Por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da revista "ISTOÉ" em Brasília
Por trás da desoneração
"Cortes em receitas do Estado" são caminho mais fácil para pressionar por "cortes em programas de bem-estar social"
Confesso que fiquei espantado com o mais recente pedido de grandes empresários que estiveram no Planalto para uma conversa com Dilma. Eles querem transformar a desoneração da folha de pagamentos – decisão provisória prevista para durar até o final de 2014 – em medida permanente. [Observação deste blog 'democracia&política': ontem (27) à noite, foi noticiado que o governo federal decidiu tornar permanente a política de desoneração da folha de pagamentos, mas, sem espaço fiscal, não conseguiu atender o pleito dos empresários de ampliar o benefício para novos setores].
Não conheço ninguém que goste de pagar impostos – nem mesmo aquele que paga sem saber – mas não consigo enxergar um motivo socialmente justificável nem economicamente positivo para uma medida dessa natureza. Estamos falando de uma redução de receitas da ordem de R$ 20 bilhões por ano. É quase um "Bolsa Família", que implicou num gasto de R$ 24 bilhões em 2013.
Mas ao contrário do "Bolsa Família", cujos benefícios para o país são indiscutíveis, até agora não se demonstrou quais vantagens a desoneração trouxe ao país. Faltam números e argumentos sólidos para justificar a medida.
A tese mais comum é que as desonerações poderiam facilitar a contratação de trabalhadores, na medida em que reduzem os encargos das empresas. É uma forma generosa de apresentar as coisas, vamos combinar. O certo é que a redução de gastos com os trabalhadores implica numa elevação nos lucros das empresas. Não há nada de errado nisso, obviamente. Mas é bom saber do que estamos falando.
Economistas que procuraram respostas para o funcionamento do capitalismo real, como John Maynnard Keynes, sempre contestaram essa visão sobre o funcionamento do mercado de trabalho. Para eles, as empresas contratam trabalhadores quando precisam de mão-de-obra, pagando o que for necessário para contar com seus serviços. Dispensam, sem piedade, quando não vale à pena. Durante a década de 1930, os Estados Unidos deixaram a Grande Depressão para trás criando novas leis sociais e distribuindo benefícios, o que implicou em fortalecer as receitas do Estado para que a renda pudesse ser redistribuída.
No pesadelo europeu posterior à crise de 2008, o corte de salários, benefícios e pensões foi uma das primeiras ideias lançadas para tirar o Velho Mundo da crise. Os resultados foram pífios, ou nulos, na maior parte.
No Brasil, costuma-se justificar a desoneração como uma maneira de diminuir a carga tributária, considerada elevada demais pelo consenso de economistas da oposição, ainda que ela tenha dado seu maior salto durante o governo FHC/PSDB.
Sem deixar de debater ajustes e mudanças, aqui e ali, falta compreender um ponto importante. Alta, ou baixa, conforme o ponto de vista, a carga tributária deve ser compatível com aquilo que uma sociedade espera do Estado. Desde a Constituição de 1988, pelo menos, os brasileiros deixaram claro que optaram pela formação de um Estado de bem-estar social, ainda rudimentar, limitado, cheio de falhas -- mas real. O ponto em debate é este: preservar, ou não, as possibilidades de o Estado brasileiro assumir funções de proteção social, distribuição de renda e ampliação das oportunidades aos mais pobres. Ou devolver o futuro dos brasileiros às mãos do mercado. Enfim: quem falava em "escolas padrão-FIFA", postos de saúde idem, só estava querendo enganar o povo que foi a rua fazer protesto?
Não vamos nos iludir. Receitas menores implicam, inevitavelmente, em pressões maiores para o Estado cortar gastos, diminuir investimentos, em nome do "equilíbrio das contas públicas".
O jogo é assim. Nós sabemos, também, quem paga a conta."
FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da revista "ISTOÉ" em Brasília (http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE). É autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
Nenhum comentário:
Postar um comentário