Os jornais norte-americanos e, em conseqüência, a grande mídia brasileira, estão tratando a crise no Tibete exclusivamente como uma inaceitável e violenta agressão chinesa àquela pobre província de monges.
Exemplifico essa visão unilateral com trechos abaixo, publicados no início desta noite pela Folha Online. Mostra-nos que importantes políticos norte-americanos já condenaram veementemente a repressão chinesa no Tibete.
VISÃO AMERICANA
(...) “O senador John McCain, candidato republicano à eleição presidencial de novembro nos Estados Unidos, qualificou nesta sexta-feira de "maus-tratos" a repressão chinesa contra os manifestantes tibetanos”. "Isso não convém. As pessoas lá são submetidas a maus-tratos que não são aceitáveis por parte de uma potência mundial como a China, acrescentou”. "Os direitos humanos devem ser respeitados, quer seja no Tibete ou em qualquer outro lugar do mundo”.
(...) “Nesta quinta-feira, a secretária de Estado Condoleezza Rice lançou a todas as partes um apelo à "moderação" no Tibete, onde as forças chinesas reprimem com violência as manifestações de tibetanos”.
(...) “A presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, pediu nesta sexta-feira a abertura de uma investigação internacional sobre as violências cometidas no Tibete, destacando que não defende o boicote dos Jogos Olímpicos de Pequim”.
Nota deste blog: provavelmente, McCain, Condoleezza Rice e Nancy Pelosi e os jornais dos EUA tiveram um coincidente lapso de memória, esquecendo a atuação norte-americana no Iraque, Afeganistão e outros.
VISÃO CHINESA
Para melhor compreender o problema, deve-se analisar os pontos-de-vista das duas partes. Contudo, os jornais brasileiros somente divulgaram as visões norte-americanas. Não publicaram como os chineses vêem os tumultos no Tibete. Procurei, então, na imprensa estrangeira. Encontrei o artigo de Richard McGregor e Jamil Anderlini do jornal inglês Financial Times de ontem, com tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, da UOL Mídia Global. Transcrevo:
“DIFERENTES VISÕES SOBRE O TIBETE”
”Fora da China, especialmente nos países ocidentais, os violentos tumultos no Tibete são vistos como uma população que se rebela espontaneamente depois de anos de opressão religiosa e cultural por um partido governante impiedoso.
Dentro da China, o contraste não poderia ser mais veemente. Os manifestantes foram retratados como uma multidão agressiva, ingrata pelos anos de apoio de Pequim e manipulada pelo Dalai Lama, o líder espiritual tibetano exilado, para dividir o país.
O abismo entre as visões criou na China um profundo ressentimento e raiva porque a questão ameaça obscurecer e prejudicar as Olimpíadas de 2008, que começam em agosto em Pequim.
Shi Yinhong, da Universidade Renmin, disse que a China fez grandes esforços para desenvolver o Tibete e garantir a liberdade religiosa depois de tratar mal a região nos primeiros anos do regime comunista. Os países ocidentais ignoraram esses avanços, ele alegou, favorecendo um enfoque simples e uma visão "romântica" do remoto reino no Himalaia.
"Eu não acho muito romântico o que aconteceu no Tibete na semana passada", disse Shi. "Todo governo deve ser capaz de oferecer um mínimo de ordem e segurança para seus cidadãos."
A propaganda do governo, que pode parecer incrivelmente crua para estrangeiros -Zhang Qingli, o chefe do partido no Tibete, chamou o Dalai Lama de "monstro de face humana e coração de animal"-, não parece mal colocada na China.
E a tirada de Zhang concorda com comentários permitidos em boletins na Internet, como o hospedado por Sina.com, o maior portal chinês. "Acrescentem os países que apóiam o Dalai Lama à lista negra do terrorismo", disse um dos textos mais brandos publicados ontem.
É difícil avaliar a opinião pública na China, por causa dos rígidos controles da mídia e da Internet -especialmente em assuntos considerados delicados- e da ausência de pesquisas e eleições públicas.
Mas um grupo de cidadãos chineses instruídos, artistas e empresários bem-sucedidos de Pequim, que se reuniu para discutir a questão com o "Financial Times" esta semana, foi unanimemente antipático à causa tibetana. Enviar o exército foi "a única reação" possível, eles disseram.
O grupo admitiu que todas as notícias que viram foi na televisão estatal, que mostrou imagens de manifestantes tibetanos, incluindo monges vestidos de escarlate, saqueando, queimando e agredindo chineses em Lhasa. Não havia imagens da reação chinesa.
"A América e os estrangeiros sempre querem prejudicar a China", foi uma resposta típica desse grupo, depois de assistir a uma transmissão ao vivo da entrevista coletiva anual do primeiro-ministro Wen Jiabao, esta semana.
Quase todos os repórteres estrangeiros que tiveram permissão para fazer uma pergunta citaram o Tibete, provocando um resmungo da grande maioria de jornalistas e autoridades chinesas na entrevista.
Um intelectual de Pequim, em geral totalmente contrário ao partido, disse que os tibetanos foram "escravos" antes que a China os "libertasse", medida que foi retribuída com ingratidão e violência. "Como o Tibete poderia ser um país sem a China?", disse essa pessoa. "Eles não tinham nada para comer antes de serem libertos."
A questão da soberania vai além do apoio ao partido e toca o cerne da identidade nacional. Sugerir para a maioria dos chineses que o Tibete deve ser independente da China é como dizer a um americano que o Texas deve se separar da União.
Um vídeo cheio de profanidades publicado no YouTube, o site de compartilhamento de vídeos, intitulado "O Tibete FOI, É e SEMPRE SERÁ parte da China", diz iradamente aos espectadores que a China não deixará o Tibete até que todos os europeus saiam do Canadá, da Nova Zelândia, Austrália e EUA e os devolvam aos "nativos".
Robert Barnett, um especialista em Tibete na Universidade Columbia em Nova York, disse que a lacuna entre as visões tibetana e chinesa vem diminuindo nos últimos anos por causa da crescente popularidade do budismo e da religião em geral na China. "O que está acontecendo agora vai ampliar [essa lacuna] de novo", ele disse, acrescentando que é um desastre para a estratégia do Dalai Lama. Barnett acrescentou: "Ele sempre disse que a coisa mais importante é o apoio da população chinesa. Mas agora está travando uma luta política na outra direção".
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