sexta-feira, 25 de novembro de 2011

DEMASIAS CONTRA BELO MONTE

Maitê Proença e José Serra

“Um grupo de atores resolveu vestir a camisa da ‘Globo’ e acompanhar a emissora em uma campanha obstinada contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (Pará).

Intitulado “Movimento Gota d’Água”, o vídeo da campanha traz a participação de Juliana Paes, Murilo Benício, Isis Valverde, Ary Fontoura, Maitê Proença (foto) e outros.

Há várias coisas significativas nesta campanha. A principal delas é o uso do talento interpretativo para convencer multidões, valendo-se de conhecidos recursos de teatro.

Apesar da teórica nobreza da causa, na prática isso não é muito diferente de uma “palestra motivacional” ou de um culto evangélico. A técnica pura e simples chama-se persuasão, que é a arte do convencimento por meio de gestos teatrais e fala contundente.

30 anos depois de Itaipu, ainda existe celeuma envolvendo usinas hidrelétricas. E o pior de tudo: com argumentos que superdimensionam o impacto ambiental e subdimensionam a necessidade da obra. Até as Carinetas fasciculatas sabem que o Brasil precisa de energia. E que, avaliando corretamente, até energias alternativas podem ter impacto além do esperado para conseguir gerar os mesmos 11.233 megawatts de potência previstos para Belo Monte.

Representação virtual da Usina Hidrelétrica de Belo Monte

Alguns ativistas e oportunistas são bons de drama, mas esquecem de fazer cálculos simples que poderiam esclarecer alguns pontos.

No município de Osório (RS), por exemplo, há 3 parques eólicos distintos situados na mesma área: o ‘Parque Eólico Sangradouro’, o ‘Parque Eólico Osório’ e o ‘Parque Eólico dos Índios’. Juntos, eles formam o ‘Complexo Eólico de Osório’, que atualmente é o maior gerador de energia eólica da América Latina.

Osório tem 75 aerogeradores, 25 em cada parque. A capacidade unitária de cada aerogerador é de 2 megawatts, o que habilita cada parque a produzir 50 megawatts de energia. O complexo inteiro pode fornecer 150 megawatts.

Ao contrário de outros projetos, os aerogeradores de Osório foram dispostos em linha, separados por parque. Dessa forma, há uma linha reta de 25 aerogeradores que forma o Parque Eólico Sangradouro; uma outra linha de 25 aerogeradores que forma o Parque Eólico Osório; e, uma última linha de 25 aerogeradores que forma o Parque Eólico dos Índios. Considerando a área somada dos três parques, o complexo inteiro foi projetado sobre 13 mil hectares.

Parque eólico com aerogeradores em linha

É possível traçar um comparativo mais claro sobre potencial energético e estrutura requerida para suplantar uma usina do porte de Belo Monte valendo-se dos mesmos aerogeradores de 2 megawatts de Osório. Para atingir os 11.233 megawatts de Belo Monte, por exemplo, seria necessário um fantástico complexo eólico com 5.617 aerogeradores.

Considerando que Osório custou R$ 465 milhões para ter 75 aerogeradores (R$ 6,2 milhões por unidade, incluindo toda infraestrutura adjacente), estima-se que 5.617 aerogeradores exigiriam investimento em torno de R$ 35 bilhões – talvez mais, talvez menos, porque o local e as condições do terreno influenciam nesse cálculo [1]. Essa cifra fica acima da usina de Belo Monte, cujo custo total atualizado é de R$ 29,5 bilhões (R$ 25,8 bilhões da obra em si mais R$ 3,7 bilhões em ações socioambientais).

Mas o problema não é só esse. E a área necessária para abrigar 5.617 aerogeradores?

Para projetos de parques eólicos, a distância lateral recomendada para aerogeradores em linha deve variar de 3 a 5 vezes o diâmetro do rotor do aerogerador. Já a distância longitudinal (ou seja: na direção do vento predominante) pode variar de 5 a 9 vezes o diâmetro do rotor. No esquema abaixo vemos um layout simples do que seriam 3 parques em linha usando como parâmetro de separação lateral 4 vezes o diâmetro do rotor, e como parâmetro de separação longitudinal 7 vezes o diâmetro do rotor. Cada ponto branco representa um hipotético aerogerador.

Esquema de separação de aerogeradores em linha

Esse é um esquema básico, de 3 parques com apenas 5 aerogeradores em cada parque, totalizando 15 aerogeradores. Agora é preciso projetar isso para 5.617 aerogeradores…

No caso de Osório, não há dados disponíveis sobre as separações efetivamente utilizadas na planta do complexo, mas isso não é relevante para o nosso cálculo. Vamos usar os parâmetros mínimos sugeridos em projetos desse tipo para estimar a área necessária, visando acomodar 5.617 aerogeradores em linha, ou seja: separação lateral entre os aerogeradores usando a razão de 3 vezes o diâmetro do rotor e separação longitudinal usando a razão de 5 vezes o diâmetro do rotor. Isso possibilita a maior densidade possível para um projeto de parque eólico com aerogeradores do mesmo porte de Osório.

De acordo com a ‘Ventos do Sul Energia S/A’, o rotor de cada aerogerador do complexo de Osório tem 70 metros de diâmetro. Baseado nisso, e considerando a melhor hipótese para projetar um megacomplexo eólico capaz de fazer frente a Belo Monte, seriam necessários 210 metros de separação lateral (70×3) e 350 metros de separação longitudinal (70×5) entre cada aerogerador.

Para facilitar o raciocínio, imaginem um número redondo de 5.600 aerogeradores divididos em 56 parques eólicos com 100 aerogeradores em linha em cada parque. Isso significa dizer que entre o 1º e o 100º aerogerador de um único parque haveria uma distância lateral total de 20.790 metros (210×99). E entre o 1º e o 56º parque do complexo haveria uma distância longitudinal total de 19.250 metros (350×55).

A isso ainda é preciso considerar [a margem para] o perímetro mínimo delimitador do complexo, que é de 200 metros de distância para quaisquer habitações de uso civil no entorno (residências, empresas, serviços públicos, escolas etc). Ou seja: pelo menos mais 200 metros em cada um dos quatro lados do complexo.

O perímetro regulamentar isolando as construções civis se faz necessário para evitar eventuais acidentes. No vídeo abaixo é possível ver um aerogerador da Dinamarca que entrou em colapso devido ao vento excessivo:



O porte do aerogerador dinamarquês acima é semelhante aos de Osório, cujas torres têm 98 metros de altura e pás de 35 metros de comprimento (alcançando, portanto, cerca de 133 metros de altura no giro das pás). Se um aerogerador em movimento entra em colapso, fragmentos podem ser arremessados a uma distância considerável – daí o perímetro de segurança ao redor do complexo.

Além disso, existe a questão do ruído. Em distâncias inferiores a 200 metros o som produzido pelos aerogeradores não chega a ser prejudicial ao ouvido humano, porém pode causar distúrbios psíquicos nas pessoas pela submissão contínua ao ruído.

Transporte de uma pá de aerogerador para montagem no parque

Portanto, aos 20.790 metros de área lateral somar-se-iam 400 metros (200 metros na esquerda e 200 metros na direita = 21.190), e aos 19.250 metros de área longitudinal mais 400 metros (200 metros na frente e 200 metros no fundo da planta = 19.650). Assim, teríamos pelo menos 416.383.500 metros quadrados (21.190 x 19.650), ou 416,38 quilômetros quadrados. Ou, ainda, 41.638,35 hectares – que é a medida mais comum usada nessas situações.

Resumindo: praticamente 42 mil hectares de terra limpa para dar espaço a uma energia alternativa capaz de fazer frente ao potencial energético de Belo Monte. E isso considerando os parâmetros mais otimistas de utilização de área, ou seja, desconsiderando acidentes geográficos ou eventuais impedimentos no solo do terreno em questão, que tem que estar plenamente apto a sustentar as fundações de 30 metros de profundidade das torres aerogeradoras (torres estas que chegam a pesar mais de 900 toneladas cada).

Belo Monte é duramente criticada porque vai transformar uma área de 52 mil hectares em reservatório d’água (10 mil hectares a mais do que o quase-deserto necessário para abrigar um complexo eólico de mesmo potencial energético). A alegação é de que a barragem da usina vai afetar áreas indígenas e a população ribeirinha. Vou tratar desse assunto em um segundo post.

Matriz energética do Brasil

É importante frisar que ninguém é necessariamente contra parques eólicos ou demais fontes alternativas de energia. Tudo isso é muito bem-vindo e quiçá possa se multiplicar com o passar dos anos. Agora… o que não dá para engolir são os excessos na demonização de Belo Monte. Além disso, a ausência de um dimensionamento racional da estrutura necessária para colocar um complexo eólico no mesmo patamar de uma hidrelétrica do porte de Belo Monte faz germinar um certo romantismo quase bobo em muita gente, que acaba falando em “energia alternativa” como se a demanda fosse por apenas alguns megawatts. Isso definitivamente não é uma gota d’água.

Segundo os dados mais recentes do IBGE, o Brasil já tem 192 milhões de habitantes. Hoje, felizmente, quase todos possuem dezenas de eletrodomésticos e eletroeletrônicos em casa. Energia para suplantar isso não é brincadeira. Fazer uns cataventos ou placas solares pode funcionar em uma casa ou em um sítio, mas sustentar ao menos uma região metropolitana com energia alternativa são outros quinhentos. Muitos e muitos quinhentos, diga-se.

Belo Monte, por exemplo, vai suprir 26 milhões de habitantes, o que equivale quase ao Complexo Expandido Metropolitano de São Paulo (região metropolitana + Baixada Santista + áreas metropolitanas de Campinas e São José dos Campos + aglomerado urbano de Jundiaí + microrregião de Sorocaba + áreas menores no entorno, que totalizam 29 milhões de pessoas ou 75% da população do Estado de São Paulo). Se já estivesse pronta, Belo Monte abasteceria sozinha 14% da população brasileira.

Complexo Expandido Metropolitano de São Paulo

Há, sim, diversos interesses em jogo com Belo Monte. Porém alguns deles não são exatamente os que uma boa parte dos contrários ao projeto estão usando como argumento para tentar impedir a obra. Essa questão envolve todo um ciclo de coisas a partir dos benefícios evidentes que a usina traz ao Brasil, que aumenta cada vez mais a sua autossuficiência em recursos energéticos. É isso que preocupa efetivamente os competidores estrangeiros, especialmente os Estados Unidos e países da Europa, e não as questões ambientais e os índios da região. É sabido que obras como Belo Monte impactam – positivamente – até sobre os commodities dos alimentos. Mas isso é assunto para um terceiro post.

Para se antecipar e saber o que realmente está por trás das críticas a Belo Monte, convém ler o relatório da consultoria norteamericana ‘David Gardiner & Associates’ [2] (que infelizmente não mereceu nenhuma consideração da nossa estranha imprensa, e tampouco de alguns ‘opinadores’ sobre impacto de obras).

O resto são argumentos exagerados e dados superdimensionados que já foram utilizados contra Itaipu há 30 anos atrás, assim como recentemente foram usados contra as hidrelétricas da China e permanentemente são usados em qualquer lugar onde uma grande obra está em curso. Porém a época em que o Brasil se orgulhava de ser a ‘Vanguarda do Atraso’ já não combina com os dias de hoje. É preciso tomar cuidado para não embarcar em certas “campanhas”, porque o problema de algumas pessoas não é a obra – e sim quem as está tocando [o governo federal].

Dispensar a energia hidrelétrica sob pretexto de impacto ambiental significa desligar agora mesmo o computador, celulares/smartphones/tablets (porque para usar isso “via bateria” é necessário toda uma estrutura na rede externa de telefonia que se vale fundamentalmente de energia elétrica padrão), TVs, home teather, condicionadores de ar, freezers, motor da piscina, chuveiros elétricos, banheira de hidromassagem, ferro de passar roupa, aquecedores elétricos etc.

As energias alternativas são energias acessórias, não têm como substituir a demanda por energia em um país continental como o Brasil. Apesar dos avanços, ainda vai levar muitas décadas (talvez uns 50 anos) para haver estrutura capaz de competir com as fontes hídricas do país, sobretudo porque a nossa população cresce progressivamente e o acesso a aparelhos dependentes de energia elétrica se multiplica em uma velocidade espantosa."

[¹] Preferencialmente, deve haver, no máximo, vegetação rasteira na área de um complexo eólico. Árvores e arbustos determinam maior rugosidade no terreno, o que acaba interferindo diretamente no fluxo e no aproveitamento dos ventos, além de atrair aves [que, em grande parte, são atingidas pelas hélices]”

[²] Conforme visto em  http://www.twitlonger.com/show/e8gioi

FONTE: Publicado no Blog “Radioescuta HiFi” e no blog “Rede Castor Photo”. Enviado pelo “pessoal da Vila Vudu”. (http://idiarte.wordpress.com/2011/11/21/demasias-contra-belo-monte-parte-1/) e   (http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/demasias-contra-belo-monte-parte-1.html) [pequeno trecho entre colchetes ao final adicionado por este blog].[Postagem por sugestão do leitor Probus].

3 comentários:

Fluxo disse...

O que vou registrar trata-se apenas de observações pessoais ou de informações adquiridas pelos meios usuais. Então, comecemos:
1) Hoje, temos 192 milhões de habitantes, então, imaginemos um modelo urbano de ocupação: Se uma cidade tivesse, no máximo, 1.000 km quadrados, com 192 mil habitantes cada, seriam necessárias,1.000 cidades para termos toda a população brasileira acomodada e uma área total de 1.000.000 de km quadrados e não seriam necessários os quase 5.600 municípios que temos hoje, alguns com excesso populacional e a consequente miséria e violência. O que quero dizer com isto? Apesar de respeitar os seres humanos índios, que devem ser protegidos como todo e qualquer outro cidadão brasileiro, pergunto, se uma área de 1.000 km quadrados não seria mais do suficiente para abrigar as pequenas populações que formam cada etnia? Além disto, o Estado daria suporte técnico para que explorassem essas terras de modo proveitoso a eles próprios e à sociedade em que vivem. Além disto, poderiam receber "royalties" provindos de exploração econômica de qualquer natureza no entorno da citada reserva. Além disto, poderiam preservar a sua cultura dentro dessas áreas, mantendo relacionamentos de todas as naturezas com o restante da sociedade. Concluindo, deveríamos rever as demarcações de terras indígenas dentro do território do País.

Fluxo disse...

Com relação aos geradores eólicos sabemos que os imãs utilizados nos mesmos, que propiciam a geração da energia elétrica, têm na sua constituição física um elemento conhecido como neodímio, que pertence ao grupo das chamadas "terras raras". No momento, a China é o principal fornecedor dessa matéria-prima, contudo, sabemos que no Brasil há grandes depósitos dessas "terras raras", incluindo o neodímio. A extração desses minerais tem como consequencia a degradação ambiental. Isto os defensores do meio-ambiente, tais como esses globais, não informam ou simplesmente ignoram este fato, o que é mais provável.Por conta dessa degradação ambiental e também por interesse de atender à demanda interna dessa matéria-prima, a China controle, hoje, a sua produção, o que ocasionou a elevação dos preços desse produto no mercado internacional, contrariando interesses de muitos países que detém tecnologia para a produção de sofisticados produtos eletrônicos. Diga-se, de passagem, que muitos elementos do grupo das "terras raras" são utilizados na fabricação de catalisadores dos automóveis utilizados nos grandes centros urbanos,nem por isto os ecodefensores deixam de utilizar esses veículos ou reclamam da origem dos componentes que compõem o seu veículo, apesar da destruição ambiental que possam estar causando longe das suas vistas.

Fluxo disse...

Aguardamos, ansiosamente, as próximas postagens do autor.