Autor em Havana (foto de Elza N. Moraes)
Por Mário Augusto Jakobskind
“Cuba é realmente uma caixa de surpresas. Nestes dias, renovando as baterias, fiquei distante cerca de 180 quilômetros do Eliakim. Eu em Havana (foto), Eliakim no sul da Flórida. Estávamos a 25 minutos de avião. Mas se, por acaso, o Eliakim quiser ir a Cuba não poderá fazê-lo desta forma, porque o governo dos Estados Unidos proíbe residentes e de nacionalidade norte-americana de viajar para Cuba. Eliakim, portanto, sofreria represálias e pagaria multa. É uma das facetas do bloqueio. Barack Obama só permite que familiares visitem Cuba quantas vezes quiserem por ano e levando a quantidade de dólares que acharem necessário. O hediondo W. Bush filho tinha restringido esse deslocamento [também].
Cuba vive há mais de 50 anos sob bloqueio sem precedentes na história contemporânea. Os prejuízos totalizavam 975 bilhões de dólares em fins de 2010, segundo o governo cubano. Raúl Castro, que a mídia de mercado se refere apenas como o “irmão de Fidel”, como se ele não tivesse vida própria e ocupasse o cargo de presidente em função dos laços familiares, está conduzindo o processo revolucionário cubano que, na fase atual, tenta se inserir no mercado mundial. Segundo analistas, Cuba se adapta ao mundo e não como era antes, quando Cuba queria que o mundo se adaptasse a Cuba.
Independentemente do bloqueio de mais de 50 anos, hoje Cuba enfrenta também outro perigo, tão ruim ou pior, nas palavras do Presidente Raúl Castro, do que o criminoso bloqueio estadunidense.
Raul Castro está preocupado com a corrupção do tipo colarinho branco, que provoca grandes danos ao Estado, consequentemente ao povo cubano. Burocratas de colarinho branco agem de forma perniciosa e acumulam grana em detrimento do povo. O próprio Fidel Castro, que continua a acompanhar os acontecimentos em Cuba e no mundo com suas reflexões, mesmo não ocupando mais a Presidência, já havia advertido em discurso para estudantes, em 2005, que fenômenos internos negativos ameaçam a revolução socialista cubana.
Agora, ao discursar no encerramento do “VIII Período Ordinário de Sessões da Assembleia Popular”, no último dia 23 de dezembro, Raul Castro foi incisivo e não deixou dúvidas ao afirmar que “estou convencido que a corrupção é hoje um dos principais inimigos da revolução, muito mais perniciosa do que a atividade subversiva e de ingerência do governo dos Estados Unidos e seus aliados dentro e fora do país”.
Nesse sentido, vale lembrar o que se passou em determinado momento no Vietnã, quando dirigentes socialistas advertiam sobre os malefícios que a corrupção provocava ao povo. Indignados com o que acontecia nessa matéria, alertavam que, se os vietnamitas tinham conseguido derrotar militarmente o imperialismo da potência hegemônica estadunidense, não poderiam perder a batalha contra a corrupção praticada até mesmo por alguns “companheiros” colocados em postos importantes.
No discurso de fim de ano, Raul Castro citou o exemplo das “fraudes nos produtos agropecuários nos mercados da capital, que não existiram, nem se cultivaram, gerando desfalque de mais de 12 milhões de pesos devido à atuação de diretores, funcionários e outros trabalhadores de empresas estatais que praticam o comércio, bem como de pequenos agricultores que se prestaram como testas de ferro”. E a todos eles, acrescentou Raúl Castro, “serão exigidos responsabilidades administrativas e penais, de acordo com a gravidade dos fatos”.
Cuba, em suma, não é nenhum paraíso, como entendem os áulicos e acríticos da revolução socialista. Não é nenhum inferno, como dizem os setores radicais de direita cubano-americana. É apenas um país da face da terra com qualidades e defeitos. Quando a chamada “mídia de mercado” ataca o regime cubano, o motivo, de modo geral, é mais pelas qualidades do regime do que por seus defeitos.
A ilha caribenha tem grande capital que nos dias de hoje vale muito mais do que qualquer cotação na bolsa de Wall Street. É a questão da segurança. Ao contrário do que acontece no México, no Brasil, na Porb Venezuela e, agora mesmo, em países europeus que enfrentam grave crise, em Cuba o visitante circula com a maior tranquilidade, mesmo por ruas pouco iluminadas. Não corre riscos como nos países mencionados.
À noite, nas ruas pouco iluminadas de Havana, o visitante pode ter a certeza que nada lhe acontecerá em matéria de assalto à mão armada ou sem arma. Pode até tropeçar ou cair numa falha do asfalto imperceptível no escuro. E só. Dirigindo automóvel, pode parar em sinal a qualquer hora, pois estará certo que nada lhe acontecerá. E isso, hoje em dia, na América Latina, é de grande valor.
As reformas estão presentes e merecem análise mais aprofundada. Para muitos, os resultados não tardarão. E tudo está sendo feito com a máxima cautela, para evitar que, amanhã ou depois, Cuba se veja atropelada pelos fatos.
Muita coisa que era proibida em décadas anteriores, hoje, é absolutamente legal. Por exemplo, cubanos possuírem moedas estrangeiras e assim sucessivamente. Recentemente, o governo cubano permitiu a compra e venda de moradias e veículos. O número de trabalhadores por conta própria já supera os 350 mil, sendo que 80% deles optaram por se associarem a “Central dos Trabalhadores Cubanos” (CTC).
Assim, em síntese, caminha a ilha caribenha nesta nova fase de adaptação ao mundo atual. A direita golpista e terrorista em vários quadrantes continua furiosa e utilizando os valores da época da Guerra Fria, quando diziam que Cuba era satélite da URSS. Como a URSS já era, a direita velhaca passou a utilizar outros adjetivos, que tentam induzir a opinião pública a repudiar o regime cubano. Querem Cuba como nos velhos tempos de prostíbulo do Caribe. Esse tempo acabou em 1 de janeiro de 1959.”
FONTE: escrito por Mário Augusto Jakobskind, correspondente no Brasil do semanário uruguaio “Brecha”. Foi colaborador do “Pasquim”, repórter da “Folha de São Paulo” e editor internacional da “Tribuna da Imprensa”. Integra o Conselho Editorial do seminário “Brasil de Fato”. É autor, entre outros livros, de “América que não está na mídia”, “Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE”. Artigo publicado no site “Direto da Redação”, de Eliakim Araújo (http://www.diretodaredacao.com/noticia/cuba-2012).
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