“A jornalista Stella Calloni alerta que, seguindo
o script de Washington, o “Grupo Clarín” ataca a Ley de Medios da Argentina
Aos 77 anos, Stella Calloni luta o bom combate,
energizando com alegria tudo ao redor. Recebe-nos em sua casa para falar sobre
a “Lei de Meios Audiovisuais” da Argentina, a “Ley de Medios”.
A sala em que nos recebeu, repleta de quadros e
imagens de diversos países, é cenário internacionalista e integracionista
perfeito para nossa conversa. O tema é o “7D” (sete de dezembro), que colocou o
debate sobre a comunicação na ordem do dia e mobilizou toda a sociedade
argentina.
Nesse dia, o maior conglomerado de comunicação do
país vizinho, o “Grupo Clarín”, deveria ter apresentado seu plano de adequação
para desfazer-se de seu monopólio e adequar-se à lei. Todos os demais grupos de
mídia o fizeram até a data, mas por uma ação judicial do “Clarín”, acolhida por
uma corte de Justiça, o “7D” não se consumou e a batalha pela democratização da
palavra continua.
Escritora e jornalista, Stella desvendou a “Operação
Condor” e tantos crimes macabros cometidos pelo imperialismo e seus
testas-de-ferro no Sul do Continente. Stella estudou a fundo a “lei dos meios”
e afirma categoricamente que se trata da “mais
democrática e participativa da América Latina”, e tem “significado especial para a conquista da soberania efetiva e o avanço
da própria integração”.
Frente ao festival de mentiras, calúnias e
omissões que proliferam na imprensa contra a presidenta Cristina Kirchner e a
nova lei, Stela nos convida a uma reflexão sobre quem se beneficia do caos na
comunicação: “A desinformação é uma arma
de guerra do Pentágono”.
--“Brasil de Fato”: Da
mesma forma que “O Globo”, no Brasil, o “Grupo Clarín” foi claramente
beneficiado pela ditadura. Como isso se deu?
Stella Calloni: Em 1978, a ditadura perseguiu a família do
banqueiro e dono da empresa “Papel Prensa”, Davir Graiver (empresa que detinha
o monopólio da fabricação de papel jornal), acusado de trabalhar com o grupo
guerrilheiro Montoneros. O proprietário morreu num estranho acidente em 1976,
no México, e nunca se pôde achar o corpo nem nada.
A suspeita é que o assassinato tenha sido
executado pela CIA e por grupos secretos que trabalhavam com a ditadura. Então,
numa manobra entre a ditadura, o Diário “Clarín”, o “La Nación” e o diário “La
Razón”, que já não existe mais, fizeram o “acordo” com Graiver. Tudo assinado e
sua esposa Lidia Papaleo de Graiver, que regressou ao país com sua filhinha de
dois anos, foi detida e torturada num centro clandestino. Nessas condições,
teve que assinar a “venda” da “Papel Prensa”.
A “compra” foi por um montante que era nada e
ocorreu, evidentemente, mediante extorsão. Do total do patrimônio, 80% ficaram
para os três jornais e uns 20% da empresa para o Estado. Foi assim que o “Clarín”
e o “La Nación” começaram a formar seu monopólio, pois quem tem o poder do
papel jornal na mão tem o poder da distribuição desse papel.
Em 1980, o regime da ditadura militar (1976-1983)
dita por decreto a “lei de radiodifusão” que, naquele momento, já concebia a
comunicação como mercadoria. A ditadura havia aberto, então, a porta para a
conformação de grandes grupos monopólicos.
--Terminada a ditadura, o
presidente Raúl Alfonsín chegou a questionar essa anomalia?
Depois de 1983, após a Guerra das Malvinas, caiu a
ditadura e Raul Alfonsín chegou à Presidência. Em 1984, ele começou a se dar
conta que a “lei de meios” da ditadura precisaria mudar. Então, foi desatada
grande campanha do “Grupo Clarín” contra Alfonsín e nada avançou. É essa a lei
que se encontra em vigência até agora.
--Como iniciou esse
movimento pela democratização da comunicação?
Nos anos de 1990, começou trabalho coletivo de
universidades, diretórios estudantis, profissionais, movimentos sociais e
sindicais, sobretudo de profissionais de imprensa, entre eles a “União de
Trabalhadores de Jornalismo” de Buenos Aires. Iniciaram o debate sobre o tema
da concentração de poder nos meios de comunicação.
Vale lembrar que, em 1989, o ex-presidente Carlos
Menem (1989-1999) privatizou tudo, além de um monte de meios de comunicação,
escancarando as portas para a possibilidade de se comprar a quantidade de
licenças que quisessem. Isso possibilitou que, em 1995, quando começou a
campanha para mudar a lei, “Clarín” já tivesse se tornado grupo monopólico.
--Qual o tamanho desse
monopólio?
Beneficiado com esta lógica privatista, no ano
2000, “Clarín” já detinha 240 licenças, os canais 13, Toda Notícia, Volver,
Rádio Mitre AM, 80 FM, Multicanal, Datamarket, por meio dos quais controlava
quase todo o país, além de imprimir o principal diário, o “Clarín”, e a “Olé”,
que é uma revista esportiva. Havia acumulado, portanto, bem mais do que todo o
resto dos grupos.
--No Brasil, o grupo “Folha”
emprestava seus automóveis para a repressão. De que forma o “Grupo Clarín”
agiu?
Este é um problema. O “Clarín” e os grandes meios
colaboraram com a ditadura publicando, como “enfrentamento”, o assassinato de
militantes pelos grupos policiais. É a velha história: a mídia fazia o jogo do poder econômico, dos latifundiários, dos
banqueiros, das multinacionais, que manipulavam em todo o continente os meios
de comunicação, ligados aos Estados Unidos, dependentes deles. Assim,
quando os EUA viam que seus interesses estavam sendo contrariados, e que
precisavam dar um golpe e invadir um país, utilizavam a mídia local.
Foi assim na invasão à Guatemala, foi dessa forma
que converteram o herói nicaraguense Augusto César Sandino em bandido. Por isso
atacam tanto atualmente o presidente equatoriano Rafael Correa. O que está em
jogo é a defesa dos interesses econômicos. Concebem a informação como
mercadoria e a liberdade de expressão como liberdade da empresa. O que
potencializou esse movimento foi o furacão neoliberal dos anos de 1990.
--Você se refere à crise
que vitimou bastante a economia Argentina?
A Argentina foi um dos países mais gravemente
afetados pelo neoliberalismo. Acabaram os trens no nosso país. É uma coisa
única no mundo, porque tínhamos cobertas [por ferrovias] nossas maiores
extensões. Com isso, morreram vários povoados no interior. Foi um retrocesso
nos princípios iniciais da República, foram quebradas muitas empresas.
O governo chegou a cortar publicidade para quebrar
empresas de comunicação, a fim de que viessem os estrangeiros e seus
testas-de-ferro, o que foi conformando um poder hegemônico. Foram apoderando-se,
no caso da Europa, das agências de notícias, mancomunadas com interesses
privados a tal ponto que perderam totalmente a independência que ainda tinham.
Vocês, como brasileiros, nós como argentinos, lembramos que, quando tivemos as
ditaduras, recorríamos àquelas agências para fazer denúncias. Hoje, elas são
parte de um só discurso midiático.
--Como avalia o papel dos
novos governos populares nessa batalha pela liberdade de expressão?
Devido às mudanças que ocorreram na América
Latina, vivemos o pós-neoliberalismo – ainda que esse sistema não esteja
completamente enterrado. O fato é que surgiram governos que expressam vontade
popular totalmente distinta. Esses governos surgem das lutas populares nas
ruas, nas estradas, e ressignificam a tragédia do neoliberalismo nos setores
mais renegados e excluídos entre os excluídos.
Afinal, os neoliberais concebem o desemprego como
um disciplinador social, por isso, trataram de reduzir os sindicatos,
debilitaram as defesas dos trabalhadores, desregulamentaram nossas economias. E
a resposta veio da grande massa popular, dos “piqueteiros” na Argentina, por
exemplo. O mesmo aconteceu na Bolívia, e na Venezuela com o “Caracaço” em 1989,
que foi a primeira rebelião contra o sistema neoliberal produzida no
continente.
Os novos governos que surgiram, como o de Hugo
Chávez, vieram quando os países estavam afundados no abismo. Daí tantas
rebeliões populares e a entrada em cena de Evo Morales na Bolívia, Nestor
Kirchner na Argentina, Lula no Brasil, Manuel Zelaya em Honduras, a volta de
Daniel Ortega na Nicarágua. São governos frutos dessas rebeliões que mudam o
mapa da América Latina, em contraposição à lógica das ditaduras que nos
implantaram os Estados Unidos.
Começa, então, um processo de integração e
unidade. Isso dá um salto, além do processo de integração econômica, como havia
sido inicialmente concebido, para um processo de emancipação nacional, porque
estamos em um processo de independência, ainda não temos nossa independência
totalmente assegurada.
--Como profissional que
acompanha o debate sobre a democratização da comunicação há muitos anos, qual a
sua avaliação sobre a “Ley de Medios”?
A “Lei de Meios” da Argentina é a mais democrática
e participativa que se votou no país e, creio, em toda a América Latina. As
diferentes organizações estão trabalhando nela, constantemente aperfeiçoando a
proposta há 22 anos. Há grande aprendizagem, fruto de acúmulo. A questão da
mídia, pela sua capacidade de interferência na realidade, de pautar governos e
influir no comportamento social, ganhou ainda maior relevância para a própria
democracia.
Claro. Se antes existiam três meios potentes que
destruíam um governo, neste período histórico temos milhares de repetidores desses
meios potentes que têm poder tão grande que agora são concebidos pelo Pentágono
como arma de guerra.
A desinformação, hoje, é uma arma de guerra.
Massivamente, pode-se destruir um mandatário, convertê-lo em ditador, sustentar
uma mentira como as “armas de destruição em massa” no Iraque, uma mentira atroz
como a usada contra a Líbia. Muammar Kadafi nunca bombardeou seu povo.
Não deixaram nada em pé na Líbia. Então, a mídia
foi usada recentemente em quatro guerras coloniais: Afeganistão, Iraque, Líbia
e, agora, a Síria, onde também estão produzindo devastação em larga escala.
Temos, também, a questão grave dos bombardeios e do cerco a Gaza, na Palestina,
países que foram divididos como o Sudão, e ameaçados, como o Líbano e o Irã.
Vejam como isso se reflete aqui na América Latina
com a nova ofensiva dos grandes conglomerados de comunicação sobre os governos
da região, tentando destruir a integração que conseguiu vencê-los. Nossa
integração conseguiu parar golpes de Estado como o dado contra Evo; apoiou
[Rafael] Correa e isolou os golpistas em 2010; desconheceu o governo ditatorial
de Honduras; e tomou uma decisão, como no caso do Paraguai, cumprindo com o
regramento do MERCOSUL que defende a democracia verdadeira.
Concebemos e reafirmamos a democracia como é: uma grande participação popular e, pela
primeira vez, os Estados Unidos caíram na sua própria armadilha. Não diziam
que o que valia era o voto na urna? Pois pelo voto nossos povos afirmaram um
caminho independente do governo de Washington. Como a vontade popular é
favorável à independência, temos verdadeira guerra instalada no Continente, a “guerra
dos meios”.
--Voltando à Argentina,
conte-nos mais sobre a guerra que está sendo travada pela mídia contra o
governo de Cristina.
Na Argentina, há desinformação enorme. Em 2008,
quando o governo quis colocar um imposto para a venda da soja, pois havia
entrada enorme de dinheiro, foi produzida uma tentativa de golpe de Estado. A
paralisação das rodovias do MERCOSUL era um golpe estratégico. Conseguiu-se
superar isso, mas a desinformação era tão grande que começou a confundir
setores da sociedade, que são ainda cativos dos grandes meios, porque nenhum
meio estatal tem o poder comunicacional deles, que abarcam todo o país.
Com 240 licenças, o “Grupo Clarín” tem rádios de
longo alcance em cada província, chegando até à Terra do Fogo, a mais distante.
Conhecemos, pela história de Goebbels e do nazismo, que tudo o que é repetido
todos os dias vai formando uma verdade, uma opinião, que pode ser absolutamente
equivocada. Como ocorreu com o povo alemão, as informações de Goebbels foram
levando os alemães à sua própria destruição, pois não conseguiram ver que era
falsa a mensagem.
--A destruição da
consciência, de países e povos, acontece via desinformação?
Aqui, a desinformação é tamanha que, ao ler o “Clarín”,
da primeira à última página, são todas notícias negativas sobre a “lei de meios”.
Chegou a um ponto que nunca havíamos chegado, de se oporem ao governo quando
este defende a questão das Ilhas Malvinas, que são estratégicas não só para
Argentina, como para toda a América Latina, porque senão teremos as maiores
bases estrangeiras já instaladas, com alcance para o Brasil, para toda a
região.
Diante dessa ameaça real, esses meios começam a
desacreditar essa vontade, essa posição do governo, dizendo que é preciso “respeitar
os habitantes instalados no lugar”, trazidos da Grã Bretanha! Querem justificar
a falta de soberania, defender uma colônia a 14 mil quilômetros da Grã
Bretanha, instalada em águas territoriais argentinas.
--Esse é um comportamento
que vem de longa data?
Veja, o “La Nación” é da família Mitre,
oligárquica do passado, que sempre combateu os governos populares, tendo sido
chaves na derrubada de Perón, em 1955. São sociedades cativas que se
acostumaram a ter muito poder através desses meios. Mentem para este público
dizendo que o jornal vai deixar de sair no dia seguinte à entrada em vigor da “Ley
de Medios”. Mas, no caso do jornal, não há nenhum problema, pois a lei não tem
alcance para os meios escritos.
Isso é absolutamente falso. Eles podem ficar com
até 24 canais e 10 rádios, mas não poderão ficar com as 240 concessões
irregulares, porque isso é monopólio. A lei se rege, também, por regras da “Comissão
Interamericana de Direitos Humanos” que afirma que não pode haver monopólios
informativos porque eles restringem a liberdade de expressão dos países. Então,
nos perguntamos: por que essa lei não está
sendo cumprida pela “Sociedade Interamericana de Imprensa” (SIP)? Porque
ela representa os donos dos meios.
--No caso argentino, após
amplo debate, aprovada pelo Executivo e pelo Legislativo, a lei foi
obstaculizada pelo Judiciário. O que deve acontecer agora?
A lei entrou como projeto do governo, apresentada
por todas essas organizações. Os deputados estudaram a questão e a lei foi
aprovada por maioria pelo governo e pela oposição em outubro de 2009. De
imediato, o “Grupo Clarín” começou a colocar medidas cautelares. Pressionou por
uma medida cautelar para o artigo 161, que regula os monopólios midiáticos, que
não deveriam mais existir e que todos os grupos deveriam se adequar. A lei não
é nenhum ataque a um meio determinado.
Tanto é assim que, no dia 6 de dezembro, um dia
antes do prazo, 19 grupos já haviam entregado seus planos de adequação para o
governo. Havia um acerto que, no dia 7 de dezembro, a “Autoridade Federal de
Serviços Audiovisuais de Comunicação” (AFSCA) deveria apresentar um plano de
adequação para os que não cumprissem o prazo. Então, uma Câmara Civil e
Comercial integrada por juízes que têm até relação familiar com o “Clarín”, um
juiz que foi convidado pelo grupo para ir a Miami fazer um debate contra a nova
lei, suspende seu efeito.
--Uma decisão em causa
própria?
É impossível que uma pessoa possa ser juiz e
parte, mas aconteceu. Um monopólio restringe a liberdade de informação e o
Estado deve tomar medidas contra a intenção monopolista. E foi obstaculizado
por uma decisão judicial. Deparamo-nos com uma verdade que ninguém quer dizer
em toda a América Latina, na Argentina, no Brasil: a Justiça está impregnada pelo passado. Ainda restaram muitos
juízes da ditadura, do poder econômico que veio depois, juízes que colaboram,
ativamente, com as oposições locais.
--Uma guerra pela
democratização da comunicação. Dessa forma, como avalia o papel desempenhado
pela SIP?
A luta pela democratização da mídia é a mãe de
todas as batalhas. A “Sociedade Interamericana de Imprensa” (SIP), que é a
sociedade de todos os donos da mídia do continente, que tem grande influência
dos Estados Unidos, está contra a “Ley de Medios” porque ela favorece a
pluralidade de vozes, estabelece um limite para o número de licenças que cada
grupo de empresários pode ter.
A nova lei argentina determina que o “Clarín” não
pode manipular tantos sinais, criou a “Autoridade Federal de Serviços
Audiovisuais” (AFSCA), determinou o máximo de 24 licenças de televisão por cabo
e 10 de rádio AM ou televisão aberta para cada grupo, reconheceu o direito à
comunicação com identidade dos povos originários, entre outros avanços. Na
manhã do dia 8 de dezembro, começou a funcionar a primeira televisão mapuche e
há mais de 20 rádios que passaram a ser feitas pelos próprios povos
originários. Estou contentíssima com isso.
--Sem romper com o
monopólio do “Clarín” não é possível que a lei entre em vigor?
A lei indica que tudo deve começar com os
aspirantes aos canais apresentando-se como cooperativas. E assim foi feito. Mas
se não se rompe o monopólio, não tem como distribuir. Este é o problema. Já se
permitiu a abertura de novas rádios em alguns lugares, apoiou-se pela primeira
vez o desenvolvimento de pequenas e médias empresas que poderão ficar
responsáveis por um canal de cabo.
Cinquenta universidades já podem ter a sua própria
televisão, foram liberadas mais de 365 licenças de AM e FM e devem sair outras
800 solicitações de distintos setores populares para rádio. Isso já está sendo
cumprido, com licenças para organizações sem fins de lucro, canais educativos,
de saúde, 1.150 frequências para rádios municipais, se abriram mais de 130
rádios em escolas e mais de 20 para povos originários. Mais de 50 cooperativas
de serviços públicos em todo o país já têm sua licença e outras 100 as
solicitaram. Isso dá uma ideia do que vai acontecer no dia seguinte ao que o
monopólio acabar.
--Como a nova legislação
aborda a questão da publicidade?
A lei exige que a publicidade incentive a produção
local. Assim se produziram mais de duas mil horas de conteúdo televisivo desde
que chegaram os planos de fomento do Estado nacional e mais de 3.500 projetos
foram apresentados em todo o país. Com recursos, 26 das novas séries de
televisão foram realizadas nas províncias com atores e técnicos locais.
A indústria audiovisual gera mais de 100 mil
postos de trabalho por ano em todo o país, número que pode ser bastante
ampliado com a diversificação estimulada pela lei. As pequenas e médias
empresas (PYMES) já contam com mais de 2.800 horas diárias de programação e
geram mais de seis mil postos de trabalho. Essa informação, obviamente, não é
divulgada pela mídia, mas as pessoas necessitam ter a dimensão do seu
significado.
--A grande mídia esconde os
benefícios da nova lei, mas seus defensores conseguem dialogar sobre a sua
relevância para o avanço da democracia?
Dizem que ela é necessária, falam da
democratização, mas não são divulgados fatos concretos, não se demonstra a
importância de fato. O artigo 161 é importantíssimo porque, como já disse, sem
mexer no monopólio não tem como distribuir. Então, a decisão da Corte em favor
do “Clarín” está interferindo no processo.
Os demais grupos de mídia estão dispostos a
cumprir a lei, mas a SIP vem à Argentina apoiar o grande monopólio, num dos
maiores atos de intromissão nos assuntos internos de um país. Aqui, no dia 22
de maio, a Corte Suprema fixou que, no 7 de dezembro, venceria a medida
cautelar. Agora, com o apoio de alguns juízes, conseguiram novamente protelar.
O “Clarín” está burlando a legislação com acompanhamento externo e o Estado
está lutando contra a velha justiça que responde ao poder econômico.
--Em sua opinião, o que
temos pela frente?
Em primeiro lugar, precisamos tornar mais
didáticas as denúncias contra o grupo monopolista. Se o “Clarín” continua sem
cumprir a lei, o Estado está obrigado a chamar concursos públicos. As licenças
que excedam o mínimo estipulado pela lei devem ser entregues a novos titulares.
A obrigação do Estado é chamar o concurso. Se não adequar-se ao processo, em
sua luta equivocada, o “Clarín” terminará favorecendo os setores populares.
Inclusive agora, está em curso um processo
judicial pelo caso da fábrica de papel jornal, onde os antigos donos estão
denunciando como lhes tiraram seu patrimônio, de forma ilegal e indevida. A
atuação é juridicamente reprovável porque se fez com pessoas detidas. Além
disso, houve o descumprimento do que dispunha a lei quanto ao percentual de
ações que deveria ter ficado com o Estado e que acabou sendo apropriado pelos
grupos privados.
O monopólio também amplia o poder e os lucros do “Clarín”,
que obriga as demais publicações a pagarem um fundo para que possam ser
distribuídas nas bancas. O Estado tem dito e repetido que não vai expropriar de
nenhuma maneira, nem vai estatizar. Trata-se de garantir a pluralidade de
vozes, algo que nunca houve. Ao contrário, grande quantidade de meios foi
fechada durante a ditadura, inclusive com bombas, como o “Diário Sur” e o
diário “La Calle”, do Partido Comunista.
Há mais de cem jornalistas argentinos desaparecidos
e 50 assassinados. Mas, sobre isso, a SIP não fala, como nada tem dito sobre o
que está ocorrendo em Honduras onde, em duas manifestações realizadas pela
oposição, foram espancadas equipes inteiras de televisão.
--E como é possível romper
com esse cerco midiático?
Precisamos fazer cumprir o que diz a Corte
Interamericana: os monopólios de
comunicação cerceiam a liberdade de expressão. Quando os governos querem
atuar para democratizar a palavra, se fazem de desentendidos. A informação é
arma real para o poder hegemônico, uma arma para destituir governos.
Uma arma tão real que muitas das notícias são
fabricadas no próprio Pentágono, como as do Oriente Médio, e repetidas em todo
o mundo. Imagine o poder que significa que, em todo o mundo, na mesma hora, a
repetição da mesma coisa. Isso amplifica de forma perversa, eu diria
terrorista, a desinformação.
Não se respeita o direito dos povos a uma
informação verdadeira, que ajude a população a ter mais educação e cultura. A
isso se agregam os entretenimentos, que são o maior modelo de desculturação que
tiveram nossos países nos últimos anos. E isso é mais grave porque chega onde
não há um jornal. Está em frente à televisão, está absorvendo antivalores.”
FONTE: reportagem de Leonardo Severo e Vanessa Silva, de Buenos Aires (Argentina), publicada no “Brasil de Fato” e transcrita no portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/denuncias/desinformacao-e-arma-de-guerra-do-pentagono.html) [Imagem do google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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