terça-feira, 15 de março de 2011

"REVOLTA DA RUA ÁRABE" VAI CHEGAR AO SOLO EUROPEU


Entrevista de Reginaldo Nasser à Manuela Azenha, do "Viomundo"

O professor Reginaldo Nasser, mestre em Ciência Política pela UNICAMP e doutor em Ciências Sociais pela PUC (SP), tem opiniões que vão contra o “senso comum”, quando se trata das revoluções no Oriente Médio e no norte da África. Ele acha que a alta do preço do petróleo é mero movimento especulativo, já que todos os envolvidos nas revoltas querem preservar o petróleo como sua principal fonte de renda.

Ele acredita que a revolta vai provocar mudanças nas lideranças de Israel, mas também do movimento palestino.

E que o Irã, ao contrário do que muitos comentaristas têm escrito, pode sair perdedor deste período de turbulências.

Publicamos agora a terceira e última parte da entrevista. Para quem não leu faz mais sentido no contexto geral das partes anteriores [A 1ª e a 2ª Partes da entrevista foram postadas ontem aqui neste blog democracia&política, sob o título "LÍBIA: A EXPOSIÇÃO PÚBLICA DA HIPOCRISIA OCIDENTAL" ].

3ª PARTE:

V – E com esses aliados dos EUA e de Israel caindo, qual é a implicação para o Irã?

Reginaldo Nasser –
Tem muita gente dizendo que o Irã ganha, mas eu acho que o Irã perde. O Irã está perdendo porque o Ahmadinejad só fica bem num ambiente com radicalização. Ele se vira bem porque ele afere benefícios disso. Nesse ambiente sem radicalização, ele não tem o que dizer. Ele está tentando desesperadamente capitalizar esses movimentos. Ele ganharia quando tinham as oposições porque ele dizia lá dentro do Irã que o Mubarak é um vendido para os Estados Unidos e ele estava certo. Dizia que Israel queria atacá-lo e era verdade. Ele vai começar a perder o apoio interno. Ele tem muito apoio popular, mas de influência política na região ele perde.

O Bin Laden nem se diga, Netanyahu, neoconservadores, estão perdendo. O Iraque, semana passada, teve um movimento igualzinho ao da Líbia. Foram mortos dezenas de civis desarmados. As notícias que vem do Iraque ou são de bomba dos EUA ou de bomba de atentado. Era uma movimentação pacífica e foram reprimidos e mortos. Se não tivesse havido a invasão, com certeza iriam derrubar o Saddam Hussein agora, sem matar 200 mil pessoas [no total, um milhão de mortos, direta ou indiretamente vítimas da invasão dos EUA e aliados]. E os manifestantes não querem ajuda estrangeira. Materialmente até, tudo bem, mas simbolicamente a ajuda estrangeira é muito ruim. Só serve para não ter assimetria, os caras têm avião supersônico e nós não temos nada. Então tira a zona aérea que nós resolvemos aqui. Isso é a melhor coisa, é uma das coisas mais importantes que tem.

V – Na Líbia, diferentemente do Egito e da Tunísia, eles carecem de instituições fortes devido à centralização do Gadaffi, instituições que ajudaram a conduzir o processo de transição no Egito e na Tunísia. Como isso vai se resolver na Líbia?

RN –
Vai ser mais complicado. Mas em Benghazi e na Cirenaica, eles poderiam muito bem ter declarado a independência de Cirenaica e eles não fizeram isso. Mal comparando com o que já existiu na Europa, nos Bálcãs, eles não fizeram porque eles estão pensando na Líbia. A intencionalidade dos manifestantes é de união. Terão dificuldades institucionais, é verdade, mas não na intenção. Estão levantando a bandeira da Líbia. Até o momento, não está aparecendo em nenhum lugar nenhum movimento de separatismo. Isso é muito importante. Muita gente confunde isso com pan arabismo. Isso é da década de 60 e foi entre governantes.

Eu estou falando da rua árabe. É legal porque o Egito fez referência à Tunísia, a Líbia faz ao Egito. Isso é complicado para os EUA . O [Anuar] Sadat que precedeu ele [Mubarak, no Egito], quando fez o acordo com Israel, que tem a foto com o Jimmy Carter espalhada pelo mundo como momento de paz, foi momento de problema dentro do Oriente Médio, porque ele disse: eu assino o acordo de paz e o resto que se vire, isolando o movimento dos palestinos. O Egito era o líder do pan arabismo. Israel vai devolver o Sinai [ao Egito], vamos viver bem com Israel, a Síria que se dane, Jordânia que se dane. E depois, um a um, foram fazendo suas partes sem essa conexão, então ficou um despropósito. Os governos se separaram e restou a rua árabe. O Zogby, instituto de pesquisa dos EUA, mostra que a questão palestina e árabe é um problema interno, da rua árabe. Não tem essa ideia de esquecimento na rua árabe e é essa rua que está trazendo as coisas de novo. Os governantes se venderam, as elites se venderam. É tudo hipocrisia que alguém ajudou os palestinos, ninguém ajudou em absolutamente nada.

V – E a questão das migrações, como vai se resolver?

RN –
Quando começou essa rebelião, o Ahmadinejad falou: vai alastrar e vai para a Europa. Ele sabe do que está falando. O problema do europeu não é com o petróleo, é com a migração. Disso eles estão morrendo de medo. O problema se alargou por causa da migração. A Europa está um caldeirão, um barril de pólvora, vai explodir. Cresce a direita, aumenta a repressão aos migrantes e vai crescendo a rejeição e a xenofobia. No caso da França, os filhos dos argelinos são mais radicais do que os pais que nasceram na Argélia. Eles sentem a rejeição da sociedade a reagem a isso. Chamam essa questão da migração de crise humanitária. Crise humanitária é o que tem em vários países da África. Eles chamam de crise humanitária quando vai para a Europa.”

FONTE: entrevista de Reginaldo Nasser para Manuela Azenha, do portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nasser-revolta-da-rua-arabe-vai-chegar-ao-solo-europeu.html) [imagem do Google adicionada por este blog]

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