Por Paulo Moreira Leite
Como o próprio nome indica, medidas impopulares do PSDB irão comprometer consumo, emprego e salário
Aos poucos, começa a se desfazer o mistério em torno do pacote de “medidas impopulares” que Aécio Neves prometeu apresentar durante a campanha presidencial.
Numa nota de 6 de abril, eu já havia cobrado uma definição a respeito.
Nos dias seguintes, outros comentaristas e até politicos fizeram o mesmo.
Responsável pela area econômica da campanha de Aécio, Armínio Fraga acaba de explicar o eixo das “medidas impopulares” em entrevista ao "Estado de S. Paulo". Ele disse:
“O Brasil precisa também adotar um limite para relação gasto público e PIB."
Por lei?, perguntam os repórteres?
“Por lei ou por decisão de governo, num primeiro momento. Mas é preciso trabalhar para isso.
Qual seria o teto de crescimento do gasto público?
“Os gastos teriam que crescer igual ou abaixo do PIB. E, na trajetória que está, os gastos crescem mais que o PIB. “
Com palavras técnicas, o que se anuncia é uma ofensiva à política de preservação do emprego e melhoria da renda dos últimos anos.
É claro que, comparando com aquilo que se viu e se fez entre 2003 e 2010, pode-se fazer muitos reparos à economia de hoje. Não é esse o debate quando se fala em limite para gastos públicos.
Com o argumento de que é preciso "combater a inflação", pretende-se desestimular o crescimento, e, pela via mais selvagem, reduzir o consumo, medidas que, classicamente, costumam fazer os preços caírem.
Embora a inflação preocupe todo cidadão que vai às compras, é preciso, em primeiro lugar, não confundir realidade com propaganda política.
A inflação média de Dilma Roussef é de 6,1%. A de Lula foi de 5,7%. A de Fernando Henrique, 12,5% [2002]. E se você acredita que ah, no tempo de Fernando Henrique havia a crise cambial, a hiperinflação, blá, blá, blá, cabe recorder que, desde 2008, a humanidade convive com a pior – e mais prolongada – recessão do sistema capitalista em 90 anos. E não é difícil associar essa crise prolongada, catastrófica, à política de austeridade, corte de gastos e redução de consuma aplicada a União Europeia, endereço do maior PIB do planeta.
Os numeros que comparam a média de inflação brasileira dos três últimos governos mostram que o esforço para apontar a alta de preços como uma decorrência automática de políticas de defesa do emprego e do crescimento é uma construção retórica de quem pretende elevar o desemprego e diminuir a renda – mas reconhece a dificuldade para se defender essas medidas às claras, num regime democrático, onde cada eleitor vale 1 voto.
A inspiração política para o controle de gastos em lei nasceu nos Estados Unidos, no interior do núcleo mais radical e conservador do Partido Republicano.
Sua matriz ideológica encontra-se na chamada "escola austríaca de economia", um reduto de fanáticos pelo "Estado mínimo" que se dedicou a combater as ideias de John Maynard Keynes por várias década, até conseguir instalar-se na Casa Branca com a vitória de Ronald Reagan, nos anos 1980.
O patrono desse mundo mental é Friederick Hayek, economista de ideias muito primitivas. Para ele, as medidas de bem-estar social que dão bases materiais à democracia, sob o regime capitalista, não passam de um caminho transitório para uma ditadura comunista. Para Hayek, "mercado" é sinônimo de "liberdade" e o "estado", de "opressão". As classes sociais são uma ficção e cada indivíduo é soberano sobre seu destino. Nada mais 1%, vamos combinar.
Não por acaso, no atual universo ideológico dos Estados Unidos, os adversários de políticos moderados e amedrontados como Barack Obama gostam de chamá-los de "comunistas e leninistas".
A partir da versão original da lei que criou um limite para o endividamento público, os republicanos transformaram a população do país em refém de uma chantagem política, explica o Prêmio Nobel Paul Krugmann. Isso porque o "Tea Party" consegue aplicar a linha mestre de seu pensamento econômico mesmo quando se encontra fora do governo.
Esse milagre da antidemocracia funciona assim: ou os governantes – republicanos ou democratas– aceitam cortar gastos por vontade própria, ou o Estado é paralisado por força da lei e o president pode até sofrer impeachment se tentar gastar o que não pode.
A "austeridade", assim, deixa de ser uma opção que pode ser aceita, ou não, pela maioria dos cidadãos, para se transformar numa política compulsória do Estado. Da mesma forma que se deve punir homicídios e roubos, por exemplo, deve-se combater gastos acima do limite definido.
Não estamos falando da clássica medida de apertar os cintos que os governantes podem aplicar em momentos de crise – como Antonio Palocci realizou no início do governo Lula, por exemplo – mas na institucionalização permanente de um programa de crescimento baixo e recessivo, e todas as consequências malignas daí decorrentes.
Desse ponto de vista, a condução da política econômica deixa de ser um assunto da maioria dos cidadãos, para se transformar numa questão de contabilidade.
Pouco importa se o governo eleito é favorável a uma política expansionista. De nada adianta o cidadão preferir o candidato x ou y. O limite de gastos autoriza o calote e a falência como medidas administrativas e não como uma decisão política.
Explica Krugman:
“Os republicanos ameaçaram bloquear a prorrogação dos cortes de impostos para a classe média a menos que Obama cedesse e concedesse prorrogação semelhante aos cortes de impostos que beneficiam os ricos.”
A quem pergunta como isso foi possível, Krugman explica:
“a resposta está na radicalização do Partido Republicano. Normalmente, um partido que não controla nem a Casa Branca e nem o Senado reconheceria que não está em posição de impor sua agenda ao país. Mas os modernos republicanos não acreditam em seguir as regras normais.”
Krugman explica: ao atingir o limite de suas dívidas, o governo é forçado a deixar de pagar tudo aquilo que estiver além. O Premio Nobel pergunta: “o que governo deixará de pagar? Suspenderá o envio de cheques de aposentadoria? Deixará de pagar os médicos e hospitais que tratam pacientes cobertos pelo programa de saúde 'Medicare'? Deixará de pagar os fornecedores de combustível e munições às forças armadas? Ou suspenderá o pagamento [aos bancos] dos juros da dívida pública?”
Avaliando o impacto dessas medidas, Krugman explica:
“E que efeito teria essa suspensão de pagamentos sobre a economia? Nada de bom. O consumo provavelmente despencaria, porque os idosos, preocupados, não saberiam como exatamente pagar seus aluguéis e sua comida. As empresas que dependem de contratos governamentais teriam de demitir funcionários e cancelar investimentos.”
Traduzindo essas medidas para o Brasil, 2015, só há uma grande diferença a constatar. O desastre seria muito maior.
Isso porque no Brasil o papel do Estado no investimento publico -- e também em áreas como saúde publica, ensino universitário, sem falar em investimentos de infrastrutura – é muito mais importante e decisivo.
Pode-se prever, assim, uma campanha de duas faces em 2014.
Propostas impopulares podem ser discutidas, às claras, nos círculos elitizados do país. Eles não farão sacrifícios. Não vão perder empregos nem diminuir as perspectivas melhores para seus filhos e netos. Podem apoiar medidas duras – seus defensores chamam de corajosas, o que é confortável, pois envolve dores alheias -- e sustentar candidatos que irão defendê-las. Mas é claro que essa discussão, de caráter técnico, não terá traduzida de forma a ser compreendida pelo cidadão comum.
O projeto de "economia impopular" brasileira pode prosperar, em 2014, porque conta com a cobertura dos meios de comunicação. A maioria evita todo debate e encobre as consequências do que vem por aí.
Faz o possível para esconder o conflito de interesses sociais em jogo, permitindo à oposição apresentar sua plataforma antipopular com ares de verdade científica. Sem o mais leve pudor, sem sequer a compaixão universal pelos que têm menores oportunidades e serão atingidos por medidas de austeridade, os jornais e revistas do país repetem o comportamento do Partido Republicano nos Estados Unidos: tornam-se mais radicais a cada eleição.
Em março de 2010, na abertura da campanha pela sucessão de Lula, a postura política dos meios de comunicação foi expressa com toda clareza por Judith Brito, superintendente da "Folha de S. Paulo" e presidente da "Associação Nacional dos Jornais". Há quatro anos, ela já explicava a opção para auxiliar uma oposição – sem voto.
--"A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. "
FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da revista ISTOÉ em Brasília, e autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa" (http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE).
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