segunda-feira, 5 de maio de 2008

“INVESTMENT GRADE”: OTIMISTAS x CATASTROFISTAS

Na última sexta-feira (02/05) este blog postou o artigo “Afinal, foi bom ou ruim o “investment grade”?”. Nele, abordamos os conflitos de pontos-de-vista de diversos setores da grande mídia, e até da blogosfera, sobre a prevalência de benefícios ou de malefícios para o Brasil decorrentes de o país ter alcançado a classificação “investment grade” segundo importante agência de risco norte-americana, a Standard & Poor's.

No nosso artigo, mencionamos as posições antagônicas de duas importantes personalidades da blogosfera. Ambas respeito e cito na nossa coluna “recomendamos”: Nassif e Eduardo Guimarães (blog Cidadania).

Confesso que torço para que os argumentos do segundo sejam os vencedores.

Hoje, Eduardo Guimarães nos ilustra com convincente texto. Transcrevo, acrescentando subtítulos entre colchetes para facilitar a leitura:

A VITÓRIA DO MERCADO

”Conforme prometi no post anterior, comento as considerações que Luis Nassif fez em seu blog quanto ao meu questionamento de sua visão sobre o investment grade alcançado pelo Brasil.

Presumo que Nassif concordou com o que escrevi no post retrasado, intitulado "Nassif e o setor externo", no qual dissequei o boletim "Carta Iedi", que o jornalista usou, em seu blog, para apoiar sua teoria sobre os efeitos que advirão do grau de investimento, pois no texto-resposta ele não fez objeções ao que escrevi primeiro.

Nassif intitulou o post em que tratou do meu questionamento como "Ok, mercado: você venceu". No texto, fez afirmativas que subscrevo integralmente e outras das quais divirjo.

[CONCORDO COM NASSIF]

Concordo com Nassif quando ele diz que:

1 - O "mercado" venceu

2 - "A discussão, de qualquer espécie de tema, tem se contaminado [na blogosfera] com uma visão ideológico-conspiratória muito forte".

3 - "É importante não deixar que, na blogosfera, a discussão seja contaminada pelo mesma parcialidade que se observa em alguns veículos da mídia"

4 - "A opinião não pode ser contra ou a favor de governo, mas contra ou a favor de atos de governo"

5 - "Em cada governo existem homens públicos de primeira, iniciativas elogiáveis, e atitudes de terceira"

[DISCORDO DO NASSIF]

Contudo, discordo do Nassif em vários outros pontos de seu post em referência. E posso sintetizar essas discordâncias comentando o título do post-resposta dele, que diz, com propriedade, que o mercado venceu.

O mercado venceu faz tempo, Nassif, desde bem antes de Lula chegar ao poder. E venceu quando o mundo foi se interconectando economicamente.

[A GLOBALIZAÇÃO]

A tal da globalização, ao contrário do que nos foi vendido na década passada pelo grupo político que ocupava o poder e pela mídia que o apoiava incondicionalmente, constituiu-se num processo nefasto que retirou dos países a autonomia para gerirem autonomamente suas economias, deixando para os governos a dura tarefa de compatibilizar políticas econômicas altamente prejudiciais para os mais pobres com políticas públicas que lograssem mitigar os efeitos daninhos daquelas políticas preconizadas pelo famigerado Consenso de Washington.

[A MORATÓRIA DE SARNEY]

As tentativas isoladas de enfrentar o mercado fracassaram em toda parte. Aqui no Brasil, por exemplo, a moratória de Dilson Funaro, durante o governo Sarney, precipitou o país em grave crise econômica. Em vez de colhermos benefícios da retenção dos pagamentos de nossas dívidas com o exterior, mergulhamos num processo que ficou conhecido como estagflação, um misto de estagnação econômica com inflação alta.

[OS APOLOGISTAS DO NEOLIBERALISMO]

Causa espanto e indignação ver a mesma mídia que apoiava incondicionalmente a adesão de Collor e de FHC ao Consenso de Washington, ao neoliberalismo - e que afirmava, ainda em 2002, que se Lula chegasse ao poder iria transformar o Brasil em uma Cuba -, acusar o atual governo de estar cedendo demais ao mercado.

De certa forma, a mídia tem razão quando diz que o governo Lula manteve a política econômica de FHC. Ela só não diz que a política econômica de FHC nunca foi de FHC, mas produto de um modelo econômico enlatado que foi implementado em todo o Terceiro Mundo por ordem expressa de Washington.

[PLANO REAL = PLANO BOLÍVIA]

Muitos não sabem, mas o modelo econômico contido no plano real foi implementado pela primeira vez na América do Sul, na Bolívia. O modelo preconizando privatizações, políticas monetárias restritivas e câmbio fixo espalhou-se por Brasil, Argentina, Peru, Bolívia etc. E deu no que deu.

[O FRACASSO DO CONSENSO DE WASHINGTON]

Aliás, para quem quiser entender por que toda América Latina está caminhando para a esquerda, digo que essa mudança brusca, que nunca tinha ocorrido de forma tão ampla na história deste continente, deveu-se justamente ao fracasso retumbante das políticas econômicas do Consenso de Washington, que, mais uma vez, prometera fazer o bolo crescer para depois dividi-lo.

[O DESASTRE DE 2002]

O governo Lula manteve os pontos da política econômica que o mercado não negocia de jeito nenhum. E quem não estiver entendendo o que custa hoje a um país o mercado não querer negociar com ele, deveria se lembrar do que aconteceu em 2002, quando a inflação já havia passado dos dois dígitos, o dólar chegou a 4 reais e as reservas em dólares diminuíram a tal ponto que não tínhamos mais como financiar nosso comércio exterior.

A mídia, o PSDB e o PFL atribuem o desastre de 2002 ao discurso histórico do PT, que pregaria calote na dívida externa etc. É mentira. O desastre de 2002 foi igual ao desastre de 1998, outro ano de sucessão presidencial, com a diferença de que em 1998 não houve derretimento do real porque o preço do dólar, então, era definido pelo governo e não pelo mercado, como passou a ser em 1999, inclusive atendendo a uma reivindicação da oposição petista.

[A FUGA DO MODELO IMPOSTO PELOS EUA]

O governo Lula, porém, conseguiu, em alguma medida, fugir do modelo econômico imposto pelos americanos ao paralisar as privatizações, investindo de verdade no social e buscando relações comerciais fora do eixo americano-europeu, que é o que está nos salvando da crise americana, pois se continuássemos priorizando o comércio com os países ricos, sobretudo com os EUA, agora estaríamos ferrados de verde e amarelo.

[POLÍTICA MONETÁRIA RESTRITIVA]

Mas não dá para fazer milagres. Política monetária restritiva, aliás, não é um ditame apenas do mercado, mas uma necessidade num país em que o consumo está explodindo e que, portanto, precisa reduzir o ritmo da atividade econômica até que os investimentos em máquinas e equipamentos, que visam ampliar a produção, produzam efeito.

[A DETERIORAÇÃO DAS CONTAS EXTERNAS]

Vejam que na Carta Iedi, que reportei aqui porque Nassif aludiu ao documento em seu blog para fundamentar seu ponto de vista sobre a "deterioração" nas contas externas, diz que grande parte das importações - que estão sendo crescentes - tem sido de máquinas e equipamentos. Os investimentos estão sendo feitos e logo a produção nacional terá condição de acompanhar a explosão de demanda. Logo será possível afrouxar a política monetária.

[INVESTMENT GRADE FOI ARAPUCA?]

A tese de Nassif sobre o grau de investimento abriga inclusive uma teoria conspiratória. No limite de minha especulação, chego a entender que ele atribui a concessão do grau de investimento ao Brasil a uma arapuca que pretenderia fazer com que os especuladores viessem aqui se esbaldar antes do desastre que sobreviria, quando eles se escafederiam levando o butim consigo.

É uma teoria que não se sustenta. O grau de investimento não trará somente investimentos no mercado financeiro. Trará, sobretudo, investimentos pro-du-ti-vos e de médio e longo prazos, que seriam altamente danosos aos clientes da Standard & Poor's que fizessem esse tipo de investimento aqui se sobreviesse uma crise cambial, que, obviamente, traria embutido risco de calote. Esses investidores não teriam como sair rapidamente do Brasil...

Em minha opinião, na do governo, na dos investidores (daqueles que estão vindo para ficar), na das agências de classificação de risco, enfim, na opinião de muitos, o governo terá tempo e meios para fazer uma "sintonia fina" na condução da economia devido ao montante espantoso de reservas que temos.

A previsão de catástrofe baseada em distorções conjunturais na conta corrente externa parece-me açodada. Como diz a própria Carta Iedi, ainda é cedo para detectar uma tendência de deterioração nessa conta e o extermínio do saldo comercial positivo entre importações e exportações. O problema da conta corrente é recente e será preciso ver como o governo irá reagir antes de fazer previsões apocalípticas.

[OPOSIÇÃO QUER VER FRACASSO NA VITÓRIA]

Agora, não ver nada de bom na ascensão do país ao grau de investimento parece-me produto de complexo de inferioridade. A nota BBB- é uma vitória deste governo e do país. A precipitação em ver um fracasso nessa vitória se coaduna com o tipo de oposição que temos, mas não com gente séria como o Nassif.

Acho importante que o jornalista continue fazendo suas ressalvas, que o debate continue sendo travado, que os alertas sejam feitos, até para que o governo não se acomode. Mas o tom desse discurso está sendo compatível com uma situação que não existe e com uma oposição e uma mídia irresponsáveis que qualquer um percebe que querem ver o circo pegar fogo.

Aliás, quem anda dizendo que a mídia e as elites estão adorando o grau de investimento está dizendo o que não existe. Leiam editorial da Folha de hoje, por exemplo. O texto emula esse discurso catastrofista. Fiquem atentos e verão, nos próximos dias, como a própria oposição encampará esse discurso do caos. Aliás, já está encampando. Está faltando atenção aos catastrofistas bem-intencionados.”

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