REFERENDO
REFORÇA DUAS POSIÇÕES IRRECONCILIÁVEIS
“Em entrevista à 'Carta Maior', Francisco Panizza, catedrático de Política Latino-Americana, da “London School of Economics”, analisa o impacto diplomático e político do referendo realizado nas ilhas Malvinas. “Não muda nada. Creio que o próprio governo britânico tem isso claro. O referendo é uma arma a mais na guerra de propaganda na qual estão envolvidos os dois governos”.
A reportagem é de Marcelo Justo, direto de Londres.
Londres – Os britânicos,
que fazem apostas sobre quase tudo, não têm nenhuma para o referendo convocado
nas ilhas Malvinas. A pergunta feita aos moradores das ilhas é se querem ou não
seguir fazendo parte do Reino Unido. A possibilidade de que haja mais do que um
resultado, que sustente uma aposta, está totalmente ausente nesse caso.
Nas ilhas isso é bem claro. Em declarações publicadas na segunda-feira pelo jornal “The Guardian”, John Fowler, editor do porta-voz governamental de imprensa, o “Penguin News”, assinalou que se tratava de dizer aos países que não estão decididos sobre o conflito que “aqui há outra versão dos fatos em jogo”.
Carta Maior – Esse referendo muda alguma coisa na situação das Malvinas?
Nas ilhas isso é bem claro. Em declarações publicadas na segunda-feira pelo jornal “The Guardian”, John Fowler, editor do porta-voz governamental de imprensa, o “Penguin News”, assinalou que se tratava de dizer aos países que não estão decididos sobre o conflito que “aqui há outra versão dos fatos em jogo”.
Carta Maior – Esse referendo muda alguma coisa na situação das Malvinas?
Francisco Panizza – Não muda nada. Creio que o próprio governo britânico tem isso claro. O referendo é uma arma a mais na guerra de propaganda na qual estão envolvidos os dois governos. Para que um processo de referendo como esse tenha validade diplomática, seria necessário o acordo das duas partes, supervisão internacional e uma série de outras condições. De modo mais substancial, não tem sentido fazer um referendo para solucionar uma contenda quando o que está em jogo é, precisamente, que voz, ou que influência, os habitantes podem ter no conflito. O governo argentino sustenta que a opinião dos habitantes não pode influir em uma discussão entre países soberanos. Já o britânico defende que, enquanto os moradores não mudarem de opinião, não haverá mudanças no tema da soberania. Em resumo, o que esse referendo faz é simplesmente reforçar duas posições irreconciliáveis.
CM – No que diz respeito às questões de fundo não muda nada. Mas como isso afeta a relação bilateral e a posição do governo de David Cameron frente à opinião pública britânica?
FP – O impacto que provocará é que vai tornar ainda mais difícil qualquer tipo de aproximação, porque o que o governo britânico está fazendo com esse referendo é colocar um novo cadeado. O primeiro foi a guerra, o segundo é esse referendo. É como amarrar-se ao mastro das ilhas.
CM – Qual a continuação desse filme?
FP – Depois do referendo, me parece que a retórica vai subir alguns decibéis. Até que ambos os governos não decidam que é de interesse deles baixar o tom da conversa e buscar algum ponto de acordo, mais do que reforçar os pontos de antagonismo, o conflito permanecerá sem solução. O problema é que nenhum dos dois governos está disposto a fazer isso no momento.
CM – Pode haver alguma medida para além do nível retórico nesse processo de aumento de decibéis?
FP – Não é de interesse dos governos levar o conflito mais além. Nenhum dos dois governos tem interesse em romper relações econômicas ou diplomáticas. O governo argentino esteve muito tempo sem embaixador em Londres e, se enviou um embaixador, é porque lhe pareceu que servia melhor aos seus interesses ter alguém que represente o país nesse nível. Parece-me que o passo seguinte à ebulição de tudo isso será a exploração petroleira em torno das ilhas. Se há uma possibilidade séria de extração, isso sim pode ser um novo ponto causador de conflito.
CM – Quando esteve em Londres em fevereiro, o chanceler Héctor Timerman falou de 20 anos para uma mudança de situação. É uma avaliação demasiado otimista?
FP – 20 anos é tempo muito longo. Neste momento, não vejo nenhuma perspectiva de que o governo britânico sequer considere a possibilidade de discutir a soberania. O que pode mover as trincheiras são questões de interesses econômicos compartilhados. Se o governo britânico decide que, para ter uma economia petroleira viável na zona, tem que entrar em negociações com a Argentina, talvez isso possa movê-lo. Mas não creio que isso pudesse ter significado forte sobre o tema da soberania. O ponto fundamental é que não há nenhum incentivo e há desestímulos políticos muito fortes para o governo britânico discutir esse tema.”
FONTE: reportagem de Marcelo Justo, direto de Londres, publicada no site “Carta Maior” com tradução de Marco Aurélio Weissheimer
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