“Dez anos depois, está claro que a estratégia do presidente George W. Bush fracassou: os EUA e seus aliados não conseguiram alcançar os objetivos anunciados e as consequências da operação militar foram desastrosas, seja do ponto de vista moral, econômico ou militar. Mas o que o discurso sobre a derrota dos EUA não revela é que essa guerra foi e continua sendo uma grande vitória para alguns.
A análise é de Reginaldo Mattar Nasser
"A guerra é um crime... facilmente, o mais rentável, certamente, o mais cruel ... É o único em que os lucros são contados em dólares e as perdas em vidas .... Ela é conduzida para o benefício dos poucos, à custa dos muitos..... eu passei a maior parte do meu tempo como um “ defensor de alta classe” para os Grandes Negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Em suma, eu era um gângster, um gangster para o capitalismo. "( Major General Butler)
O ataque norte-americano ao Iraque completou dez anos na semana passada com a constatação por grande parte dos analistas de que a estratégia do governo Bush foi um fracasso: os Estados Unidos e seus aliados não conseguiram alcançar os objetivos anunciados e as consequências da operação militar foram desastrosas, seja do ponto de vista moral, econômico ou militar. Mas o que o discurso sobre a derrota dos EUA não revela é que essa guerra foi e continua sendo uma grande vitória para alguns.
Supõe-se que o objetivo numa guerra é “ganhar” — partindo do principio de que os atores (Estados Nacionais) em confronto buscam impor sua vontade por meio de ações que comportam o uso da força. Mas, é preciso pensar o Estado de forma concreta. Isto é, os objetivos daqueles que decidem ir à guerra são bastante diversos e há alguns atores mais interessados em manipular as informações e prolongar os combates do que propriamente conseguir uma vitória militar.
Não é muito difícil perceber o fracasso norte-americano nas três fases em que se desenrolaram suas ações militares no Iraque: tanto na justificativa para o ataque, quanto na ação militar propriamente dita, bem como no denominado momento de reconstrução do país (nation-building). É preciso dizer, todavia, que essa demarcação é puramente artificial. A passagem da segunda para a terceira fase está exclusivamente baseada na declaração do ex-presidente George W. Bush quando anunciou o fim das operações militares com a deposição de Saddam Hussein, dando início ao processo de reconstrução do país, momento em que os combates aconteceram de fato.
Uma das principais alegações para se iniciar o ataque foi a suposta existência de armas de destruição em massa por parte do governo iraquiano. Mas isso não era suficiente. Era preciso “vender” ainda a ideia de que Sadam Hussein apoiava o “terror jihadista”. A equação estava pronta. Não há nada mais assustador do que um grupo de suicidas com alto poder destrutivo. Diferentemente dos soviéticos, durante a Guerra Fria, esses novos inimigos, alardeava o ‘mainstream’ norte-americano, não poderiam ser dissuadidos nem contidos e, portanto, deveriam ser simplesmente eliminados.
Como não tardou a ser demonstrado, tratava-se de uma grande mentira, uma das maiores falsificações na história da diplomacia fabricada pelo governo dos EUA e aliados e que contou com a colaboração da grande mídia, dos ‘think tanks’, de partidos políticos e de várias ONGs.
Estima-se que, durante esses dez anos, mais de um milhão de soldados norte-americanos foram enviados para o Iraque: 4.483 foram mortos, 33 mil feridos e mais de 200 mil diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático. A taxa de suicídio é 26% entre os veteranos masculinos de 18 a 29 anos.
O número exato de civis iraquianos mortos ainda é desconhecido, mas as estimativas situam entre 150 a 500 mil e três milhões de pessoas deslocadas internamente. Há que se somar, ainda, as centenas de milhares de pessoas que morreram de doenças causadas por água contaminada, quando os EUA destruíram o sistema de tratamento de água do país
No que se refere aos custos econômicos da guerra, as cifras são assustadoras. Segundo J. Stiglitz (Premio Nobel de economia), beira os 4 trilhões de dólares. A Dívida dos EUA subiu de US$ 6,4 trilhões em março de 2003 para US$ 10 trilhões em 2008 (antes da crise financeira), sendo que, pelo menos, 25% de montante é diretamente atribuível à guerra.
A questão hoje colocada por muitos intelectuais nos EUA é: podemos aprender com este erro? Economistas, como o próprio J. Stiglitz, avaliam que é preciso descartar a ideia, bastante sedutora, de que a guerra é boa para a economia. Mas como podemos simplesmente fechar os olhos para o fato de que, além do aumento exponencial da lucratividade das empresas favorecidas pela alta do petróleo, a invasão do Iraque abriu um novo e poderoso mercado: o da reconstrução das nações?
O ataque norte-americano ao Iraque impactou consideravelmente o comércio mundial de petróleo, pois além de interromper a produção iraquiana, a instabilidade política que causou no Oriente Médio fez com o que o preço do produto disparasse. Em 2003, quando os EUA chegaram à região, o preço do barril estava ao redor de US$25. Cinco anos depois, em 2008, os preços chegaram a US$ 140. A percepção de insegurança no mundo proporcionada pela chamada “Guerra contra o Terror” conduzida pelos EUA, após 2001, propiciou ainda aumento considerável na venda de armas para os países em todo o mundo. As 100 maiores empresas produtoras de armas do mundo venderam US$ 410 bilhões em armas e serviços militares em 2011. Um estudo do SIPRI mostra que a despesa militar no mundo, em 2011, foi de 1,6 trilhão de dólares, aumento de 40% em 10 anos.
Na terceira e mais duradoura etapa da guerra, o governo norte-americano contratou centenas de empresas para uma gama enorme de atividades sob a rubrica “reconstrução”: infraestrutura do país (sistemas de água, eletricidade, gás e transporte), escolas e hospitais; serviços de segurança aos “novos trabalhadores”, treinamento das forças iraquianas e suporte logístico às operações antiterrorismo; serviços financeiros, e, naturalmente, a sua indústria petrolífera. A maior parte dos recursos foi alocada na contratação de empresas privadas de segurança. Em 2008, os dez principais fornecedores de serviços militares receberam cerca de US$150 bilhões em contratos.
Para perpetuar esse ciclo, altamente lucrativo, essas corporações reciclam (ou reinvestem) parte dos bilhões de dólares adquiridos com a guerra em ações de lobby e contratação de antigos oficiais renomados para a sua diretoria, que facilitam o processo de contratação. A “Lockheed Martin”, empresa que mais possui contratos na área de segurança militar em todo o mundo, doou mais de um milhão de dólares para deputados e senadores de diferentes partidos em 2009. Sua diretoria é composta por antigos funcionários do governo: o ex-vice-secretário de Defesa, o ex-comandante do Comando Estratégico, ex-vice-secretário de Segurança Doméstica. Vale dizer que seu rendimento anual é de US$ 40 bilhões de dólares, dos quais, ao menos 35 bilhões são provenientes de contratos com o governo norte-americano. Mas a “Lockheed Martin” não é exceção: a estrutura se repete à medida que analisamos outras empresas como “Northrop Grumman”, “Boeing”, “CACI”, “Parsons Corp A Pasadena”.
Onde estão as vozes no Congresso, democrata ou republicano, que falam seriamente em por um fim nessa indústria da guerra? O presidente Obama e os democratas não alteraram em nada a política da “guerra sem fim” contra o terror iniciada por Bush. O Congresso abdicou intencionalmente de suas responsabilidades políticas ao delegar, ao poder executivo, a responsabilidade de conduzir a guerra querendo com isso ludibriar a sociedade de que eles não podem fazer nada.
É preciso admitir que o poder real para iniciar ou terminar guerras está nas mãos de uma elite, como bem observou o sociólogo norte-americano Wright Mills há mais de 50 anos. Avaliando o Estado norte-americano, após a 2ª Guerra Mundial, Mills entendia que, se é verdade que as decisões da administração militar passaram a afetar diretamente as dimensões política e econômica, também é verdade que as decisões tomadas na área política determinam as atividades econômicas e os programas militares. Na medida em que essas três áreas (econômica, política e militar) se articulam entre si, em termos de poder de decisão, com consequência para toda a sociedade, os lideres das três áreas do poder – senhores da guerra, dirigentes de empresas e direção política – tendem a se unir para formar a elite no poder nos EUA.
Ou seja, a suposta irracionalidade das ações contraproducentes no terreno militar, durante esses 10 anos no Iraque, é mais aparente do que real e não se trata, como querem ver alguns críticos da ação dos EUA, de uma guerra interminável no sentido de carecer de objetivos claramente definidos ou mal executados. A elite no poder sabe muito bem o que se espera desse estado de guerra permanente: a expansão dos negócios, domínio de territórios e influência política.”
FONTE: escrito por Reginaldo Mattar Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP). Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21786).
O ataque norte-americano ao Iraque completou dez anos na semana passada com a constatação por grande parte dos analistas de que a estratégia do governo Bush foi um fracasso: os Estados Unidos e seus aliados não conseguiram alcançar os objetivos anunciados e as consequências da operação militar foram desastrosas, seja do ponto de vista moral, econômico ou militar. Mas o que o discurso sobre a derrota dos EUA não revela é que essa guerra foi e continua sendo uma grande vitória para alguns.
Supõe-se que o objetivo numa guerra é “ganhar” — partindo do principio de que os atores (Estados Nacionais) em confronto buscam impor sua vontade por meio de ações que comportam o uso da força. Mas, é preciso pensar o Estado de forma concreta. Isto é, os objetivos daqueles que decidem ir à guerra são bastante diversos e há alguns atores mais interessados em manipular as informações e prolongar os combates do que propriamente conseguir uma vitória militar.
Não é muito difícil perceber o fracasso norte-americano nas três fases em que se desenrolaram suas ações militares no Iraque: tanto na justificativa para o ataque, quanto na ação militar propriamente dita, bem como no denominado momento de reconstrução do país (nation-building). É preciso dizer, todavia, que essa demarcação é puramente artificial. A passagem da segunda para a terceira fase está exclusivamente baseada na declaração do ex-presidente George W. Bush quando anunciou o fim das operações militares com a deposição de Saddam Hussein, dando início ao processo de reconstrução do país, momento em que os combates aconteceram de fato.
Uma das principais alegações para se iniciar o ataque foi a suposta existência de armas de destruição em massa por parte do governo iraquiano. Mas isso não era suficiente. Era preciso “vender” ainda a ideia de que Sadam Hussein apoiava o “terror jihadista”. A equação estava pronta. Não há nada mais assustador do que um grupo de suicidas com alto poder destrutivo. Diferentemente dos soviéticos, durante a Guerra Fria, esses novos inimigos, alardeava o ‘mainstream’ norte-americano, não poderiam ser dissuadidos nem contidos e, portanto, deveriam ser simplesmente eliminados.
Como não tardou a ser demonstrado, tratava-se de uma grande mentira, uma das maiores falsificações na história da diplomacia fabricada pelo governo dos EUA e aliados e que contou com a colaboração da grande mídia, dos ‘think tanks’, de partidos políticos e de várias ONGs.
Estima-se que, durante esses dez anos, mais de um milhão de soldados norte-americanos foram enviados para o Iraque: 4.483 foram mortos, 33 mil feridos e mais de 200 mil diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático. A taxa de suicídio é 26% entre os veteranos masculinos de 18 a 29 anos.
O número exato de civis iraquianos mortos ainda é desconhecido, mas as estimativas situam entre 150 a 500 mil e três milhões de pessoas deslocadas internamente. Há que se somar, ainda, as centenas de milhares de pessoas que morreram de doenças causadas por água contaminada, quando os EUA destruíram o sistema de tratamento de água do país
No que se refere aos custos econômicos da guerra, as cifras são assustadoras. Segundo J. Stiglitz (Premio Nobel de economia), beira os 4 trilhões de dólares. A Dívida dos EUA subiu de US$ 6,4 trilhões em março de 2003 para US$ 10 trilhões em 2008 (antes da crise financeira), sendo que, pelo menos, 25% de montante é diretamente atribuível à guerra.
A questão hoje colocada por muitos intelectuais nos EUA é: podemos aprender com este erro? Economistas, como o próprio J. Stiglitz, avaliam que é preciso descartar a ideia, bastante sedutora, de que a guerra é boa para a economia. Mas como podemos simplesmente fechar os olhos para o fato de que, além do aumento exponencial da lucratividade das empresas favorecidas pela alta do petróleo, a invasão do Iraque abriu um novo e poderoso mercado: o da reconstrução das nações?
O ataque norte-americano ao Iraque impactou consideravelmente o comércio mundial de petróleo, pois além de interromper a produção iraquiana, a instabilidade política que causou no Oriente Médio fez com o que o preço do produto disparasse. Em 2003, quando os EUA chegaram à região, o preço do barril estava ao redor de US$25. Cinco anos depois, em 2008, os preços chegaram a US$ 140. A percepção de insegurança no mundo proporcionada pela chamada “Guerra contra o Terror” conduzida pelos EUA, após 2001, propiciou ainda aumento considerável na venda de armas para os países em todo o mundo. As 100 maiores empresas produtoras de armas do mundo venderam US$ 410 bilhões em armas e serviços militares em 2011. Um estudo do SIPRI mostra que a despesa militar no mundo, em 2011, foi de 1,6 trilhão de dólares, aumento de 40% em 10 anos.
Na terceira e mais duradoura etapa da guerra, o governo norte-americano contratou centenas de empresas para uma gama enorme de atividades sob a rubrica “reconstrução”: infraestrutura do país (sistemas de água, eletricidade, gás e transporte), escolas e hospitais; serviços de segurança aos “novos trabalhadores”, treinamento das forças iraquianas e suporte logístico às operações antiterrorismo; serviços financeiros, e, naturalmente, a sua indústria petrolífera. A maior parte dos recursos foi alocada na contratação de empresas privadas de segurança. Em 2008, os dez principais fornecedores de serviços militares receberam cerca de US$150 bilhões em contratos.
Para perpetuar esse ciclo, altamente lucrativo, essas corporações reciclam (ou reinvestem) parte dos bilhões de dólares adquiridos com a guerra em ações de lobby e contratação de antigos oficiais renomados para a sua diretoria, que facilitam o processo de contratação. A “Lockheed Martin”, empresa que mais possui contratos na área de segurança militar em todo o mundo, doou mais de um milhão de dólares para deputados e senadores de diferentes partidos em 2009. Sua diretoria é composta por antigos funcionários do governo: o ex-vice-secretário de Defesa, o ex-comandante do Comando Estratégico, ex-vice-secretário de Segurança Doméstica. Vale dizer que seu rendimento anual é de US$ 40 bilhões de dólares, dos quais, ao menos 35 bilhões são provenientes de contratos com o governo norte-americano. Mas a “Lockheed Martin” não é exceção: a estrutura se repete à medida que analisamos outras empresas como “Northrop Grumman”, “Boeing”, “CACI”, “Parsons Corp A Pasadena”.
Onde estão as vozes no Congresso, democrata ou republicano, que falam seriamente em por um fim nessa indústria da guerra? O presidente Obama e os democratas não alteraram em nada a política da “guerra sem fim” contra o terror iniciada por Bush. O Congresso abdicou intencionalmente de suas responsabilidades políticas ao delegar, ao poder executivo, a responsabilidade de conduzir a guerra querendo com isso ludibriar a sociedade de que eles não podem fazer nada.
É preciso admitir que o poder real para iniciar ou terminar guerras está nas mãos de uma elite, como bem observou o sociólogo norte-americano Wright Mills há mais de 50 anos. Avaliando o Estado norte-americano, após a 2ª Guerra Mundial, Mills entendia que, se é verdade que as decisões da administração militar passaram a afetar diretamente as dimensões política e econômica, também é verdade que as decisões tomadas na área política determinam as atividades econômicas e os programas militares. Na medida em que essas três áreas (econômica, política e militar) se articulam entre si, em termos de poder de decisão, com consequência para toda a sociedade, os lideres das três áreas do poder – senhores da guerra, dirigentes de empresas e direção política – tendem a se unir para formar a elite no poder nos EUA.
Ou seja, a suposta irracionalidade das ações contraproducentes no terreno militar, durante esses 10 anos no Iraque, é mais aparente do que real e não se trata, como querem ver alguns críticos da ação dos EUA, de uma guerra interminável no sentido de carecer de objetivos claramente definidos ou mal executados. A elite no poder sabe muito bem o que se espera desse estado de guerra permanente: a expansão dos negócios, domínio de territórios e influência política.”
FONTE: escrito por Reginaldo Mattar Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP). Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21786).
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