sexta-feira, 15 de março de 2013

MARQUETEIRO DO VATICANO DEVE SER O MESMO QUE O DOS TUCANOS

Serra, como propagandeado pela mídia tucana na campanha de 2010

Por Eduardo Guimarães

“Após o anúncio da escolha do cardeal Jorge Mario Bergoglio pelo Conclave do Vaticano para suceder Joseph Ratzinger – o agora “Papa Emérito” Bento XVI – sob o nome “Francisco”, formou-se, quase que imediatamente, um consenso até meio óbvio de que tal escolha busca combater o avanço dos evangélicos e da esquerda na América Latina, a região do mundo que – ainda – é a mais católica.

A tese que o Vaticano obviamente abraçou é a de que ter um líder da Igreja Católica oriundo desta parte do mundo poderá recuperar para si o imenso rebanho que veio perdendo através das últimas décadas para as igrejas evangélicas, como se essa desidratação do catolicismo tivesse ocorrido pela nacionalidade dos Papas João Paulo II ou Bento XVI e não por essa Igreja se manter presa a dogmas cada vez mais incompatíveis com a evolução política e ideológica dos povos latino-americanos.

Antes de analisar a estratégia católica, porém, alguns dados importantes.

O novo Papa é descendente de italianos que foram acolhidos no país mais italiano da América Latina, pois a Argentina foi o país da região que mais recebeu imigrantes italianos – estima-se que entre 1870 e 1970 entraram no país 2,9 milhões de italianos por lá, enquanto que o Brasil recebeu 1,5 milhão.

Só para se ter uma ideia de quão italiana é a Argentina, apesar de hoje o Brasil, com seus quase 200 milhões de habitantes, ter cerca de 25 milhões de descendentes de imigrantes italianos, a Argentina, com quase 40 milhões de habitantes, tem um contingente de descendentes de italianos bem menos miscigenado e que é mais ou menos o mesmo ou até um pouco superior.

E quanto ao perfil do novo Papa, é mais parecido com o de seu antecessor do que parece. Muitos apontaram a coincidência entre Bergoglio e Joseph Ratzinger por ambos, supostamente, terem tido vínculos com regimes ditatoriais e desumanos, respectivamente a ditadura argentina e o nazismo.

Ratzinger foi chamado de “nazista” por ter integrado a juventude hitlerista e Bergoglio é acusado de ter delatado esquerdistas ao regime militar argentino e até de ter se envolvido em “sequestro de bebês”.

Ambos se defendem da mesma forma. Enquanto Ratzinger e seus biógrafos alegam que ele integrava a juventude hitlerista porque, na Alemanha, à época, era obrigatório, mas que nunca se filiou ao partido nazista, Bergoglio e os biógrafos dele alegam que, após a prisão dos dois sacerdotes os quais é acusado de ter delatado, trabalhou nos bastidores para libertá-los, intercedendo junto ao ditador Jorge Rafael Videla.

Quanto às ideias do atual Papa e de seu antecessor, o Vaticano trocou seis por meia dúzia. Ambos conservadores, ambos intransigentemente contrários aos direitos dos homossexuais, ao aborto etc, etc, etc.

O que resta de novidade no novo Papa, portanto, é a sua origem latina – apesar de ser mais italiano do que o antecessor, ainda que menos europeu –, um suposto ativismo social cujos resultados concretos ninguém sabe quais foram e uns tais “hábitos simples”, como o de ter usado transporte público um dia, o que, convenhamos, parece muito pouco para ele se comparar – ou, vá lá, ser comparado – a São Francisco de Assis.

É nesse ponto que a escolha do novo Papa, assim como a do anterior, assume contornos bem parecidos com a estratégia que o PSDB vem adotando há muito, mas que se acentuou a partir da eleição presidencial de 2010: ir buscar apoio entre a parcela mais reacionária da sociedade, fenômeno que fez o partido apelar para os mesmos “valores” ultraconservadores como “família” e “direito à vida”.

O Vaticano com Bergoglio, portanto, parece estar inovando muito pouco em termos de estratégia política, e errando a mão em sua escolha.

Não só o PSDB, mas todos os grandes partidos que se desviaram para a direita – ou que sempre a integraram – na América Latina vêm tomando verdadeiras sovas eleitorais com o recurso a esse setor decadente e minguante das sociedades da região, o qual, com a crescente escolarização e ascensão social em curso por aqui, deve diminuir muito nos próximos anos.

O fato de o novo Papa ser latino, portanto, muito dificilmente fará os convertidos à fé evangélica retornarem ao seio da Santa Madre Igreja, pois não a deixaram devido ao Papa anterior ser europeu e sim porque se sentem mais acolhidos pela nova fé que abraçaram, que, ao menos, não lhes parece tão distante de si quanto o catolicismo, mesmo que isso possa não ser verdade, ou que seja apenas parte dela.

E, politicamente, a latinidade de Bergoglio não fará a América Latina trocar o bem-estar e a ascensão social da maioria pobre da região, proporcionados por governos progressistas, para cair de cabeça na retórica sobre “corrupção” ou “valores familiares” que políticos conservadores, como os do PSDB, do DEM etc, encamparam, pois tais “valores”, como bem sabem todos, não enchem barriga.”

FONTE: escrito por Eduardo Guimarães em seu blog “Cidadania”  (http://www.blogdacidadania.com.br/2013/03/marqueteiro-do-vaticano-deve-ser-o-mesmo-que-o-dos-tucanos/).

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