quinta-feira, 20 de março de 2008

BUSH, A CRISE DO DÓLAR E A ASTÚCIA DO CAPITALISMO

Em seqüência à postagem anterior, outro artigo muito bom, que ajuda a melhor compreensão das causas e dos reflexos da atual crise norte-americana, que tem prejudicado todos os demais países, foi publicado hoje no portal “JB Online”. Seu autor é o jornalista Mauro Santayana, que o escreveu em 13 de março último. O título original é o já colocado para esta postagem. Transcrevo:

“Os mercados se assustam, mas o capitalismo é astuto, e tem escapado das crises cíclicas que o acometem, desde que os lídios inventaram a moeda: pequenas peças metálicas com signos do valor e do responsável pela cunhagem. Os gregos, é o que diz a tradição, aprenderam com eles. A moeda foi importante para criar grandes fortunas. A primeira delas, como registra a História, foi exatamente a de um rei lídio, Cresus.

O dinheiro é um instrumento baseado na boa-fé. Na misteriosa razão da linguagem, moeda, em sua raiz indo-européia, significava movimento da mente: uma criação da inteligência. Para os gregos - conforme Aristóteles - a moeda deve ser também recurso da justiça, ou seja, pode tornar iguais as coisas desiguais: casas e sandálias, cavalos e ovelhas. É, portanto, um título de confiança.

Sempre houve crises financeiras, mas todas surgem quando a confiança na moeda, logo, naquele que a emite, deixa de existir.

O dólar se esfarinha, porque os Estados Unidos estão perdendo a confiança do mundo. A nação é ainda a maior potência, mas nem sempre essa potência se transforma em ato. No Vietnã, aonde chegaram com todo o seu arsenal, foram fragorosamente derrotados. Houve o mesmo até na diminuta Somália.

Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra Mundial enriquecidos com a contenda. Em março de 1948, quando os aliados criaram nova moeda para a Alemanha Ocidental, sem consultar os soviéticos, esses impuseram o fechamento de fronteiras entre as duas zonas de ocupação. Em abril, o governo norte-americano decidiu adotar o Plano de ajuda à Europa, que havia sido proposto pelo secretário de Estado George Marshall em junho do ano anterior, em palestra na Universidade de Harvard. Era o início de um processo competente de dominação universal, com a combinação dos investimentos financeiros com as pressões militares.

O projeto apoiava-se em parte ponderável das elites e da sociedade norte-americana, desde que os Estados Unidos organizaram a sua república. Mas a sua expansão se fizera primeiro na conquista do Oeste até o Pacífico, mediante a anexação de territórios por compra (como no caso das possessões francesas do Mississippi) ou pela conquista militar. Seu sonho limitava-se ao continente. A vitória em 1945 os levou a iniciar o processo de globalização econômica, com o desembarque na Europa (magistralmente analisado por Jean-Jacques Servan Schreiber em seu livro Le Défi Americain, de 1967).

A falta de confiança no dólar vem ocorrendo lentamente, desde que Nixon rompeu unilateralmente com o Acordo de Bretton-Woods, deixando de sustentar o lastro da moeda com o ouro. Mas o dólar, mesmo desatado do ouro, continuou sendo a moeda de reserva internacional até a consolidação do euro.

Por outro lado, a globalização trouxe novos atores econômicos mundiais, como a China e outros países, entre eles o Brasil. Diante da crise atual, o presidente do Banco Central Europeu pede aos emergentes que ajudem os países ricos. Toda a prosperidade dos ricos foi construída com a espoliação, direta ou indireta, dos países pobres. Estudos insuspeitos mostram que a riqueza do mundo, desde a descoberta dos metais da América do Sul, se fez com a remessa líquida de capitais das colônias, de júri ou de facto: a independência formal não mudou o sistema de drenagem, via a exploração direta e os juros absurdos pelos empréstimos concedidos a governantes corruptos ou irresponsáveis.

O presidente Bush, desmoralizado, com suas tropas sendo escorraçadas do Iraque e do Afeganistão, está agora de olho na América do Sul. Seus ataques a Chávez e sua declaração de apoio incondicional a Uribe vão além do que dizem as aparências. Com seu descrédito aumentando no mundo, Bush acha que há ainda tempo para uma ação "decidida" ao lado da Colômbia. A Colômbia já é, de longe, o país mais militarizado do continente. Isso seria bom começo para a tentativa de ocupação da América do Sul. É certo que, apesar de seu grande poderio bélico, os Estados Unidos, se se aventurarem a essa guerra, arriscam-se a envolver-se em um Vietnã multiplicado por dez.

É, no entanto, improvável que o povo norte-americano o autorize a qualquer provocação no Sul, quando faltam nove meses para que deixe a Casa Branca, provavelmente para o democrata Barack Obama. A ascensão do senador é prova de que o povo norte-americano já está cansado de um sistema que transformou o antigo ‘american dream’ em um pesadelo. Esse pesadelo que se revela no mais alto consumo de drogas no mundo, nos tiroteios de Columbine, nas operações fraudulentas de Wall Street - uma das causas para que o dólar perdesse a confiança do mundo.”

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