Da “Folha de São Paulo”
Por Luiz Carlos Bresser-Pereira
“Se existe um Poder que precisa ser defendido, este é o Legislativo. Os
outros dois não estão ameaçados.
As democracias se caracterizam pelo
equilíbrio de Poderes, mas isso não significa que os três tenham a mesma
importância. O Legislativo é o Poder democrático por excelência, e cabe a ele a
palavra final em todas as questões, através das emendas. Entretanto, o que
vemos no Brasil é o Judiciário -- Poder
burocrático por excelência -- tentar assumir essa posição, o que é
inaceitável do ponto de vista da democracia.
O equilíbrio de Poderes, ou "checks and balances", é a tese
através da qual filósofos liberais do século 18 buscaram limitar o Executivo, o
monarca absoluto. Mas, além disso, é uma tese que visou limitar o Parlamento --
reflexo da oposição do liberalismo à
democracia no século 19 a partir do argumento de evitar a "ditadura da maioria".
Há tempos esse argumento, que servia
para a burguesia rejeitar o sufrágio universal, mostrou-se equivocado. A
maioria alcançada em alguns momentos por sociais-democratas que representavam
os trabalhadores jamais buscou exercer a ditadura quando ganhou eleições.
Mas o medo da democracia continua a
assombrar liberais, que, apesar da crítica ao Estado e à sua burocracia, sempre
buscam transferir poderes; do Executivo para agências burocráticas supostamente
"independentes"; e do Legislativo para o Supremo Tribunal Federal.
Ao julgar a constitucionalidade das
leis e interpretar os dispositivos da Constituição que não são claros, o Poder
Judiciário exerce um papel que lhe é próprio. Mas o que estamos vendo é algum
dos ministros usarem o "clima favorável" criado por um liberalismo antidemocrático ainda
dominante para se impor sobre o Parlamento. Vimos dois movimentos recentes
nessa direção.
Primeiro, o Supremo não hesitou em
interferir na ordem em que os projetos de lei são votados, exigindo que venham
primeiro as medidas provisórias. Agora, um ministro concedeu liminar para
impedir que continue a ser discutido no Senado projeto de lei que inibe a
criação de partidos políticos. Usou como justificativa o fato de que o projeto
estaria sendo aprovado "de afogadilho".
O Brasil tem um bom Judiciário, um
Poder meritocrático formado por magistrados de elite. Já o Congresso está
permanentemente nas manchetes, porque é constituído de um número grande e
heterogêneo de parlamentares e reflete qualidades e defeitos da sociedade
brasileira.
Mas não é razoável que, por essa
diferença de constituição, a sociedade se deixe convencer por um liberalismo
que manifesta preferência pelo Poder Judiciário e desgosto com a política e a
democracia.
O Congresso aprovou, na Comissão de
Justiça da Câmara, emenda constitucional que exige maioria de quatro quintos
para o Supremo declarar leis inconstitucionais -- algo discutível, mas razoável. Creio ser justo que esteja clara
para o Supremo a inconstitucionalidade de uma lei já duramente discutida.
Receio que alguns ministros do
Supremo estejam se inspirando na Suprema Corte dos Estados Unidos, mas lá seus
membros não têm alternativa, já que a Constituição se tornou uma espécie de
tabu, e o Congresso perdeu capacidade prática de emendá-la. No Brasil, não é
assim. Devemos saudar as tentativas para contornar a crise entre os dois
Poderes, mas sem perder de vista que, se há um que precisa ser defendido (e sempre criticado), este é o
Legislativo. Os outros dois não estão ameaçados.”
FONTE:
escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira
na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/107571-qual-poder-e-preciso-defender.shtml) e transcrito no portal de Luis
Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-necessidade-de-defesa-do-legislativo-por-bresser-pereira). [Imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].
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