segunda-feira, 10 de março de 2008

EX-PRESIDENTE ITAMAR FRANCO E O PLANO REAL: “FHC, PRETENSIOSO, USURPOU (A AUTORIA)”

O JB Online de hoje (10/03) publicou, em texto de Marcello D’Angelo e Durval Guimarães Marcos Seabra:

“Algumas imagens que marcaram a passagem de Itamar Franco pela presidência da República são de um contraste incompreensível. A cabeleira rebelde e incontrolável, o renascimento do fusca e a companhia da modelo Lilian Ramos, sem roupa de baixo, no Carnaval de 1994, não combinam em nada com a discrição quase celibatária do ex-presidente. Depois de um período recolhido, o ex-presidente decidiu nada deixar sem resposta. Seu alvo principal é o ex-presidente Fernando Henrique (FHC), que teria usurpado sua participação e importância na grande obra de estabilização econômica do Brasil.

O senhor pediu para começar com um depoimento sobre as posições assumidas por seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso.

-- Vai ser a primeira vez que eu vou responder ao presidente Fernando. No período em que ele (FHC) trabalhou comigo, eu nunca respondi e questiono até que o chamassem de ‘primeiro-ministro’. Na época, eu tinha uma pesquisa da Presidência da República que indicava que ele não era nosso candidato. Nosso candidato era o (Antônio ) Brito. Eu chamei o Brito e disse: "Eu gostaria que você fosse o candidato da Presidência da República e do PMDB para levar o senador (Pedro) Simon junto". Ele me disse o seguinte: "Itamar, eu sou muito novo, primeiro vou ganhar no Rio Grande do Sul". Apesar de a pesquisa apontar o Fernando com menos de 4%, o Brito com 16% e o presidente Lula já com 35%.

Mas o senhor admitiu a candidatura de FHC?

-- Eu deixava tudo aquilo acontecer. O que interessava era que ele ganhasse as eleições. Havia muito tempo que um presidente não fazia o seu sucessor.

Mas foi isso que o incomodou no depoimento de seu sucessor?

-- Não, mas não vou fugir de nenhum ponto da entrevista que ele deu (à Gazeta Mercantil). O Fernando tem mania de beliscão, mas agora eu não vou aceitar mais. Afirma nesta entrevista que o Plano Real se chamava Plano FHC. É muita pretensão, mas vamos deixar...

Mas o que o senhor teria feito diferente?

-- A parte principal que quero rebater é a afirmação de que, quando ele deixou o Ministério da Fazenda para se candidatar, tudo estava pronto e feito. Isto é uma inverdade. Para esclarecer isso, vou repetir as palavras do ex-ministro Ricúpero, que foi quem o substituiu, em entrevista a Folha de S. Paulo em junho de 2001.
"Quando assumi o ministério, procurei o presidente Itamar porque tinha encontrado a equipe econômica com algumas dúvidas. Especialmente em relação ao prazo apertado em virtude da eleição (à Presidência da República que aconteceria seis meses depois) que me deixava com receio de lançar o plano". Aí eu falei: mas o que senhor acha, dá tempo? Ricúpero respondeu que nós poderíamos lançar até julho. Quando perguntado de quem era o mérito do sucesso do Plano, Ricupero respondeu: "tecnicamente de FHC, e de sua equipe que admiro e com quem trabalhei quando assumi o cargo. Politicamente, de Itamar Franco. Sem Itamar, não haveria Real, não haveria FHC, não haveria equipe, não haveria nada. As pessoas não valorizam adequadamente o papel do Itamar".

Qual era a dificuldade a ser superada?

-- Na mesma entrevista à Folha o Ricúpero relembrou que, ao receber o cargo de FHC em abril de 1994, conversou rapidamente com ele e, com uma certa surpresa, descobriu que ainda não havia uma estratégia para aprovar a medida provisória do Plano Real no Congresso e nem uma data para introdução da nova moeda", ao contrário do que diz o senhor Fernando, que fala que entregou tudo prontinho e bonitinho. Não foi assim.

FHC reclamou de resistência em várias áreas do seu governo ao Plano Real?

-- Nunca houve isso, isso não é verdade. Ele enfrentava algo normal em qualquer governo. Ele não era presidente, então tinha que se sujeitar a ser interpelado.

Mas o lançamento do plano foi um sucesso no final?

-- O significado disso pra mim é que não sou eu que estou falando, é o Ricúpero. Mas eu não me arrependo, apesar de ter passado por bobo da corte. Nós queríamos ganhar a eleição, e se não fosse assim, não ganharíamos. Acabou-se cometendo até um desatino perante a Justiça Eleitoral, pois mesmo depois de deixar o cargo de ministro da Fazenda, o Fernando Henrique era quem assinava as primeiras cédulas de Real. E o mais grave é que eu fingi que não vi.

O senhor se arrepende disso?

-- Eu me arrependo é de ter escolhido ele candidato. Tenho o maior respeito pela inteligência dele, mas ele errou. Ele já não era mais ministro (da Fazenda) e, mesmo assim, assinou cédulas (de Real). Isso é a primeira vez que eu estou revelando. Isso é grave porque só poderia ter assinado a cédula o ministro Ricúpero (Rubens Ricúpero, que substitui FHC de março a setembro de 1994, durante a implementação do Plano Real). O ministro Ricúpero foi o sacerdote do Plano Real. Mais até do que o FHC.

O ex-presidente FHC assinou essas cédulas propositalmente, sabendo que não era ministro?

-- Eu vi. Mandei verificar. Ele assinou, sem poder assinar. Ele sabia que sem o autógrafo, sem ele na cédula do real, ele não ganharia.

Quando apareceu a cédula do Real ele já não era ministro?

-- Não. O Real começou a circular em 1º de julho. Daí o medo da equipe dele, porque estava muito próximo do processo eleitoral. Tinham aquelas dúvidas, mas o Ricúpero sustentou a continuidade.

Queria voltar à época em que o FHC foi convidado para o ministério da Fazenda ...

-- Até agora eu me dei ao trabalho de pegar a entrevista do presidente FHC (entrevista exclusiva concedida à Gazeta Mercantil), responder pelo ministro Ricúpero e responder pelo ministro Ciro. Então eu só queria terminar esse raciocínio. O FHC - vou buscar um vocábulo que não o ofenda muito - ele é um pretensioso. Sabe por que ele é um pretensioso? Ele se esqueceu, e outro dia até conversei com ele, ele esqueceu do Paulo Haddad. Desde o início ele trabalhava pra combater a inflação. Esqueceu do Krause (Gustavo Krause, ministro da Fazenda no governo Itamar e ministro do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente no governo de FHC) e do Eliseu Resende. Esqueceu do Ricúpero e esqueceu do Ciro (Ciro Gomes). Sem o Ciro ele não teria chegado à Presidência da República, pois o Ciro assumiu num momento político muito difícil, em que o PT assustava, pois batia muito forte.

O senhor convidou pessoalmente Ciro Gomes para seu governo?

-- O Ciro deixou de ser governador para assumir o Ministério. Ele me telefonou (eu o conhecia muito, sempre tive boa impressão e tenho até hoje) e disse: "Itamar, mantenha o Ricúpero". Eu disse “governador, até gostaria, mas o PT está batendo muito na frase dele ("o que é bom agente mostra, o ruim agente esconde", pronunciada antes da entrevista para Carlos Monforte da TV Globo) e isso pode complicar”. Ciro: "Mas quem vai assumir? É melhor ficar com o Ricúpero" Respondi: “Não, quero você para assumir!” Ciro: "Eu? Eu sou governador". Insisti: “mas eu estou precisando da sua ajuda." Ele aceitou meu pedido e assumiu num momento muito duro. Sem ele, não sei se a candidatura do FHC sairia.

Foi o senhor que também escolheu FHC para o Ministério da Fazenda?

-- Foi.

Se arrepende disso?

-- De ter colocado ele como ministro? Não. Me arrependo de ter escolhido (FHC) para Presidente da República.

Outros importantes dispositivos de gestão fiscal, como a CPMF e a DRU, foram aprovados no seu governo. Como o senhor vê essa discussão de paternidade?

-- A CPMF foi lançada com data marcada para terminar em dezembro de 1994, e se destinava inicialmente para a educação. Saúde foi na revisão do governo FHC. O governo FHC só foi buscar a CPMF mais à frente, a pedido do Jatene (Adib Jatene, então ministro da Saúde).

Mas eu só estou levantando isso aqui porque ele (FHC) continua falando o que não é verdade.

Agora já é hora de colocar as coisas no devido lugar. Eu não estou com perseguição ao senhor Fernando Henrique Cardoso, mas há pouco tempo, em novembro do ano passado, o PSDB foi à TV e disse que ele ‘tinha feito o Plano Real’ e ‘lançado os genéricos’. Fiz (retificação) ao presidente do Supremo Tribunal, sei que não vale nada, porque não tinha o partido atrás de mim, mas escrevi. Mandei um telegrama para o presidente do partido e que também não respondeu.”

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