sexta-feira, 23 de maio de 2014

ACORDO RÚSSIA-CHINA: O "FINANCIAL TIMES ERROU...




O acordo entre Rússia e China sublinha... a fragilidade do "Financial Times"

O FT havia previsto, de modo peremptório, que Vladimir Putin, nessa sua visita à China, sairia de mãos abanando, sem conseguir a assinatura do acordo.


Por Flávio Aguiar

"O editorial de quinta-feira, 22 de maio, do 'Financial Times' afirma que o acordo de 400 bilhões de dólares, prevendo o fornecimento de 30 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente, durante 30 anos, da Rússia para a China, “sublinha a fraqueza” do primeiro parceiro dessa dupla.

Chega ao ponto de, ao final, dizer que a Rússia torna-se, assim, o “junior partner” da China, como fornecedora da matérias-primas, e que, portanto, a situação é “humilhante” para o povo russo.

Entretanto, a assinatura desse acordo mostrou, no fundo, a fragilidade de algumas análises que ora abundam no periódico britânico, porta-voz oficioso da City londrina. Dias atrás, em sua coluna/blog a múltiplas mãos, "FT Alphaville", de comentários sobre os mercados mundiais (mais precisamente na segunda-feira, 19 de maio) aparecera o vaticínio peremptório de que Vladimir Putin, nessa sua visita à China, sairia de mãos abanando, sem conseguir a assinatura do acordo, que já demorava dez anos. O comentário era vigoroso. Faltou, no entanto, combinar a profecia, cheia de “wishful thinking”, com os presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping.

O acordo abre nova era não só nas relações entre os dois países – mais complicadas sob o comunismo e a Guerra Fria do que agora, no triunfo do capitalismo – mas também nas relações dos dois com os Estados Unidos. Se esse país e a Europa brincam com fogo na questão ucraniana, a Rússia também se mostra disposta a brincar – não invadindo a Ucrânia (pelo menos até agora), ao contrário do que vaticinam todos os dias as bruxas de Macbeth da mídia ocidental – mas anunciando manobras militares conjuntas com a China perto das ilhas Senkaku, o arquipélago em disputa entre essa e o Japão, que tem o apoio ostensivo dos Estados Unidos.


Há outros aspectos ainda a considerar nas bordas do acordo do gás – entre a Gazprom russa e a CNPC chinesa. Haverá a construção de um gasoduto de 4 mil quilômetros, por Vladivostok, em que a Rússia investirá 55 bilhões de dólares e a China, 20 bilhões. Esse gasoduto poderá ser o primeiro passo para novos acordos de fornecimento de gás russo para, por exemplo, o Japão, Vietnã, e outros países da Ásia. Além disso, outros analistas britânicos ressaltam que o próprio acordo com a China poderá ser ampliado nas décadas vindouras.

O "Financial Times" insinua que a Rússia erra ao privilegiar a China ao invés de seu diálogo com o Oeste e a Europa, porque, entre outras coisas, o fornecimento de gás àquele país será apenas de 25% do que a primeira fornece ao continente europeu, que continuará assim sendo o principal parceiro da “estagnada” economia russa na questão do gás. Entretanto, outros analistas na capital londrina e em outros países da Europa já exalam o temor de que o acordo com os chineses venha a encarecer ainda mais o fornecimento de gás para a combalida... economia europeia, que depende entre 25% e 30% (os números variam de acordo com a fonte) para seu consumo de energia da Gazprom.

Nisso tudo, manifesta-se uma constante que vem progredindo de modo alarmante em toda a mídia europeia. Tradicionalmente, essa mídia se mostrava sempre mais equilibrada e plural do que a nossa velha mídia oligárquica brasileira e latino-americana de um modo geral. Entretanto, nos últimos tempos, vem proliferando a contaminação daquela mídia por práticas comuns da nossa.

Dois exemplos ilustram a contaminação:

No caso da Ucrânia, o renascimento da Guerra Fria reativou um padrão de editorializar matérias e comentários em cores maniqueístas, demonizando a Rússia e Putin, e fazendo vista grossa para a presença dos neofascistas nas hostes de Kiev. Ainda assim, continua a haver espaço para relatos de repórteres in loco que vez por outra relativizam essa simplória atitude editorial.

E há o caso do Brasil, onde as críticas se sucedem sem que haja contraditório visível. Multiplicam-se os ataques ao Brasil, inclusive por brasileiros que conseguem espaço nessa cada vez mais também “velha mídia” europeia, como foi o caso recente de Paulo Coelho, Ney Matogrosso e Luiz Ruffato. Foi coincidência, por certo, a saída da revista alemã "Der Spiegel" com a capa abstrusa onde uma bola de fogo cai sobre o Rio de Janeiro, externando os vaticínios de que o circo irá pegar fogo no Brasil (leia-se Rio de Janeiro) durante a Copa, no dia em que aconteceu o ataque a pedradas contra a Embaixada do Brasil em Berlim. Foi coincidência, mas sabemos que de coincidências o inferno está cheio, porque elas são no mais das vezes significativas.

Não se trata de cercear críticas, mas de reivindicar o direito ao contraditório com igual destaque, sobretudo no caso de reportagens. Ou até mesmo de informações mais completas. No último dia em que houve manifestações antiCopa no Brasil, consideradas um fracasso pela própria velha mídia antigoverno do Brasil, mais uma vez a torcida dos Gaviões da Fiel foi convocada para “proteger o Itaquerão”, em São Paulo. Mas isso não saiu aqui em lugar nenhum. A cobertura restringiu-se às tradicionais cenas de coquetéis Molotov e ao “bate-bola” violento que termina acontecendo com a polícia.

É pena. Para parte da velha mídia do Velho Continente, a bússola do bom jornalismo trincou."


FONTE: escrito por Por Flávio Aguiar, de Berlim, para o site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/O-acordo-entre-Russia-e-China-sublinha-a-fragilidade-do-Financial-Times/6/30982).

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