quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
A RELAÇÃO SINO-AMERICANA
CHINA E ESTADOS UNIDOS: BEM ALÉM DOS MITOS
Apesar das aparências, Washington e Beijing já colaboram muito mais que admitem. Tal relação vai continuar se aprofundando ao longo desta década
Por Immanuel Wallerstein
“As relações entre a China e os Estados Unidos são grande preocupação dos que se preocupam com política (jornalistas, blogueiros, políticos, burocratas internacionais). A análise tradicional vê uma superpotência em declínio – os Estados Unidos – e um país que emerge rapidamente – a China. No mundo ocidental, a relação normalmente é definida como negativa, sendo a China vista como “ameaça”. Mas ameaça a quem, e em que sentido?
Alguns veem a “emergência” da China como a retomada de posição central no mundo — que o país já teve e estaria retomando. Outros enxergam processo mais recente: a Beijing estaria desempenhando novo papel nas relações geopolíticas e econômicas no “sistema-mundo” moderno.
Desde meados do século XIX, as relações entre os dois países têm sido ambíguas. Por um lado, naquele momento, os Estados Unidos começaram a expandir suas rotas de comércio com a China. Enviaram missionários cristãos. Na virada do século XX, proclamaram a “Política das Portas Abertas”, menos dirigida para a China do que para outras potências europeias. Pouco tempo depois, participaram, com outros países ocidentais, na campanha que sufocou a rebelião Boxer contra imperialistas estrangeiros. Dentro dos Estados Unidos, o governo (e os sindicatos) procuraram evitar a imigração de chineses.
Por outro lado, havia certo respeito – com algumas marcas de inveja – pela civilização chinesa. O extremo leste (China e Japão) era o local preferido para trabalhos de missionários, à frente da Índia e da África, com a justificativa na suposição de que a China era civilização “mais avançada”. Talvez isso estivesse relacionado ao fato de nem a China, nem o Japão, terem sido diretamente colonizados na maior parte de seus territórios. Por isso, nenhuma potência colonial europeia tentou reservar os dois países para seus próprios missionários.
Depois da revolução chinesa de 1911, Sun Yat-Sen, que viveu nos Estados Unidos, tornou-se figura simpática no discurso estadunidense. E na época da Segunda Guerra Mundial, a China era vista como aliada na luta contra o Japão. De fato, foram os Estados Unidos que insistiram para que a China tivesse cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Quando o Partido Comunista Chinês conquistou a maior parte do território e estabeleceu a República Popular da China, os dois países pareciam se tornar inimigos mortais. Na guerra da Coreia, estavam de lados diferentes; e foi a participação militar ativa da China, ao lado da Coreia do Norte, que garantiu que a guerra terminasse num impasse.
No entanto, após tempo relativamente curto, o presidente Richard Nixon foi a Pequim, encontrou-se com Mao Zedong e estabeleceu aliança, de fato, contra a União Soviética. A situação geopolítica parecia dar reviravolta. Como parte do acordo com a República Popular da China, os Estados Unidos quebraram suas relações diplomáticas com Taiwan (apesar de continuarem garantindo que a China não a invadisse). E quando Deng Xiaoping tornou-se líder da China, o país entrou em processo de lenta abertura para operações de mercado e integração nas correntes comerciais da “economia-mundo” capitalista.
Embora o colapso da União Soviética tornasse irrelevante a aliança China-EUA contra a União Soviética, as relações entre os dois países não mudaram realmente. Se algo aconteceu, foi aproximação ainda maior. Na situação em que o mundo se encontra hoje, a China tem superávit significativo no balanço de pagamentos com os Estados Unidos. Mas investe muito desse saldo nos próprios títulos do Tesouro norte-americano, o que permite a Washington continuar a investir grandes recursos em suas múltiplas atividades militares no mundo todo (principalmente no Oriente Médio), assim como ser bom consumidor de exportações chinesas.
De tempos em tempos, a retórica que cada governo usa em relação ao outro é um pouco dura, mas não chega nem perto da retórica da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. Ainda assim, nunca é sábio prestar muita atenção na retórica. Em assuntos globais, a retórica normalmente é usada para produzir efeitos políticos dentro de cada país, e não para expressar a política realmente em relação ao país ao qual se destina.
Deve-se prestar mais atenção nas ações dos dois países. Em 2001 (pouco antes do 11/09), um avião chinês colidiu com um avião estadunidense, nas vizinhanças ilha Hainan. O avião dos EUA, provavelmente, estava espionando a China. Alguns políticos norte-americanos pediram uma resposta militar. O presidente George W. Bush não concordou. Ele desculpou-se razoavelmente com os chineses, e o avião foi devolvido junto, com os 24 militares capturados por Beijing. Nos vários esforços feitos pelos Estados Unidos para conseguir que a ONU apoiasse suas operações, a China discordou algumas vezes. Mas nunca vetou de fato uma resolução patrocinada por Washington. A precaução dos dois lados parece ser a forma de ação preferida, apesar da retórica.
Então, onde estamos? A China, assim como todas as potências de hoje, tem política externa multifacetada, envolvendo-se em todas as partes do mundo. A questão é quais são as prioridades do país. Penso que a número 1 é a relação com o Japão e com as duas Coreias. A China é forte, sim, mas seria imensuravelmente mais forte se fosse parte de uma confederação do nordeste asiático.
A China e o Japão precisam um do outro — primeiro, como parceiros comerciais; além disso, para assegurar que não haja confrontações militares de nenhum tipo. Apesar de surtos nacionalistas ocasionais, eles estão se movendo nessa direção. O movimento mais recente foi a decisão conjunta de realizar as operações comerciais entre as duas partes com suas próprias moedas — eliminando o uso do dólar e protegendo-se das flutuações da moeda norte-americana cada vez mais frequentes. Além disso, o Japão começou a considerar que o guarda-chuva do exército dos Estados Unidos pode não durar para sempre; e que, portanto, precisa de acordo com a China.
A Coreia do Sul enfrenta os mesmos dilemas do Japão, e ainda precisa lidar com o problema espinhoso da Coreia do Norte. Para a Coreia do Sul, a China é a força de detenção crucial sobre os norte-coreanos. E para a China, a instabilidade da Coreia do Norte colocaria ameaça imediata para sua própria estabilidade. A China pode desempenhar, para a Coreia do Sul, o papel que os Estados Unidos já não têm condições de exercer. E nos termos complicados da colaboração que China e Japão desejam, a Coreia do Sul (ou quem sabe uma Coreia unida) pode jogar papel essencial de equilíbrio.
Como os Estados Unidos percebem esses desenvolvimentos, não é razoável supor que o estejam tentando chegar a um acordo com esse tipo de confederação do nordeste asiático, enquanto ela se constrói? Pode-se analisar a postura militar dos Estados Unidos no Nordeste, Sudeste e Sul asiáticos não como construção de uma posição militar — mas como estratégia de negociação no jogo geopolítico que está em curso e que se desenrolará na próxima década.
Os Estados Unidos e a China são rivais? Sim, até certo ponto. São inimigos? Não, eles não são inimigos. São colaboradores? Eles já são mais do que admitem, e serão muito mais no desenrolar da década.”
FONTE: artigo de Immanuel Wallerstein e publicado no portal de Luis Nassif com tradução de Daniela Frabasile. O autor, Immanuel Maurice Wallerstein, nascido em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1930, é sociólogo conhecido pela sua contribuição fundadora para a “teoria do sistema-mundo” (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-relacao-sino-americana-por-immanuel-wallerstein#more). [imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário