Por Paul Krugman, economista
norte-americano, Prêmio Nobel de Economia em 2008
“Dez anos atrás, a América invadiu o
Iraque; de alguma maneira, nossa classe política decidiu que nossa resposta a
um ataque terrorista deveria ser travar guerra contra um regime que, por mais
vil fosse, nada tinha a ver com aquele ataque.
Algumas vozes avisaram que estávamos
cometendo erro terrível; que o argumento em favor da guerra era fraco,
possivelmente fraudulento, e que, longe de render a prometida vitória fácil,
era muito provável que a empreitada terminasse com sofrimento custoso. E os
avisos foram acertados, é claro.
Ficamos sabendo que não havia armas
de destruição em massa; olhando em retrospecto, ficou evidente que a
administração Bush enganou a nação propositalmente para conduzi-la à guerra.
E a guerra --depois de ceifar milhares de vidas americanas e dezenas de milhares de
vidas iraquianas, depois de impor custos financeiros muitíssimo mais altos que
seus fomentadores tinham previsto-- deixou a América mais fraca, não mais
forte, e acabou por gerar um regime iraquiano que é mais próximo de Teerã que
de Washington.
Será que nossa elite política e
nossa mídia aprenderam com essa experiência? Não é o que parece. O que
realmente chamou a atenção no período que antecedeu a guerra foi a ilusão de
consenso.
Até hoje, analistas que se
equivocaram em suas previsões se desculpam, alegando que "todo o mundo" pensava que havia
argumentos sólidos em favor da guerra. É claro que havia quem se opusesse à
guerra, eles reconhecem --mas essas
pessoas estavam fora da maioria.
O problema desse argumento é que ele
era e é circular: ser favorável à guerra
virou parte da definição do que significava ter uma opinião majoritária.
Qualquer voz discordante, por mais qualificada fosse, era ipso facto vista como sendo indigna de consideração.
Isso acontecia nos círculos
políticos e igualmente em boa parte da imprensa, que, concretamente, tomou
partido e juntou-se ao campo em favor da guerra.
Howard Kurtz, da CNN, que na época
trabalhava para o "Washington Post", escreveu recentemente sobre como
funcionava esse processo --como a
reportagem cética, por mais fundamentada fosse, era desencorajada e rejeitada.
"Artigos que questionassem as provas ou os argumentos em favor da guerra
frequentemente eram minimizados, relegados às páginas menos lidas ou derrubados",
escreveu.
Um fenômeno estreitamente associado
a essa tomada de partido era uma reverência exagerada e inapropriada pela
autoridade. Apenas pessoas em cargos de poder eram consideradas dignas de
respeito.
Kurtz nos revela, por exemplo, que o
"Washington Post" derrubou um artigo sobre dúvidas em relação à
guerra escrito por seu próprio repórter sênior de defesa, com o argumento de
que o texto era baseado inteiramente em declarações de oficiais militares na
reserva e especialistas externos --"em
outras palavras, pessoas com independência suficiente para questionarem os
argumentos em favor da guerra".
Tudo considerado, foi uma lição
objetiva sobre os perigos do pensamento de grupo, uma demonstração de como é
importante ouvir vozes céticas e diferenciar reportagem de defesa pública de
uma proposta.
Mas, como eu disse, parece que a
lição não foi aprendida. Considere, como prova disso, a obsessão com o déficit
que domina nosso cenário político nos últimos três anos.
Não quero levar a analogia longe
demais. Uma política econômica equivocada não é o equivalente moral a uma
guerra travada sob pretextos falsos, e, embora as previsões dos críticos do
déficit tenham se mostrado erradas repetidas vezes, não houve nenhum fato tão
decisivo ou tão chocante como o fato de não terem sido encontradas armas de
destruição em massa.
O melhor de tudo é que, hoje, quem
discorda da visão dominante não opera num clima de ameaça, com a impressão de
que levantar dúvidas pode resultar em consequências pessoais e profissionais
devastadoras, clima esse tão onipresente em 2002 e 2003 (quem se lembra da campanha de ódio contra o grupo Dixie Chicks?).
Mas hoje, assim como na época, temos
a ilusão do consenso, uma ilusão baseada num processo em que qualquer pessoa
que questione a narrativa preferida é imediatamente marginalizada, por mais
fortes sejam suas credenciais.
E agora, assim como na época, a
imprensa com frequência parece ter tomado partido. Chama a atenção
especialmente a frequência com que afirmações questionáveis são apresentadas
como se fossem fatos.
Quantas vezes, por exemplo, você já
não viu artigos na imprensa simplesmente afirmando que os Estados Unidos têm
uma "crise de dívida",
embora muitos economistas argumentem que o país não enfrenta crise de dívida
nenhuma?
Na realidade, de algumas maneiras a
linha que separa notícias e opinião ficou ainda mais confusa com relação a
questões fiscais do que foi durante a marcha para a guerra. Como observou no
mês passado Ezra Klein, do "Post",
parece que "as normas de
neutralidade jornalística não se aplicam quando o tópico é o déficit."
O que deveríamos ter aprendido com a
débâcle do Iraque é que sempre devemos ser céticos e nunca devemos confiar na
suposta autoridade num assunto. Se você ouve que "todo o mundo" defende uma política, quer seja uma guerra
travada por opção ou a austeridade fiscal, procure saber se "todo o mundo" foi definido para
excluir qualquer pessoa que manifeste opinião diferente.
E os argumentos pró ou contra
políticas devem ser avaliados segundo seus méritos, e não segundo quem os
expõe. Você se lembra de quando Colin Powell nos assegurou que aquelas armas de
destruição em massa iraquianas existiam?
Infelizmente, como eu disse, parece
que ainda não aprendemos aquelas lições. Será que vamos aprender algum dia?”
FONTE: escrito por Paul Krugman
(Wikipedia: “Paul Robin Krugman, Nova
Iorque, 28 de
fevereiro de 1953, economista norte-americano,
ganhador do Nobel de
Economia de 2008. Autor de diversos livros. Desde 2000, é
colunista do The New York Times”). Artigo publicado na “Folha” com tradução de Clara Allain. Transcrito
no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/paul-krugman-do-iraque-ao-deficit).
[Imagens
do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].
Nenhum comentário:
Postar um comentário