segunda-feira, 13 de maio de 2013

BRAVA GENTE, A BRASILEIRA


[OBS deste blog ‘democracia&política’ – “Elite” e mídia da época contra a libertação dos escravos: “a abolição da escravatura arruinará a economia, tirará sua competitividade, aumentará o custo Brasil e levará os negros ao desemprego, ócio e ao vício”... Hoje, dizem algo parecido contra o “Bolsa Família” e a política de cotas]

Por Elio Gaspari, na “Folha”

Dados do ‘Bolsa Família’ e da ‘política de cotas’ ensinam o andar de cima a olhar direito para o de baixo.

Atribui-se ao professor San Tiago Dantas (1911-1964) uma frase segundo a qual "a Índia tem uma grande elite e um povo de bosta, o Brasil tem um grande povo e uma elite de bosta". Nas últimas semanas, divulgaram-se duas estatísticas que ilustram o qualificativo que ele deu ao seu povo.

A primeira, revelada pelo repórter Demétrio Weber: Em uma década, o programa “Bolsa Família” beneficiou 50 milhões de brasileiros que vivem em 13,8 milhões de domicílios com renda inferior a R$ 140 mensais por pessoa. Nesse período, 1,69 milhão de famílias dispensaram espontaneamente o benefício de, pelo menos, R$ 31 mensais [por pessoa]. Isso aconteceu porque passaram a ganhar mais, porque diminuiu o número da familiares, ou sabe-se lá por qual motivo. O fato é que de cada 100 famílias amparadas, 12 foram à prefeitura e informaram que não precisavam mais do dinheiro.

A ideia segundo a qual pobre quer moleza deriva de má opinião que se tem dele. É a demofobia. Quando o andar de cima vai ao BNDES pegar dinheiro a juros camaradas, “estimula o progresso”. Quando o de baixo vai ao varejão comprar forno de micro-ondas a juros de mercado, “estimula a inadimplência”...

Há fraudes no “Bolsa Família”? Sem dúvida, mas 12% de devoluções voluntárias de cheques da Viúva é um índice capaz de lustrar qualquer sociedade. Isso numa terra onde se estima que a sonegação de impostos chegue a R$ 261 bilhões, ou 9% do PIB. O “Bolsa Família” custa R$ 21 bilhões, ou 0,49% do produto interno.

[OBS deste blog ‘democracia&política’: esses R$ 261 bilhões de impostos (a maior parte estaduais e municipais) sonegados por ano, que deveriam ser dinheiro público, são “apropriados” principalmente por grandes empresários, comerciantes e profissionais liberais, por meio do crime de sonegação. É montante de desvio (roubo) de dinheiro público muito maior que a soma de todos os escândalos de corrupção já denunciados no Brasil].

A segunda estatística foi revelada pela repórter Érica Fraga: um estudo dos pesquisadores Fábio Waltenberg e Márcia de Carvalho, da Universidade Federal Fluminense, mostrou que num universo de 168 mil alunos que concluíram treze cursos em 2008, as notas dos jovens beneficiados pela política de cotas ficaram, na média, 10% abaixo daquelas obtidas pelos não cotistas. Ou seja, o não cotista terminou o curso com 6 e o outro, com 5,4. Atire a primeira pedra quem acha que seu filho fracassou porque foi aprovado com uma nota 10% inferior à da média da turma. Olhando-se para o desempenho de 2008 de todos os alunos de quatro cursos de engenharia de grandes universidades públicas, encontra-se uma variação de 8% entre a primeira e a quarta.

Para uma política demonizada como um fator de diluição do mérito no ensino universitário, esse resultado comprova seu êxito. Sobretudo porque se dava de barato que muitos cotistas sequer conseguiriam se diplomar. Pior: abandonariam os cursos. Outra pesquisa apurou que a evasão dos cotistas é inferior à dos não cotistas.

Segundo o MEC, nos números do desempenho de 2011, não existe diferença estatística na evasão e a distância do desempenho caiu para 3%. Nesse caso, um jovem diplomou-se com 6 e o outro, com 5,7, mas deixa pra lá.

As “cotas estimulariam o ódio racial”. Dez anos depois, ele continua onde sempre esteve. Assim como a abolição da escravatura “levaria os negros ao ócio e ao vício”, o “Bolsa Família levaria os pobres à vadiagem e à dependência”. Não aconteceu nem uma coisa nem outra.

Admita-se que a frase atribuída a San Tiago Dantas seja apócrifa. Em 1985, Tancredo Neves morreu sem fazer seu memorável discurso de posse. Vale lembrá-lo: "Nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites. Elas, quase sempre, foram empurradas".”

FONTE: escrito por Elio Gaspari, na “Folha de São Paulo”   (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/108531-brava-gente-a-brasileira.shtml). [Imagem do google, aspas e trechos entre colchetes em azul acrescentados por este blog ‘democracia&política’].

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