A revista CARTA CAPITAL distribuída nas bancas este fim de semana traz o bom artigo de Delfim Netto sobre os reflexos no Brasil e no mundo da crise econômico-financeira dos EUA.
A CRISE É ADMINISTRÁVEL
"A economia mundial vive um momento de grande incerteza. Não existe nenhuma segurança de que o problema dos subprimes não seja apenas a ponta de um iceberg, cuja dimensão, velocidade e direção são desconhecidas.
Mais uma vez, a economia real recebe um choque externo poderoso, vindo do setor financeiro. Suas conseqüências não são fáceis de medir, mas a origem está na própria forma de funcionamento daquele setor, que tem desenvolvido, com inteligência e imaginação extraordinárias, um tremendo arsenal de veículos financeiros que se destinam a reduzir e a distribuir os riscos.
A lógica econômica sugere que:
1. No limite, quando tiverem êxito e eliminarem o risco, o lucro final desse malabarismo papeleiro deve ser zero.
2. Paradoxalmente, enquanto ele não termina, seus agentes têm incentivos enormes e se apropriam de benefícios concretos e antecipados da venda aos incautos, de forma eficiente e irresponsável, de papéis com rendimento positivo, mas supostamente sem riscos produzidos pelo milagre da multiplicação dos derivativos.
3. Nem as agências oficiais nem as agências privadas supostamente classificadoras de riscos sabem o que se fez em nome da liberdade operacional.
Os bancos centrais, surpreendidos com tais resultados, tateiam no escuro. Procuram, por meio do fornecimento de ampla liquidez e a redução da taxa de juro interbancário, acomodar os prejuízos ainda não conhecidos e tentam impedir uma expressiva redução do crédito ao setor real, cujas taxas de juro se descolaram das oficiais.
A situação é complicada, porque há uma ameaça inflacionária, o que, eventualmente, exigiria um aumento da taxa de juro. Parece, entretanto, cada vez mais evidente que o crescimento do PIB e a manutenção do emprego aumentaram o seu peso na função da decisão dos bancos centrais. Isso sugere que o ajuste se dará, no setor privado, com um aumento do custo marginal do crédito (e da inflação) e o descolamento das taxas oficiais de juro do mercado. Em uma palavra, provavelmente, haverá uma tolerância maior à inflação e uma intolerância maior à redução do crescimento do PIB e do emprego.
(...) Em todas (as regiões do mundo) registra-se a perspectiva de alguma redução com relação a 2007, mas nada dramático. Do ponto de vista da inflação, a diferenciação se fará pela importância do consumo de alimentos na renda (EUA, em torno de 10%; China, 30%; emergentes, 35%; África, 50%; e Brasil, 22%). A taxa de inflação será um pouco maior em 2008, mas nada trágico.
Em paridade do poder de compra, o Economist Intelligence Unit estima as participações de cada uma das nove regiões no crescimento da economia mundial em 2008.
As economias desenvolvidas (EUA, Europa e Japão) contribuem com menos de 43% do crescimento mundial. O bloco asiático (sem o Japão) responde por 37%. Os outros, inclusive o Brasil, adicionam 20% ao crescimento mundial. Para comparação, um aumento de 1% do PIB chinês eleva o PIB mundial em 0,22%, e um crescimento de 1% no PIB brasileiro aumenta o PIB mundial em 0,03%.
Uma redução de 1,5% no PIB americano, de 1% no PIB europeu e japonês, e de 0,5% em todos os outros diminuirá o PIB mundial em menos de 0,8%, significativo, mas não destruidor.
Na ausência de um crash americano (pouco provável com a atual política fiscal e monetária), a situação parece administrável, ainda que tenha custos respeitáveis."
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