quarta-feira, 6 de março de 2013

“Los Angeles Times”: MÍDIA BRASILEIRA AINDA REFLETE A ELITE ESCRAVAGISTA


Dois ditadores: Roberto Marinho (“Globo”) de braços dados com João Figueiredo

“DILMA ROUSSEFF, DO BRASIL, É POPULAR, MAS NÃO NA MÍDIA
Jornais e emissoras de TV ricas e poderosas têm sido críticas de presidente esquerdista apesar de ela não se envolver nos negócios deles.


“Brazil — Quando o presidente esquerdista João Goulart foi deposto pelos militares brasileiros em 1964, a grande mídia da Nação, controlada por algumas famílias ricas, celebrou.

Mas durante a ditadura de 21 anos que se seguiu, o governo censurou os jornais e as emissoras de TV operadas pelas famílias [1].

Agora, as coisas são diferentes. Desde 2003, o Brasil tem sido governado pelo esquerdista Partido dos Trabalhadores, conhecido como PT, que não se envolveu com a mídia.

Mas as publicações e emissoras de TV, ainda controladas pelas mesmas famílias, têm sido críticas do partido, apesar da aprovação pública da presidente Dilma Rousseff chegar a 78%. Nenhuma grande publicação dá apoio a ela, com alguns jornais e revistas particulamente duros em suas críticas.

É uma situação extremamente única no Brasil ter um governo tão popular sem que haja um grande meio que o apoie ou represente o ponto-de-vista de esquerda”, diz Laurindo Leal Filho, um especialista em mídia da Universidade de São Paulo.

A oposição ao Partido dos Trabalhadores existe desde que o ex-metalúrgico Luiz Inacio Lula da Silva, que já foi preso pela ditadura, foi eleito presidente em 2002. Lula rapidamente se moveu para o centro e se acomodou com as elites empresariais e, na década seguinte, viu um ‘boom’ econômico no qual 40 milhões de pessoas sairam da pobreza.

A sociedade brasileira foi baseada na escravidão por mais de 300 anos e quase sempre foi governada pela mesma classe social”, diz Leal Filho. “Algumas partes da classe alta aprenderam a conviver com outras partes da sociedade previamente excluídas… mas a mídia ainda reflete os valores da velha elite, com algumas poucas exceções”.

A mídia foi amplamente elogiada por duras investigações de corrupção que levaram à substituição de oito ministros do governo Rousseff e 25 autoridades de alto escalão foram sentenciadas por um escândalo de compra de votos do governo Lula. Mas apoiadores do governo dizem que a mídia presta menos atenção à corrupção quando envolve outros partidos políticos.

Os “Repórteres Sem Fronteiras” recentemente divulgaram um relatório criticando a concentração da mídia no Brasil e recomendando uma reforma nas leis da mídia. Mas, ao contrário do que tem acontecido na América Latina, onde governos batalham abertamente contra os críticos da mídia privada, o governo brasileiro adotou postura relaxada.

Mesmo se houvesse esforço neste sentido, seria politicamente impossível, dizem analistas. O relatório do “Repórteres Sem Fronteiras” detalha as relações próximas entre partes da mídia e membros do Congresso, alguns dos quais, inclusive, votam sobre concessões das quais são proprietários, especialmente fora das grandes cidades. Para governar o país, Rousseff precisa navegar nas águas complicadas do sistema parlamentar brasileiro e trabalha com mais de 20 outros partidos.

É um infortúnio, mas para governar este país você precisa de alianças”, diz Mino Carta, editor de “CartaCapital”, a única publicação que apoia o governo. Vende 60 mil cópias por semana num país de quase 200 milhões de habitantes. Enquanto isso, Rousseff, que foi torturada pela ditadura por suas atividades esquerdistas nos anos 70, tem recebido as críticas da mídia naturalmente, reafirmando periodicamente sua crença na liberdade de expressão.[2]

Tentar construir um órgão de mídia que apresente um ponto-de-vista diferente seria extremamente difícil, diz Carta, por causa da necessidade de verbas publicitárias.[3]

Seria um objetivo de longo prazo a ser atingido lentamente”, diz o septuagenário nascido na Itália.

A maior parte dos chefes da mídia brasileira dizem que seu jornalismo é “neutro e objetivo”.

Sergio D’Avila, editor da “Folha de São Paulo”, o jornal brasileiro de maior circulação, diz que “quando Fernando Henrique Cardoso estava no poder, seu partido, o PSDB, dizia que éramos do contra e pró-PT”.

D’Avila aponta para uma reportagem do jornal que mostrou a compra de votos que garantiu a reeleição de Cardoso. “Agora vemos o outro lado da moeda”.[4]

Mas muitos apoiadores do PT enxergam os grandes jornais, inclusive a “Folha” e o “Estado de São Paulo”, como antiRousseff, assim como a rede de TV e os jornais do dominante grupo “Globo”.

A grande mídia sempre defendeu interesses poderosos”, diz Jose Everaldo da Silva, um trabalhador portuário aposentado da região Nordeste, tradicionalmente pobre, que se beneficiou especialmente do governo do PT. “Todos se lembram do que a Globo fez na primeira eleição do Lula”.

Quando Lula, primeiro, concorreu à presidência em 1989, a TV Globo editou fortemente o debate final com Fernando Collor de Mello, dando a Lula menos tempo e mostrando os melhores momentos de Collor.[5]

As urnas foram favoráveis a Collor, que foi eleito e sofreu impeachment por corrupção.

O episódio foi um dos temas do documentário britânico “Além do Cidadão Kane”.

A “Globo”, mais tarde, admitiu ter cometido um erro, mas nega ser tendenciosa. “A Globo é absolutamente não partidária. Não opina sobre governos e busca neutralidade em seus programas”, diz um porta-voz. [6]

As estações de TV são relativamente moderadas e fontes mais importantes de notícias que a mídia impressa para brasileiros, muitos dos quais não lêem jornais ou revistas, diz David Fleischer, um cientista político da Universidade de Brasília.

As estações de TV não atacam [Rousseff] como a imprensa faz”, diz Fleischer.

Em contraste com o que acontece no mundo, o jornal impresso está crescendo no Brasil, com aumento da alfabetização e do consumo. A circulação da “Folha” cresceu 2% no impresso e 300% online no ano passado.[7]

Mais diversidade na mídia seria bom para o país”, diz D’Avila, “Não sei por que não está acontecendo”. [8]

No momento, nem Rousseff nem o trabalhador [metalúrgico] aposentado [Lula] da Silva parecem preocupados.

Todo mundo que viaja por aqui vê, claramente, que o Brasil mudou. A ‘Globo’ distorce a verdade, sim. Mas não é tanto assim. Quem se preocupa? Eles podem dizer o que quiserem”, diz [Lula] Da Silva numa entrevista telefônica, e cai na gargalhada. “Neste momento, na verdade, estou assistindo a Globo”.

PS DO “VIOMUNDO”:

[1] Alguém precisa mandar ao Vincent Bevins, do “Los Angeles Times”, uma cópia do livro “Cães de Guarda, da Beatriz Kushnir, que demonstra que os donos da grande mídia se beneficiaram econômica e politicamente da ditadura militar. Tiveram relações carnais com os ditadores. Não por acaso, o empresário do ramo que se opôs ao golpe faliu.
[2] Não consta que os críticos da mídia brasileira queiram limitar a liberdade de expressão. Pelo contrário, querem liberdade de expressão para além de meia dúzia de famílias.
[3] O nó brasileiro é nó de marinheiro: Globo-BV-agências publicitárias-deputados e senadores concessionários. Concentração de verbas e de poder. Simples assim.
[4] A “Folha” é aquele jornal que publicou uma ficha falsa de Dilma Rousseff em plena campanha eleitoral. Na primeira página. Um horror. E que teria exilado o autor da reportagem da compra de votos do FHC, para “dar um tempo”.
[5] Não apenas. A “Globo” colocou entrevista no “Jornal Nacional” com a ex-namorada Miriam Cordeiro, que acusava Lula de ter tentado abortar a filha, além de fazer declarações racistas. Isso na semana da eleição. Depois, a entrevista foi para a propaganda eleitoral de Collor. A famosa edição do debate foi seguida por uma pesquisa de opinião mostrando que Collor era “o mais preparado”. Para dar um ar de hiperMacondo à situação, em seguida vem o Alexandre Garcia concluindo que a “Globo” tinha cumprido seu papel de forma ”isenta” no processo eleitoral. Sem falar no editorial de “O Globo” – jornal do grupo que mais tarde exilaria a namorada de Fernando Henrique Cardoso na Espanha — dizendo que a população tinha “O Direito de Saber” em relação às acusações pessoais de Miriam contra Lula. Ah, sim, os eleitores não tiveram o direito de saber sobre FHC e Miriam Dutra durante uns 18 anos…
[6] A “Globo” não transforma bolinhas de papel em mísseis Exocet.
[7] Desde a famosa carta do Rodrigo Vianna, o que cresce 1.000% anualmente no Brasil é o número de pessoas capazes de perceber as grosseiras omissões e manipulações midiáticas, como — lembram-se? — no recente apagão elétrico que devastou o governo Dilma.
[8] Eu sei, Sergio D’Avila. Não acontece porque todas as tentativas de desconcentrar a mídia são deliberadamente confundidas com tentativas de limitar a liberdade de expressão. Inclusive pela “Folha”. Mídia concentrada dá mais poder aos barões proprietários, inclusive de definir a agenda política, assassinar o caráter de adversários e extrair concessões governamentais.”

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