
protestantes norte-americanos, sempre interessados em insuflar as chamas dos
crimes sexuais e reduzir o número global de católicos. Nesse caso, menos fiéis
traduz-se em muito menos dinheiro para Roma.
Na África subsaariana, as
coisas não vão tão mal: o catolicismo
está em expansão, hoje já com mais de 170 milhões de seguidores. Mas também
lá os problemas são imensos. Contribuições da África, hoje e em futuro próximo
muito pobre, absolutamente não bastam, como substituição para os muitos milhões
que chegam a Roma, vindos dos EUA e da Europa. Além do mais, a Igreja na
África, que se expandiu em áreas nas quais sempre predominaram religiões
profundamente animistas, enfrenta todos os tipos de problemas, de padres
casados e com filhos, até todos os tipos de mestres feiticeiros.
Em vários sentidos, as
relações entre Roma e o mundo muçulmano são hoje as melhores, em séculos: não há oposição frontal, nem há guerra santa
– como tantas vezes se viu em séculos passados. Mas veem-se cristãos, por todo
o mundo muçulmano, vítimas do que já se interpreta como “limpeza” religiosa. E
xeiques e mulás milionários financiam a construção de mesquitas na Europa e nos
EUA, sempre em busca de colher mais almas, apoiam migrantes muçulmanos na
Europa e nos EUA e fazem avançar a fé muçulmana em áreas que, antes, foram
exclusivamente cristãs. O que fazer desse duplo desafio que lhe vem do Islã
também é problema que pressiona Roma.
Católicos apostólicos romanos no mundo distribuição regional (1910/2010)
Assim, tudo se volta na
direção da Ásia, onde há problemas de longo e curto prazo. As economias
asiáticas operam melhor que em qualquer outra parte do mundo; 60% da população
mundial vive ali e, em breve, estará produzindo a maior parte da riqueza do planeta.
Para a Igreja Católica de Roma, conseguir fazer-se presente ali e agora, quando
está sob sítio em todo o resto do mundo, pode ser a diferença entre (a)
continuar a ser força significativa no século 21; ou (b) deslizar em
processo de declínio rápido.
Na Ásia, a Igreja é fraca
e enfrenta oposição mais poderosa que em qualquer outra parte do mundo, sob a
forma de hinduísmo, Islã, budismo e governos locais que não dão qualquer sinal
de reverência ante o trono de Pedro. Os números são baixos, menos de 5% da
população local, proporção já distorcida, porque mais da metade dos católicos
asiáticos estão nas Filipinas. Sem a contribuição das Filipinas, a porcentagem
cai para cerca de 2%.
No continente, segundo Yan
Kin Sheung Chiaretto em “China and Prospects for the New Evangelization”,
[1] é difícil planejar-se para
um rápido programa de evangelização. A única real abertura é na China, onde,
apesar de tudo que se lê na imprensa-empresa ocidental, há mais liberdade
religiosa que em qualquer outro lugar; o budismo é muito fraco; e os chineses
têm fome de novas religiões. Os protestantes já o comprovaram: sem qualquer esforço especial, já capturaram
cerca de 10% da população, em uma década.
Os católicos ali não
passam, com certeza, de 1% – mais
provavelmente, estão em torno de 0,5% – e com distribuição rarefeita, sem
quase nenhuma evangelização. A China é a maior economia do mundo, não tem
problema algum com acusações de abusos sexuais, e o mundo muçulmano é
preocupação ali, quase tanto quanto em Roma: ali pode estar a solução para todo o futuro da Igreja Católica. A
China sabe da própria necessidade de compreender o mundo e de ser compreendida
no resto do mundo. Roma pode ter papel crucialmente importante no papel
gigantesco de integrar esse vastíssimo país num mundo ainda dominado por EUA e
Europa.
Sem a China, em resumo, a
Igreja Romana terá de defender-se sozinha de ataques que lhe veem de todos os
lados e bem pode acontecer de ver todos os seus problemas multiplicados.
Houve tempos em que toda a
defesa da Igreja se fez a partir de Lepanto: hoje pode ser tentada a partir de Pequim. Sem Roma, a China
permanecerá muito fraca, entre as nações do mundo. Essa conjuntura com certeza
aproximará as duas potências. O problema está em que só muito raramente essas
imensas equações podem ser operadas, em mundo no qual as atenções focam-se em
pequeníssimos detalhes. Em termos teológicos, a multidão de detalhes é trabalho
do diabo, não para unir, mas para separar.
Talvez esse primeiro Papa
jesuíta consiga saltar sobre a separação. E o novo presidente da China, Xi
Jinping, eleito poucas horas antes do Papa, talvez veja na coincidência algum yuanfen
– o destino - obrando para unir as pontas.”
NOTA DOS TRADUTORES
[1] CHIARETTO,
Yan Kin Sheung, The evangelization of China today: challenges and prospects
: in the light of recent documents of the Magisterium (1978-2010),
Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, 2012.
FONTE: escrito por
Francesco Sisci,
no “Asia Times Online”, sob o título original “Papal mission to build trust in China”. O autor é colunista do jornal
diário italiano “Il Sole 24 Ore”. Artigo traduzido pelo pessoal da Vila Vudu e postado no blog “Redecastorphoto”
(http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/missao-papal-construir-confianca-na.html). [Imagem do Google adicionada (a 1ª) por este blog ‘democracia&política’].
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