terça-feira, 1 de março de 2011
DEMOCRACIA, SOBERANIA E ALTIVEZ
Por Luís Roberto Barroso
“A divergência política em relação à extradição de Battisti será sempre legítima, mas dar-lhe cumprimento é questão de respeito ao Estado de Direito”
“Não vou gastar o pouco espaço que tenho na demonstração de que Cesare Battisti é inocente das acusações de homicídio que lhe foram feitas e, sobretudo, que não teve devido processo legal.
Não são essas as questões em discussão. Mas é próprio lembrar que os fatos pelos quais é acusado aconteceram há mais de 30 anos. O maior prazo de prescrição do Direito brasileiro é de 20 anos.
Ademais, seria enorme contradição o Brasil ter dado anistia para os dois lados, por fatos idênticos ocorridos no mesmo período, e "entregar" Cesare Battisti para uma vingança histórica tardia e infundada do governo da Itália.
A afirmação de que a Itália era uma democracia durante os anos de chumbo é um sofisma sem qualquer relevância jurídica ou política.
Estados Unidos e Brasil também são e, rotineiramente, suas cortes supremas invalidam julgamentos por violação do devido processo legal. No caso de Cesare Battisti, o seu segundo julgamento na Itália (no primeiro não foi sequer acusado de homicídio), baseado apenas em delações premiadas de pessoas já condenadas, tem passagens dignas de figurar em qualquer futura antologia de barbaridades jurídicas.
Detalhe: todos os acusadores premiados foram soltos após penas breves. Só Battisti, cujo papel na organização era totalmente secundário, foi condenado à prisão perpétua. O julgamento no STF ficou empatado em quatro a quatro.
Portanto, quatro ministros entenderam que a extradição não deveria ser concedida! Se fosse um habeas corpus, ele teria sido solto imediatamente.
Como era extradição, entendeu-se que o presidente da corte deveria votar. E, em hipótese incomum, deu o voto de Minerva em favor da acusação. Mais incomum ainda: a extradição foi autorizada contra a manifestação de dois procuradores-gerais, que consideravam válido o refúgio e se pronunciaram contra a entrega de Battisti!!!
No mesmo julgamento, decidiu-se, também por cinco a quatro, que a competência final na matéria era do presidente da República.
Dos cinco ministros que votaram nesse sentido, quatro afirmaram tratar-se de competência política livre. O quinto, o ministro Eros Grau, entendeu que a decisão, embora política e do presidente da República, deveria se basear no tratado de extradição entre Brasil e Itália.
E foi adiante: disse o fundamento e o dispositivo que o presidente poderia utilizar. Da forma mais clara e didática possível, acrescentou: se assim fizer, sua decisão não será passível de reexame pelo STF. Pois o presidente Lula seguiu à risca o parâmetro estabelecido.
Não concordo, mas entendo e tenho consideração pelo ponto de vista de quem era favorável à extradição. Mas isso, agora, já não está em questão. O presidente da República exerceu validamente sua competência constitucional, nos termos em que foi expressamente reconhecida pelo STF.
A divergência política em relação a ela será sempre legítima, mas dar-lhe cumprimento é uma questão de respeito ao Estado democrático de Direito e à soberania nacional.
Depois das manifestações impróprias e ofensivas da Itália, citando nominalmente o presidente brasileiro, talvez já seja mesmo uma questão de patriotismo.
Quando a França negou a extradição, nas mesmas circunstâncias, a Itália acatou respeitosamente. No nosso caso, veio de dedo em riste, acintosamente.
Não fará bem ao Brasil vulnerar suas instituições e impor uma humilhação internacional ao ex-presidente Lula, que deixou o cargo com mais de 80% de aprovação, para subservientemente atender a quem nos falta com o respeito.”
FONTE: escrito por Luís Roberto Barroso, professor titular de direito constitucional da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); é advogado de Cesare Battisti no STF e, atualmente, "visiting scholar" na Universidade Harvard (EUA) (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2802201107.htm) [imagem do Google adicionada por este blog].
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