segunda-feira, 7 de junho de 2010

BATISTA JR.: “O BRASIL NÃO É IMUNE À CRISE DO EURO”



“O pior na zona do euro foi evitado, mas os riscos persistem. O alerta é do economista brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), onde representa o grupo integrado pelo Brasil e mais oito países. Em entrevista ao Diário Catarinense, ele alerta que o Brasil não está imune.

Batiosta Jr: "Mau exemplo europeu"

"O FMI, depois de muita relutância de muitos europeus influentes, esta sendo chamado a exercer um papel central no processo de estabilização europeia. Engoliram o orgulho.

A reforma do sistema financeiro enfrenta muitas resistências. A turma da bufunfa está com a credibilidade abalada, mas ainda tem muito poder e influência.

Batista Jr., que emite opiniões em nome pessoal e não do Fundo, diz que o Brasil está numa posição boa, mas não fica imune à confusão europeia. Segundo ele, os efeitos financeiros podem ser temporários, mas quando uma região que representa mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial fica estagnada, os países tendem a exportar menos e crescer menos.

Ainda sobre a crise europeia, ele acredita que fica a lição de que não se pode descuidar das contas públicas. Nesta entrevista, que concedeu de Bosun, na Coreia do Sul, onde participou da reunião ministerial do G20, encerrada neste sábado, o economista chama a atenção, também, para o risco da alta nas taxas de juros no Brasil.

Há poucos dias, Paulo Nogueira Batista Jr. foi a razão de uma série de críticas de leitores da Folha de S. Paulo à direção do jornal, que dispensou a sua coluna semanal depois de 15 anos de publicação.

Diário Catarinense: O que pesou para o surgimento da crise no mercado europeu?

Paulo Nogueira Batista Jr.:
Foi uma combinação de desequilíbrios fiscais, perda de competitividade, complacência e demora em estancar a crise no nascedouro. Tudo isso foi potencializado pelos mercados financeiros especulativos, que aceleraram e intensificaram a crise, sobretudo no Sul da Europa.

DC: O plano de socorro definido é suficiente? Qual foi o papel do FMI neste processo?

Batista Jr.:
O mecanismo de estabilização europeu foi definido às pressas, mas é suficientemente grande para estabilizar, pelo menos temporariamente, a situação na zona do euro. O FMI, depois de muita relutância de muitos europeus influentes, está sendo chamado a exercer um papel central no processo de estabilização europeia. Engoliram o orgulho e recorreram ao fundo. A Grécia fez um acordo do tipo tradicional com o fundo, com duro ajustamento fiscal. Os recursos do mecanismo de estabilização europeu, 500 bilhões de euros, só serão liberados em cofinancimento de programas de estabilização aprovados pelo FMI, com todas as condicionalidades tradicionais.

DC: A Grécia está em situação muito difícil, há quem recomende que ela saia da União Europeia e dê um calote. Qual é a solução menos traumática para o país?

Batista Jr.:
A situação menos traumática seria uma em que alemães e outros europeus do Norte compreendessem que é preciso combinar a estabilização e o ajustamento fiscal com um horizonte de crescimento para a Grécia e outros países do Sul da Europa. Recursos teriam que ser mobilizados para financiar os investimentos e a retomada do desenvolvimento nestas economias. O ajuste fiscal puro, em grande escala, acaba provocando a queda da atividade, das receitas do governo e se autoderrotando.

DC: Qual é o cenário previsto para a União Europeia nos próximos anos?

Batista Jr.:
Tudo indica que será um cenário de crescimento baixo e desemprego alto. Na minha opinião, a Europa está em processo de declínio relativo, tende a perder importância no cenário mundial. A crise atual representou um teste formidável para a solidariedade europeia. Até agora, a Europa não se saiu bem desse teste.

DC: Como esta crise vem afetando a economia mundial?

Batista Jr.:
A União Europeia responde por mais de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial. A crise europeia não deixará de ter efeitos adversos sobre o comércio internacional e o crescimento de outras regiões do planeta. Para o resto do mundo, seria importante que a Europa colocasse a casa em ordem e voltasse a crescer de forma significativa. A turbulência financeira registrada na área do euro também tem impactos importantes sobre os mercados financeiros no resto do mundo, inclusive no Brasil. O pacote de 500 bilhões de euros estabilizou a situação por enquanto, mas, na semana que antecedeu o seu anúncio, a impressão que se formava era de que poderíamos ter uma espécie de Lehman 2 (Lehman Brothers, banco de investimento americano cuja quebra, em 15 de setembro de 2008, foi o marco da crise financeira global), com a Grécia funcionando como estopim de uma nova crise de alcance mundial. Evitou-se o pior, mas os riscos persistem.

DC: E como o problema europeu atinge a economia brasileira?

Batista Jr.:
O Brasil está numa posição boa, mas não fica imune à confusão europeia. Do lado financeiro, há uma retração na oferta de capitais, dificuldades de rolar dívidas externas e manter linhas de crédito, saídas de recursos das bolsas de valores e pressão sobre o real. Do lado comercial, diminui a demanda por exportações brasileiras e caem os preços de commodities exportadas pelo país. Os efeitos financeiros podem ser temporários, mas, quando uma região que representa mais de 20% do PIB global fica estagnada, o Brasil e os demais países tendem a exportar menos e crescer menos. Basta dizer que a União Europeia absorve cerca de 20% das exportações brasileiras de mercadorias.

DC: Após a crise financeira de 2008 discutiu-se a criação de regras para evitar novas crises. Que avanços ocorreram neste sentido?

Batista Jr.:
Houve alguns avanços em nível nacional e em termos de cooperação internacional. Nada concentra mais as mentes do que a visão do cadafalso, como se diz. E a crise de 2008-2009 foi a visão do cadafalso. Isto dito, o progresso ainda parece insuficiente. Os lobbies financeiros são fortes nos Estados Unidos e na Europa. A reforma do sistema financeiro enfrenta muitas resistências. A turma da bufunfa está com a credibilidade abalada, mas ainda tem muito poder e influência.

DC: Que exemplo os países europeus dão para o Brasil diante da crise atual?

Batista Jr.:
O exemplo não é dos melhores. Fica mais uma vez a lição: não se pode descuidar das contas públicas, do sistema financeiro e das contas externas. Países desenvolvidos, considerados modelos, fracassaram de forma retumbante na administração das suas economias e estão pagando um preço elevado.

DC: Na sua avaliação, o Banco Central brasileiro está correto no ritmo de retomada das altas taxas de juros para conter a inflação?

Batista Jr.:
É preciso controlar a inflação, não há dúvida. Mas uma subida muito forte dos juros não é o melhor método, no meu entender. Os efeitos colaterais são pesados. Sofrem as finanças públicas, uma vez que a alta dos juros eleva o custo da dívida governamental. Juros altos desajustam as contas públicas. Além disso, se os juros básicos no Brasil sobem para 10% ou mais, quando os principais bancos centrais praticam juros próximos de zero, o resultado tende a ser a valorização excessiva do real. Isso prejudica as exportações, favorece importações e despesas no exterior, desequilibra as contas externas e danifica o setor industrial do país.

FONTE: publicado hoje (07/06) no portal “Vermelho”, com informações do “Diário Catarinense”.

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