sábado, 2 de maio de 2015

NARCOTRÁFICO USADO COMO FONTE DE RECURSOS PELA CIA (EUA)




A CIA e a Droga - Parte I

Por Adir Tavares

"Costumamos pensar no mundo das substâncias estupefacientes como algo nas mãos de bandos de criminosos que operam na total ilegalidade.

A ideia de que as autoridades possam estar envolvidas na produção e na comercialização de tais drogas é instintivamente rejeitada: afinal não são essas mesmas autoridades que combatem o cultivo e que tentam desmantelar as redes de importação e venda?

O fato de o Afeganistão ter-se tornado o principal produtor mundial de ópio (e de heroína, o seu derivado) após a "libertação" das forças ocidentais é encarado como um acaso e qualquer ligação entre os dois fatos é vista como fruto da conspiração.

Essa atitude nasce da ignorância (do latimignorare = não saber) de precisos fatos históricos.

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as elites políticas dos Estados Unidos e britânicas tiveram que enfrentar a ameaça do Socialismo na escala global: decidiram responder através da mobilização de recursos, públicos e ocultos, para implementar um programa de "Roll Back" e reverter o avanço do Comunismo.

Paradoxalmente, um autêntico bloqueio contra a mobilização anticomunista vinha do interior dos Estados Unidos: a maioria da população desconfiava de um projeto de política externa com tal alcance. Isso porque, do ponto de vista do americano médio, o mundo era representado pela América do Norte, e os seus interesses no âmbito da política externa eram mínimos. Devido a enraizado isolacionismo, no início da Guerra Fria os grandes gastos governamentais para alimentar a política externa estavam fora de questão. Além disso, a CIA, a principal fonte de rendimento no campo da política externa americana, era para a maioria dos norte-americanos do pós-guerra uma agência como qualquer outra, quando na verdade já caminhava para ocupar o papel do jogador-chave.

É nessa altura que as substâncias estupefacientes cruzam o percurso com aquele das autoridades: para realizar maciças operações globais, a CIA pediu à Casa Branca uma licença para encontrar fontes alternativas de financiamento. E claro está: "alternativas" significava "fora do circuito da legalidade".

A droga pareceu logo como o negócio mais rentável entre os conhecidos. A natureza ilegal então ditou as regras do jogo: enquanto alguns dos ganhos foram realmente utilizados para apoiar as operações encobertas, outros foram desviados para o enriquecimento pessoal de agentes e gerentes da Agência, ou manteve-se nas mãos de grupos financeiros com poder de pressão sobre o governo norte-americano. Evitar atitudes ilegais no âmbito de grandes operações ilegais é empresa muito complicada. Consequentemente, a cumplicidade no negócio da droga começou a espalhar-se para os níveis superiores do establishment da América do Norte.

O primeiro exemplo das conexões entre a CIA e o negócio da droga apareceu por volta de 1947, quando Washington, preocupada com o aumento do movimento comunista na França do pós-guerra, decidiu associar-se com a notória e cruel máfia da Córsega na luta contra a Esquerda. Uma vez que o dinheiro não podia ser oficialmente gasto em alianças desagradáveis através dos canais oficiais, uma grande fábrica de heroína foi criada em Marselha com o apoio da CIA, que também alimentou o negócio. O empreendimento empregava habitantes locais, enquanto a CIA organizava o ciclo de fornecimento e o terror físico e psicológico contra os comunistas na França.

Posteriormente, o esquema foi adoptado em outras partes do planeta.

No início dos anos '50', a CIA dirigia uma rede de fábricas de heroína no Sudeste Asiático e uma parte dos lucros ajudou Chiang Kai-shek na luta contra a China comunista. A seguir, a CIA começou a patrocinar o regime militar do Laos, fortalecendo os seus laços na região do "Triângulo Dourado": Laos, Tailândia e Birmânia, países que naquela altura contribuíam para 70% da oferta mundial de ópio.


A maior parte da droga era enviada para Marselha e a Sicília, para ser processada nas fábricas geridas pela máfia siciliana e francesa.

Na Sicília, a organização criminosa que geria as várias fábricas de drogas tinha sido fundada por Lucky Luciano, um gangster americano nascido na Itália e aí regressado após a Segunda Guerra Mundial. Tinha sido o governador do Estado de New York, Thomas E. Dewey, a agradecer Luciano por causa dos serviços prestados à Marinha dos EUA e a estabelecer a sua transferência para a Italia; e tinha sido a Máfia dos EUA, com a participação da comunidade hebraica americana, a apoiar (também financeiramente) a sua transferência.

As informações desclassificadas não deixam dúvidas sobre o trabalho que Luciano desenvolvia para aintelligence americana: os lucros eram divididos entre a Máfia e a CIA, que também utilizava os fundos para combater a sua guerra secreta contra o Partido Comunista Italiano.

A CIA continuou a receber dinheiro do "Triângulo Dourado" durante a Guerra do Vietnam. Os estupefacientes dessa região eram importados de forma ilegal nos Estados Unidos e distribuídos para as bases militares no estrangeiro: muitos dos veteranos da guerra foram marcados não apenas pelos eventos bélicos mas também pelo uso dos narcóticos.

Obviamente, as actividades relacionadas com o tráfico da droga realizadas pela CIA tinham que permanecer em segredo, mas isso não era simples. Um enorme escândalo estourou já na década dos anos '70, envolvendo o banco "Nugan Hand" de Sydney (Austrália) com as filiais nas Ilhas Cayman e o ex-diretor da CIA, William Colby, que atuava como consultor jurídico. A CIA utilizava o referido banco para operações de lavagem de dinheiro na gestão dos recursos obtidos com o tráfico de drogas e armas na Indochina. Colby dirigia operações anticomunistas em Roma durante os anos '50 e na década sucessiva operava no Vietnam. Em 1971, foi nomeado diretor da CIA mas, envolvido nas polêmicas do "Relatório Pike" (que tratava dos financiamentos ilícitos da Agência, do FBI e da NSA), foi substituído por George Bush em 1976.

A geografia do tráfico de drogas da CIA expandiu-se constantemente. Nos anos 80, a troca droga-armas foi replicada para financiar "os Contras" da Nicarágua, mas depois das descobertas do Comitê de Relações Exteriores do Senado foi aberta uma investigação. Uma frase do relatório do Senado afirmava:

"Os decisores dos Estados Unidos não estavam imunes à ideia de que o dinheiro da droga era uma solução ideal para o problema do financiamento dos Contras".

Essa declaração bem mostra como as atividades da CIA estivessem intimamente relacionadas com a política externa americana. O negócio da Agência no comércio das drogas se espalhou ainda mais quando os Estados Unidos e a União Soviética entraram diretamente ou indiretamente no conflito do Afeganistão. A comunidade da 'intelligence' americana financiou generosamente os resistentes, os 'Mujahideen', em parte com dinheiro proveniente do tráfico das drogas. As aeronaves dos EUA entregavam armas em troca de heroína: e, de acordo com sucessivas investigações, na época cerca da 50% da heroína utilizada nos Estados Unidos tinha origem no Afeganistão.


O livro "The Mafia, CIA and George Bush" de Pete Brewton (1992) oferece uma série de dados concretos que provam as ligações entre o diretor da CIA e depois presidente dos EUA, George Bush, e a máfia: em determinadas fases da sua carreira, Bush combinou a sua função pública com aquela política e do negócio da drogas.

O establishment americano tinha concluído que os estupefacientes, além de serem utilizados em circunstâncias políticas, poderiam ser úteis para alcançar objetivos geopolíticos de longo prazo. Quando Paul Brenner se tornou chefe de Bagdá , após a "libertação" do Iraque de 2003, nada fez para levantar uma barreira contra a onda das substâncias ilícitas que varreu o País.

E é importante realçar como o negócio dos estupefacientes não existia durante o governo de Saddam Hussein: a cidade nunca tinha visto o vício das drogas até Março de 2003 (enquanto agora está submersa nele, principalmente heroína).

De acordo com um relatório publicado pelo diário inglês "The Independent", os cidadãos de Bagdá se queixam do fato de as drogas (heroína, cocaína etc.) estarem sendo comercializadas nas ruas das cidades iraquianas. Escreve Brenda Stardom:

"Alguns relatos sugerem que o tráfico das drogas e das armas foi apoiado pela CIA, a fim de financiar as suas operações internacionais".

Isso enquanto um habitante explica:
"Terias sido enforcado por causa do tráfico de drogas. Mas agora podes obter heroína, cocaína, qualquer coisa."

O Iraque caiu sob o controle do EUA. E o mesmo aconteceu com o Afeganistão.

No Iraque, apareceu e espalhou-se o tráfico de substâncias ilegais enquanto o Afeganistão tornou-se o primeiro produtor mundial de ópio. Deve ser um caso, justo? É o que vamos ver na segunda parte do artigo.

Ipse dixit."


[ A Parte II será aqui postada tão logo disponível]

FONTE: escrito por Adir Tavares no blog "Informação Incorreta" (http://informacaoincorrecta.blogspot.com.br/2015/04/a-cia-e-droga-parte-...) e transcrito no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/fora-pauta/a-cia-e-a-droga-parte-i-por-adir-tavares).

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