segunda-feira, 28 de novembro de 2011

‘Folha’: BLOGOSFERA DEU “OLÉ” NA GRANDE MÍDIA

Por Brizola Neto

“Em seu “Memórias do Cárcere”, Graciliano Ramos, falando sobre a censura no Estado Novo, diz que o sumiço da literatura não se devia apenas à censura.

Liberdade completa, ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer

E conclui: “Não caluniemos o nosso pequenino facismo tupinambá: se o fizermos, perderemos qualquer vestígio de autoridade e, quando formos verazes, ninguém nos dará crédito. De fato, ele não nos impediu escrever. Apenas nos suprimiu o desejo de entregar-nos a esse exercício

Penso que o comportamento da mídia, neste caso da Chevron, lembra muito essa situação. A postura servil e idólatra da imprensa, que atribui perfeição divina às grandes empresas internacionais e crê que as estatais brasileiras são apenas um amontoado de arranjos políticos, não está apenas entre seus donos, mas espalhou-se por muitos de seus profissionais, sobretudo entre os ditos “investigativos” que, neste caso da Chevron, ficaram inertes e passivos diante do acidente.

Aliás, diga-se, continuam passivos, pois não se vê sequer uma tentativa de aprofundar a apuração do que aconteceu e uma aceitação preguiçosa dos “desvios” que se tenta fazer sobre possíveis – e, certamente, existentes - falhas nos sistemas de reação aos acidentes na exploração marítima, em lugar de verificar por que o poço vazou.

Esse é assunto para o próximo post. Mas fica que, descobrir e reconhecer o erro, em qualquer atividade, é atitude essencial de honestidade, a qual profissional algum pode se furtar.

Da mesma forma, não pode, independentemente das divergências políticas, deixar de reconhecer a autocrítica quando ela é feita sem subterfúgios ou falsas razões.

Por isso, depois desse enfadonho preâmbulo a que submeti você, leitor/leitora, transcrevo o artigo da ombudsman da Folha, Suzana Singer, de onde retirei o título do post. Como ele está restrito aos assinantes do jornal, optei por reproduzi-lo aqui, mesmo correndo o risco de cair na máxima do D. Quixote, que, com propriedade, diz que louvor em boca própria é vitupério.

Quando se reconhece o erro – e quando, sobretudo, corrige-se a atitude incorreta – isso deve ser registrado. Nós, que criticamos o comportamento da grande mídia, não devemos, como é frequente que ela o faça, caluniá-la. Se o fizermos, como escreveu Graciliano, perderemos qualquer vestígio de autoridade e, quando formos verazes, ninguém nos dará crédito.

A GRANDE IMPRENSA FOI PASSIVA E DEMOROU A PERCEBER A GRAVIDADE DO VAZAMENTO DA CHEVRON

Por Suzana Singer (Ombudsman da ‘Folha’)

O ÓLEO SUBIU… E A GENTE NÃO VIU

Na cobertura do acidente ecológico na bacia de Campos (RJ), a mídia tradicional tomou um olé da blogosfera. A chamada “grande imprensa” demorou a entender a gravidade do que estava acontecendo, reproduziu passivamente a versão oficial e não fez apuração própria.

O vazamento ocorreu na segunda-feira, dia 7 de novembro, quando a pressão do óleo provocou uma ruptura do revestimento do poço. O líquido começou a subir pela coluna de perfuração e vazou também pelas fissuras do solo marinho.

A mancha de óleo foi vista no dia seguinte por petroleiros. Acionada, a norte-americana Chevron informou as autoridades, na quarta-feira, de que o vazamento acontecia em uma de suas plataformas.

No dia seguinte, agências de notícias divulgavam o incidente, com a porta-voz da Chevron falando em “fenômeno natural” e calculando um escape pequeno de óleo.

Só “O Globo” deu destaque ao assunto, mas em um texto tão editorializado [para proteger a Chevron e atacar a ANP, o governo federal e a Petrobras] que perdia o foco do acidente. O que acontecia no campo do Frade era só mais uma prova da “necessidade de Estados produtores de petróleo terem uma fatia maior dos royalties”. A ‘Folha’ limitou-se a dar uma pequena nota.

Veio o fim de semana, quando a inércia toma conta das Redações. “Mercado” publicou no sábado, dia 12, uma capa sobre a queda do lucro da Petrobras e, no domingo, um imenso infográfico mostrando como funcionam as sondas de perfuração, sem fazer ligação com a Chevron. Sobre o acidente, só uma nota registrava que o vazamento aumentara.

Enquanto isso, uma luz amarela tinha acendido na blogosfera. O assunto circulava nas redes sociais. No dia 10, o geólogo norte-americano John Amos, 48, da ‘SkyTruth’, uma ONG ambientalista que trabalha com fotos aéreas, divulgou em seu site, no Twitter e no Facebook, as primeiras imagens da mancha.

O jornalista Fernando Brito, do blog “Tijolaço.com”, já dizia que a “história estava mal contadíssima”, porque “não é provável que falhas geológicas capazes de provocar um derramamento no mar deixem de ser percebidas nos estudos sísmicos que precedem a perfuração”.

No dia 15, a ‘SkyTruth’ volta à ação e publica mais duas fotos mostrando que a mancha tinha crescido. “É dez vezes maior do que a estimativa da Chevron”, aposta Amos.


Instigados pelos blogs, leitores começam a cobrar: “A senhora acredita que a cobertura está correta?”, “E se fosse a Petrobras?”.


Só com a entrada da Polícia Federal no caso, a ‘Folha’ e seus concorrentes começaram a se mexer de fato. O conselho jornalístico “follow the money” virou no Brasil, por preguiça, “follow the police”.

No dia 17, com o inquérito policial aberto, o assunto finalmente foi capa de “Mercado” e ganhou um tom cético -pela primeira vez se aponta possível negligência da empresa. De lá para cá, toda a imprensa subiu o tom e, numa tentativa de compensar o "cochilo" inicial [doloso, antinacional e pró-EUA], vem cobrando duramente a Chevron, que admitiu “erros de cálculo”.

Não é mesmo fácil saber o que acontece em alto-mar, mas, um ano e meio depois da grande tragédia ambiental do golfo do México, é indesculpável engolir ‘releases’ divulgados por petrolíferas.

Além de recorrer a ONGs e especialistas, os repórteres poderiam ter procurado os petroleiros. O sindicato tinha divulgado uma nota no dia 10. “Os jornais brasileiros foram decepcionantes”, diz C.W., funcionário da Petrobras que sentiu o cheiro do vapor de óleo cru, mesmo estando a cerca de 15 km do local.

Para evitar que seu nome aparecesse, ele pediu à namorada que avisasse a mídia. Ela escreveu para ’Folha’ a e para o “Estado” no dia 11:

Boa noite, Ainda está vazando óleo na bacia de Campos, o vazamento já percorreu quilômetros. É necessário averiguar, pois noticiaram o ocorrido, mas não deram a devida atenção.

O caso Chevron mostra que faltam jornalistas especializados em cobrir petróleo, o que é grave num país que tem uma estatal do tamanho da Petrobras e que pretende ser uma potência da área com a exploração do pré-sal.

John Amos, da ‘SkyTruth’ em West Virginia, deixa um alerta: “Se todos esquecerem rapidamente o acidente, porque o vazamento não foi tão grande quanto o do México, aí sim será uma tragédia. Essa é uma oportunidade de questionar a gestão da exploração em águas profundas, em territórios arriscados. Porque haverá um novo acidente. E vocês devem estar preparados para isso”.

FONTE: escrito por Brizola Neto e publicado em seu blog “Tijolaço”  (http://www.tijolaco.com/folha-blogosfera-deu-ole-na-grande-midia/). [trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

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