2013 E
ALÉM: GUERRAS DE DRONES E UM APOCALIPSE ANUNCIADO
“Nos últimos anos, com um orçamento coletivo de 75 bilhões de dólares, a ‘Comunidade de Inteligência dos EUA’ (CI), labirinto historicamente inédito de 17 agências de inteligência e equipamentos, tem sido uma das indústrias de Washington com maior crescimento. Em troca de financiamento quase ilimitado e uma expansão de mais de uma década de duração dos seus poderes, foi prometida uma coisa para o povo americano: a segurança, especialmente em relação ao terrorismo.
Tom Engelhardt
Pense nisso como uma fórmula simples:
se você foi contratado (e bem pago) para
proteger o que for, você vai estar congenitamente mal equipado para imaginar o
que quer que seja. E ainda, o desejo não apenas de conhecer os contornos do
futuro, mas de implantar sua bandeira nesse futuro, tem mantido a “Comunidade
de Inteligência” (CI) americana em seus domínios desde meados da década de 1990.
Essa foi a primeira vez que ocorreu, para alguns em Washington, que o poder dos
EUA pode ser capaz de controlar quase tudo que valha a pena globalmente, se não
por uma eternidade, então por tempo suficiente para tornar o futuro uma
propriedade Americana.
Desde então, de anos em anos, o “Conselho Nacional de Inteligência”, o “Centro de Análises Estratégicas a Longo-Prazo” da CI planeja produzir um documento lançado em série chamado “Tendências Globais” [a se consolidarem nos anos seguintes]. A última edição, lançada a tempo para o segundo mandato de Barack Obama, é a “Tendências Globais 2030”. Algo totalmente previsível sobre isso: é maior e mais elaborada que a edição “Tendências Globais 2025”. E aqui vai uma previsão que, por mais difícil que seja acertar algo sobre o futuro, tem 99,9% de chance de estar correta: quando o “Tendências Globais 2035” for lançado, será ainda maior e mais elaborado. Vai custar mais caro e ainda, como seu antecessor, será evasivo, restringindo qualquer possibilidade levemente ousada, como uma porta de alçapão para fugir de qualquer previsão que talvez não funcione.
Nada disso deveria ser surpreendente. Nos últimos anos, com orçamento coletivo de 75 bilhões de dólares, a CI, labirinto historicamente inédito de 17 agências de inteligência e equipamentos, tem sido uma das indústrias de Washington com maior crescimento. Em troca de financiamento quase ilimitado e uma expansão de mais de uma década de duração dos seus poderes, foi prometida uma coisa para o povo americano: a segurança, especialmente em relação ao terrorismo. Como parte de um complexo de segurança nacional que se beneficiou enormemente de um bloqueio do país e criação de um estado de guerra permanente pós 11 de setembro, também sofre com a clássica doença burocrática.
Portanto, ninguém deveria ficar chocado ao descobrir que suas investidas em um futuro produtor de ansiedade, que começou relativamente modesto em 1997, transformaram-se em operações cada vez mais maciças. Nessa quinta iteração da série, os autores deram origem a livro que representa um hino do futuro e seus perigos.
[Na edição “Tendências Globais 2030”] você vai ler muito sobre os problemas de recursos e das guerras de recursos potenciais, mas não sobre os empresários que utilizam o poder para esmagar seus possíveis concorrentes no mundo corporativo. A única crise que ameaça o bem-estar do planeta, a mudança climática, embora seja certamente discutida de passagem, está ainda mergulhada nos fundamentos, e ao que parece, em 2030 não vai ter sido atingida ainda.
Para isso, eles reuniram grupos de “especialistas" em universidades americanas (demais para serem contadas), consultaram muitos acadêmicos individuais (demais para citar os nomes) apesar de páginas de agradecimentos, e fizeram "reuniões sobre o projeto inicial em cerca de 20 países." Em outras palavras, um esforço monumental foi feito para preparar o futuro e tranquilizar Washington que, enquanto um "relativo declínio econômico em face dos estados em ascensão é inevitável", as próximas décadas ainda podem revelar uma brincadeira americana (mesmo que compartilhada, em certa medida, com a China e essas potências emergentes).
FRACK É O NOVO CRACK
Desde então, de anos em anos, o “Conselho Nacional de Inteligência”, o “Centro de Análises Estratégicas a Longo-Prazo” da CI planeja produzir um documento lançado em série chamado “Tendências Globais” [a se consolidarem nos anos seguintes]. A última edição, lançada a tempo para o segundo mandato de Barack Obama, é a “Tendências Globais 2030”. Algo totalmente previsível sobre isso: é maior e mais elaborada que a edição “Tendências Globais 2025”. E aqui vai uma previsão que, por mais difícil que seja acertar algo sobre o futuro, tem 99,9% de chance de estar correta: quando o “Tendências Globais 2035” for lançado, será ainda maior e mais elaborado. Vai custar mais caro e ainda, como seu antecessor, será evasivo, restringindo qualquer possibilidade levemente ousada, como uma porta de alçapão para fugir de qualquer previsão que talvez não funcione.
Nada disso deveria ser surpreendente. Nos últimos anos, com orçamento coletivo de 75 bilhões de dólares, a CI, labirinto historicamente inédito de 17 agências de inteligência e equipamentos, tem sido uma das indústrias de Washington com maior crescimento. Em troca de financiamento quase ilimitado e uma expansão de mais de uma década de duração dos seus poderes, foi prometida uma coisa para o povo americano: a segurança, especialmente em relação ao terrorismo. Como parte de um complexo de segurança nacional que se beneficiou enormemente de um bloqueio do país e criação de um estado de guerra permanente pós 11 de setembro, também sofre com a clássica doença burocrática.
Portanto, ninguém deveria ficar chocado ao descobrir que suas investidas em um futuro produtor de ansiedade, que começou relativamente modesto em 1997, transformaram-se em operações cada vez mais maciças. Nessa quinta iteração da série, os autores deram origem a livro que representa um hino do futuro e seus perigos.
[Na edição “Tendências Globais 2030”] você vai ler muito sobre os problemas de recursos e das guerras de recursos potenciais, mas não sobre os empresários que utilizam o poder para esmagar seus possíveis concorrentes no mundo corporativo. A única crise que ameaça o bem-estar do planeta, a mudança climática, embora seja certamente discutida de passagem, está ainda mergulhada nos fundamentos, e ao que parece, em 2030 não vai ter sido atingida ainda.
Para isso, eles reuniram grupos de “especialistas" em universidades americanas (demais para serem contadas), consultaram muitos acadêmicos individuais (demais para citar os nomes) apesar de páginas de agradecimentos, e fizeram "reuniões sobre o projeto inicial em cerca de 20 países." Em outras palavras, um esforço monumental foi feito para preparar o futuro e tranquilizar Washington que, enquanto um "relativo declínio econômico em face dos estados em ascensão é inevitável", as próximas décadas ainda podem revelar uma brincadeira americana (mesmo que compartilhada, em certa medida, com a China e essas potências emergentes).
FRACK É O NOVO CRACK
Tendo crescido a um tamanho exorbitante, as "tendências" no título do projeto não estavam mais sendo vagas o suficiente. Em vez disso, a linguagem da “Tendências Globais 2030” tem inflado à altura das suas grandes pretensões. Atualmente, para determinar o futuro para políticos americanos, são necessárias Megatendências ("Fortalecimento Individual", "Difusão do Poder"), Viradores de Jogo ("Economia Global propensa a crises”, “lacunas de governo", "Potencial para o aumento da violência"), Cisnes Negros ("pandemia grave", "Mudanças Climáticas muito mais rápidas", "Um Irã reformado"), e Mudanças Tectônicas ("O crescimento da classe média global", "O envelhecimento sem precedentes e generalizado"), para não falar de “Mundos Potenciais” ou cenários futuristas de ficção em que essas “Megatendências”, esses “Viradores de Jogo”, “Cisnes negros”, e “Mudanças Tectônicas” se misturam e se combinam em futuros possíveis.
Fora disso, o que exatamente os especialistas da Inteligência Americana, os representantes da última superpotência global remanescente, concluíram? Aqui vai o meu resumo parcial: que devemos esperar o surgimento de nada além do que já não sabemos; que várias versões do presente conhecível podem ser precisamente projetadas para o futuro; que muita coisa depende do que acontece com maior Estado da Terra (com a China beliscando seus calcanhares).
Se, isto é, com a sua "preponderância em todas as áreas, na maioria
das dimensões do poder, seja ‘duro’ ou ‘suave’”, os EUA continuarão a ser
um benevolente "provedor de
segurança global" ou "polícia
global" de estabilidade planetária ou - catástrofe das catástrofes - puxar sobre si mesmo, criando uma América-fortaleza-decadente; que a
verdadeira crise americana pode ser uma redução dos gastos militares; que as probabilidades
indicam que a economia global, com mais de um bilhão de novos "consumidores de classe média",
poderia ser um pouco melhor ou pior; que o Irã pode (ou não) construir armas
nucleares; que os conflitos globais poderiam aumentar um pouco (com ênfase nas guerras por recursos naturais)
- ou diminuir; que o Estado nacional poderia aumentar seu poder atual ou
perdê-lo para os órgãos não governamentais e "cidades inteligentes", e assim por diante.
Há, no entanto, alguns tópicos que parecem ter desaparecido na versão de nosso mundo futuro feita pelo “Conselho Nacional de Inteligência”. Você não vai, por exemplo, encontrar estas palavras enfatizadas no “Global Trends 2030”: empresas - elas parecem não ter papel importante no mundo do futuro; depressão – sim, “recessão” ou até mesmo “colapso”, mas nunca “depressão global”, nem mesmo quando os EUA são comparados ao grande poder imperial do planeta, ao século 19 britânico, e uma era em que depressões eram comuns (uma possível “grande depressão” só é mencionada com um “pouca probabilidade”); imperial – uma vez que são o único...errr... grande você-sabe-o-que de esquerda, que não é uma palavra apropriada para o mundo de 2030; revolução – oh, teve uma dessas em 1848 e pode ser mencionada, mas apesar do fato de que o mundo foi convulsionado por revoltas inesperadas e movimentos imprevistos nos últimos anos, em 2030, a revolução é inimaginável; capitalismo - não precisa sequer dizer isso em um mundo em que não existe nada além disso, e usar essa palavra poderia implicar que em 2030 um outro sistema de qualquer tipo poderia surgir e desafiá-lo, o que é, claro, inconcebível; Armas nucleares israelenses - por que exibir o arsenal nuclear israelense, o qual realmente existe e assumidamente estará lá em 2030, quando você pode se concentrar no fabuloso cisne negro do Irã e seu (ainda) inexistente arsenal nuclear.
Finalmente base militar -, sem dúvida, um termo perfeitamente aceitável para a CI nas “Tendências Globais 2040”, uma vez que os chineses estabelecerão algumas delas no exterior. Enquanto isso, em um mundo em que os EUA ainda têm cerca de 1.000 bases espalhadas, não há razão em trazer o assunto à tona ou em discutir o destino historicamente sem precedentes das ocupações americanas pelo planeta. Nem em “Tendências Globais 2030” você vai encontrar uma consideração séria do poderio militar americano ou da propensão de Washington nos últimos anos não para garantir a estabilidade, mas garantindo instabilidade, desordem e caos em terras distantes.
Você vai encontrar uma seção sobre drones - aviões não tripulados -, mas não sobre nossas guerras de drones e como elas podem terminar em 2030. (Outro conjunto de palavras agora proibido associados a essas guerras são assassinato, assassinato seletivo, lista de mortes.) Você vai encontrar a Primavera Árabe sendo discutida de passagem, mas não Primavera da Índia. (Você sabe, a que ocorreu em 2023, em que a juventude saliente de uma nação com expectativas crescentes encontrarou-se com a frustração econômica).
Você vai ler muito sobre os problemas dos recursos naturais e das guerras de recursos potenciais, mas não sobre os empresários que utilizam o poder para esmagar seus possíveis concorrentes no mundo corporativo no cenário global. A única crise que ameaça o bem-estar do planeta, a mudança climática, embora seja certamente discutida de passagem, está ainda mergulhada nos fundamentos, e ao que parece, em 2030 não vai ter sido atingida ainda. (Assumidamente, nenhum dos encontros do grupo CI foram realizados no árido sudoeste dos EUA, no Centro-Oeste assolado pela seca, ou na costa Jersey desde que o furacão Sandy a atingiu.).
Você vai notar que a única coisa que faz nossos futurólogos de inteligência pular de alegria e lhes causa o equivalente a um êxtase de drogas é o fraturamento hidráulico para obtenção de gás, ou fracking, ao qual sempre voltam de novo e de novo. Eu não estou brincando. Para eles, frack é o novo crack e se este documento (Deus nos acuda!) fosse transformado em um filme, ele poderia ser chamado de Frack para o Futuro. Sim, na maioria dos seus cenários futuros, fracking, liberando toda aquela "energia extrema", torna os EUA independentes de energia, um exportador de gás natural, e praticamente garante que 2030 será mais uma vez um ano americano! Yippee!
DEMOCRACIA DO TEMPO
Há, no entanto, alguns tópicos que parecem ter desaparecido na versão de nosso mundo futuro feita pelo “Conselho Nacional de Inteligência”. Você não vai, por exemplo, encontrar estas palavras enfatizadas no “Global Trends 2030”: empresas - elas parecem não ter papel importante no mundo do futuro; depressão – sim, “recessão” ou até mesmo “colapso”, mas nunca “depressão global”, nem mesmo quando os EUA são comparados ao grande poder imperial do planeta, ao século 19 britânico, e uma era em que depressões eram comuns (uma possível “grande depressão” só é mencionada com um “pouca probabilidade”); imperial – uma vez que são o único...errr... grande você-sabe-o-que de esquerda, que não é uma palavra apropriada para o mundo de 2030; revolução – oh, teve uma dessas em 1848 e pode ser mencionada, mas apesar do fato de que o mundo foi convulsionado por revoltas inesperadas e movimentos imprevistos nos últimos anos, em 2030, a revolução é inimaginável; capitalismo - não precisa sequer dizer isso em um mundo em que não existe nada além disso, e usar essa palavra poderia implicar que em 2030 um outro sistema de qualquer tipo poderia surgir e desafiá-lo, o que é, claro, inconcebível; Armas nucleares israelenses - por que exibir o arsenal nuclear israelense, o qual realmente existe e assumidamente estará lá em 2030, quando você pode se concentrar no fabuloso cisne negro do Irã e seu (ainda) inexistente arsenal nuclear.
Finalmente base militar -, sem dúvida, um termo perfeitamente aceitável para a CI nas “Tendências Globais 2040”, uma vez que os chineses estabelecerão algumas delas no exterior. Enquanto isso, em um mundo em que os EUA ainda têm cerca de 1.000 bases espalhadas, não há razão em trazer o assunto à tona ou em discutir o destino historicamente sem precedentes das ocupações americanas pelo planeta. Nem em “Tendências Globais 2030” você vai encontrar uma consideração séria do poderio militar americano ou da propensão de Washington nos últimos anos não para garantir a estabilidade, mas garantindo instabilidade, desordem e caos em terras distantes.
Você vai encontrar uma seção sobre drones - aviões não tripulados -, mas não sobre nossas guerras de drones e como elas podem terminar em 2030. (Outro conjunto de palavras agora proibido associados a essas guerras são assassinato, assassinato seletivo, lista de mortes.) Você vai encontrar a Primavera Árabe sendo discutida de passagem, mas não Primavera da Índia. (Você sabe, a que ocorreu em 2023, em que a juventude saliente de uma nação com expectativas crescentes encontrarou-se com a frustração econômica).
Você vai ler muito sobre os problemas dos recursos naturais e das guerras de recursos potenciais, mas não sobre os empresários que utilizam o poder para esmagar seus possíveis concorrentes no mundo corporativo no cenário global. A única crise que ameaça o bem-estar do planeta, a mudança climática, embora seja certamente discutida de passagem, está ainda mergulhada nos fundamentos, e ao que parece, em 2030 não vai ter sido atingida ainda. (Assumidamente, nenhum dos encontros do grupo CI foram realizados no árido sudoeste dos EUA, no Centro-Oeste assolado pela seca, ou na costa Jersey desde que o furacão Sandy a atingiu.).
Você vai notar que a única coisa que faz nossos futurólogos de inteligência pular de alegria e lhes causa o equivalente a um êxtase de drogas é o fraturamento hidráulico para obtenção de gás, ou fracking, ao qual sempre voltam de novo e de novo. Eu não estou brincando. Para eles, frack é o novo crack e se este documento (Deus nos acuda!) fosse transformado em um filme, ele poderia ser chamado de Frack para o Futuro. Sim, na maioria dos seus cenários futuros, fracking, liberando toda aquela "energia extrema", torna os EUA independentes de energia, um exportador de gás natural, e praticamente garante que 2030 será mais uma vez um ano americano! Yippee!
DEMOCRACIA DO TEMPO
Acima de tudo, os analistas do “Conselho Nacional de Inteligência” conseguiram, em grande parte, banir o único aspecto mais essencial, inevitável, e estimulante do futuro: surpresa. Isso diz muito mais sobre o mundo Washington que os autores habitam do que sobre o que pode acontecer em 2030. Mas antes de eu chegar a esse ponto, me dê apenas um segundo para eu me dar uns tapinhas nas costas.
Afinal, eu te fiz um favor enorme. Eu realmente li as “Tendências Globais 2030”, desde a página número dois, da carta “Caro leitor” do presidente e o "sumário executivo" do relatório, além de suas 136 páginas com colunas duplas, e até mesmo os seus agradecimentos intermináveis. E deixe-me assegurá-lo, isso é colocado por pessoas perfeitamente inteligentes e tem algumas pepitas de coisas interessantes nele. A equipe montada até tentou escrever pedaços de ficção futurista e, pelo menos, um desses trechos, uma análise "marxista" "atualizada" para o século XXI, tem um valor de entretenimento aceitável.
No final, porém, o documento, como o CI em si, é um artefato exagerado das próprias limitações e medos de Washington. Também é tediosamente, devastadoramente maçante e repetitivo, com gráficos elaborados sobre o que você acabou de ler como se fosse simplesmente muito pesado para informá-lo em parágrafos. É exatamente o tipo de coisa que nenhum coletivo burocrático deveria ser autorizado a infligir ao grande desconhecido, e que ninguém acostumado com H.G. Wells, Arthur Clarke, Isaac Asimov, Ray Bradbury, Philip Dick, Ursula le Guin, George Orwell, William Gibson , ou Suzanne Collins, deveria ter de suportar.
E, no entanto, a estranheza desse projeto, historicamente falando, deve chamar sua atenção. Pare por um momento e pense sobre o tempo e o estado. Estados têm tido tradicionalmente um desejo de controlar o passado (algumas vezes, trabalhando duro para ganhar um monopólio sobre a escrita da história). E - nenhuma surpresa aqui - a maioria dos Estados tem o desejo de controlar o presente. Mas o futuro? O futuro é a democracia do tempo. Nenhum governo pode prendê-lo. Nenhum militar pode invadi-lo. Nenhuma agência de inteligência pode inserir seus agentes no mesmo.
É por isso que a série de tendências globais que originalmente surgiu do mundo cada vez mais autoconfiante da "única superpotência" tem um certo fascínio. Ela representa uma incursão do estado único para o futuro, uma tentativa singular para encurralar e possuí-lo. Certa vez, o futuro distante foi a província de pensadores utópicos ou distópicos, escritores de “Pulp Fiction”, excêntricos, visionários, mesmo loucos, mas não os serviços de inteligência do governo. Olhando para o que era, no seu auge, uma aventura com estranha emoção individual imaginativa, independente se você estivesse lendo Edward Bellamy ou Charlotte Perkins Gilman, Yevgeny Zamyatin ou HG Wells, George Orwell ou Aldous Huxley.
Isso foi, é claro, antes de o Pentágono começar a planejar o arsenal de 2020, 2035 e 2050, antes da guerra virar nuclear e assim, com a exceção de duas cidades em 1945, só poderia ser "travada" em ideias através de cenário futurista na escrita. Foi antes de os líderes da única superpotência serem tão dominados pela arrogância a ponto de começaram a suspeitar que o futuro, como o presente, pode realmente ser deles.
E ainda assim o futuro é, e continua sendo, de todos, sempre. Até que isso realmente venha a acontecer, o seu palpite é tão bom quanto o da CIA ou a do CNI. Provavelmente melhor. Eles podem, de fato, ser os piores candidatos possíveis para escrever sobre o futuro. Mesmo quando conhecem que o castigo contra eles - como previsto no Tendências Globais 2030, a sua incapacidade de abandonar "continuidades" para "descontinuidades e crises" - isso não importa.
Como um retrato do poder americano, se mostrou incrivelmente cego, surdo e mudo em um mundo rugindo em direção a 2030 e forneceu ao resto de nós a definição funcional do grupo de pessoas que tem a menor probabilidade de oferecer segurança em longo prazo aos americanos.
Eles simplesmente não conseguem pensar fora da caixa. Eles não se atrevem a surpreender-se nem ao menos dar ao futuro a sua surpresa natural, ainda que – palpite próprio - o nosso mundo esteja cada vez mais cheio dessas descontinuidades. A ascensão da China, o colapso do “Lehman Brothers”, a “Primavera Árabe”, a erupção de “Tea Party” e do “Movimento Occuppy”, mesmo o mais ínfimo dos “alçapões inesperados” da história - como Paula Broadwell ao derrubar o "maior" general da América - são conceitualmente muito além deles. A surpresa é um veneno para eles. Preferem empalmar algumas cartas e jogar a partir do fim do baralho, em vez de reconhecer que o futuro não pertence a eles.
APOCALIPSE QUANDO?
Os primeiros anos da era George W. Bush revelaram-se visionários, se não loucos. Foi quando Washington abriu um buraco nos redutos de petróleo do planeta e pode ter iniciado a “Primavera Árabe”. Mais recentemente, a formulação de políticas tem sido firmemente restaurada para uma administração de gestores, e a imaginação imperial norte-americana, tal como era, começou a atrofiar. “Tendências Globais 2030” reflete aquela realidade “toda Americana”, por isso, é menos provável entrar no futuro, do que ganhar um tour pelos corredores sem ar da mente coletiva de Washington assim que 2013 começa.
É claro, o futuro é uma coisa incrivelmente complicada para guiar alguém. Veja a China, por exemplo. Ninguém diria que seu crescimento não é um fato de importância histórica mundial. Ainda assim, eu acho que seria justo dizer que, desde o início do século XIX até o final do século XX, um indivíduo que previu com precisão a próxima bizarra e espetacular torção no caminho da China para o futuro, teria sido humilhado em qualquer sala cheia de especialistas: o colapso da China imperial, a ascensão improvável de movimento comunista de Mao Zedong sob o caos da invasão e da guerra civil, ou - o mais improvável de todos - a criação pelo Partido Comunista da China, depois de uma década de radicalismo surpreendente e extremismo, de uma potência sem precedentes capitalista (programado, como Tendências Globais 2030 aponta, para passar os EUA como a principal economia do mundo até 2030, se não antes).
Então, por que alguém deveria imaginar que, se tratando da China, as tendências atuais poderiam simplesmente ser extrapoladas no futuro? E ainda assim por diante para a gente da “Tendências Globais 2030”, que projetam uma série mais ousada do que o habitual de cenários para o país, que vão desde a cooperação com os EUA em harmonia regional hegemônica de crescente nacionalismo e "aventureirismo" no exterior (uma improbabilidade extrema, como se vê) a um "colapso" econômico, cenário de que choca a economia global.
Ainda assim, vamos examinar um fato importante da história chinesa, que os analistas do “Conselho Nacional de Inteligência” ignoram (embora os líderes chineses estejam profundamente conscientes disso ou não teriam se mexido para suprimir a seita Falun Gong ou, mais recentemente, um culto cristão do apocalipse maia). Sob estresse, a China tem uma tradição única revolucionária. Por pelo menos alguns milhares de anos, em tempos ruins rebeliões camponesas enormes, muitas vezes alimentadas por cultos religiosos sincréticos, têm abandonado o interior chinês para ameaçar a país: os “Turbantes Amarelos”, os “Lótus Brancos”, o “Taiping” de meados do século XIX e, mais recentemente, o próprio movimento de Mao, entre outros.
Já hoje, em tempos economicamente otimistas, a China tem dezenas de milhares de "incidentes de massa", cidadãos protestam contra fábricas poluidoras, camponeses assumem o controle de aldeias locais, e assim por diante. Se a economia chinesa já obtém um grande sucesso entre agora e 2030, em meio à crescente corrupção econômica e crescente desigualdade, quem sabe o que pode realmente acontecer?
Com a mais rara das exceções, no entanto, os autores do “Global Trends 2030” desprezam o choque do futuro para "cisnes negros forasteiros", como uma pandemia que poderia matar milhões de pessoas ou tempestades solares geomagnéticas que podem nocautear sistemas de satélite e a rede elétrica global. Caso contrário, quando se trata de um mundo verdadeiramente disjuntivo, para melhor ou pior, esqueça as “Tendências Globais 2030”.
Eu não acho que eu sou anormal e ainda consigo imaginar coisas piores do que eles parecem capazes de descrever, sem sequer piscar, começando com uma grande depressão em ampla escala, que seria um tapa na cara mundial. De fato, se você teme um modo de pensar apocalíptico, tudo que você precisa fazer é olhar para as informações que eles fornecem - algumas das quais seus analistas consideram uma boa notícia - e é fácil compreender o mundo verdadeiramente extremo que podemos estar entrando.
Eles nos dizem, por exemplo, que "o mundo consumiu mais alimentos do que produziu em sete dos últimos oito anos" (uma tendência que esperamos que venha a ser revertida pela modificação genética de culturas alimentares); que a água está acabando ("Até 2030, quase metade da população mundial viverá em áreas com severa escassez de água"); que a demanda por energia vai aumentar em cerca de 50% nos próximos 15 a 20 anos, e que os gases de efeito estufa, entrando na atmosfera como se não houvesse amanhã, deverão dobrar até meados do século.
Por sua estimativa, em 2030 haverá 8,3 bilhões de onívoros chocalhando ao redor do planeta e mais de um bilhão de pessoas, possivelmente dois bilhões, deverão entrar em alguma versão abissalmente degradada da "classe média". Isto é, haverá mais motoristas de carro, mais comedores de carne, mais compradores de produtos.
Adicione ainda o bônus da mudança climática - e o "sucesso" do fracking em nos manter em uma dieta de combustíveis fósseis durante as próximas décadas - e me diga se você também não consegue imaginar o cenário apocalíptico e algumas surpresas chocantes também.
DESEJOS NO SHOPPING MUNDIAL
Pense nas “Tendências Globais 2030” como um retrato de uma Comunidade de Inteligência (e dos acadêmicos parasitas que trabalham com eles) envelhecida e obesa, incapaz de ver o mundo como ele é, e muito menos como poderia ser. O “Conselho Nacional de Inteligência” evidentemente nunca conheceu um apocalíptico ou um sonhador que não quisessem evitar. Seus motores e pessoas influentes aparentemente nunca consideraram montar um grupo de escritores de ficção científica, e em todas as suas viagens eles nunca pararam, evidentemente, no Uruguai e fizeram uma visita ao radical escritor Eduardo Galeano, ou até mesmo consultou o seu livro de 1998 “De Pernas Pro Ar - A Escola do Mundo ao Avesso”.
Em um certo ponto, discutindo o consumismo global - e lembre-se que este foi o ano após o lançamento do primeiro relatório “Tendências Globais” - ele escreveu:
"A sociedade de consumo é uma armadilha. Aqueles que estão no controle fingem ignorância, mas qualquer pessoa com olhos em sua cabeça pode ver que a grande maioria das pessoas, necessariamente, deve consumir pouco, muito pouco, ou nada, a fim de salvar o pouco de natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro a ser corrigido, nem é um defeito a ser superado, é um requisito essencial do sistema. O mundo natural não é capaz de suportar um shopping do tamanho do planeta... [Se] todos nós consumíssemos como aqueles que estão espremendo a terra à secura, não teríamos mais mundo.” .
Com as potências emergentes do "Sul" e do “Oriente", agora vamos ter a chance de ver com nossos próprios olhos, talvez em 2030, o quão preciso Galeano pode ter sido sobre o destino deste cada vez mais lotado, com recursos cada vez mais pressionados, mais quente e cada vez mais tumultuado planeta que vivemos. Podemos aprender, de perto e pessoalmente, exatamente o que significa adicionar um ou dois bilhões de pessoas extras aos “consumidores de classe média” em tal momento. Até lá, talvez nós seremos capazes de fazer a nossa escolha a partir de extremidades de todos os tipos, que vão desde episódios antigos como revolução ou fascismo até os novos que não podemos sequer imaginar hoje.
Mas não leia “Tendências Globais 2030” para descobrir sobre isso. Afinal, o pesadelo de todo burocrata é a surpresa. Nós não vamos gastar 75 bilhões de dólares em "inteligência" e desistir do que uma vez foram os clássicos direitos e liberdades americanas para encontrar um monte de surpresas perturbadoras. Não é de se admirar que o pessoal do Conselho não possa suportar a imaginar uma gama mais ampla do que pode estar por vir. A bolha de Washington é muito confortável, e o resto demasiadamente assustador. Eles podem estar vivendo às custas de nosso medo, mas não se engane nem por um segundo, eles estão com medo também, ou eles jamais poderiam produzir um documento como “Tendências Globais 2030”.
Como um retrato do poder americano, se mostrou incrivelmente cego, surdo e mudo em um mundo rugindo em direção a 2030 e forneceu ao resto de nós a definição funcional do grupo de pessoas que têm a menor probabilidade de oferecer segurança em longo prazo aos americanos.
Resuma tudo isso, e você terá um único e demasiadamente claro desejo de Ano Novo da “Comunidade de Inteligência” dos EUA: por favor, por favor, por favor, faça 2013, 2014, 2015 ... e 2030 não serem muito diferentes de 2012!”
FONTE: escrito por Tom Engelhardt, no
seu blog “Nation
Institute's tomdispatch.com”. O autor é escritor e editor norte-americano.
Artigo transcrito no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21475). [Imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’]
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