Trecho do gigantesco túnel do CERN
Por Marcelo
Gleiser
O “bóson de Higgs” é mais uma entidade onipresente
do que uma sombra; está por toda parte, como o ar
“Passei esta semana no CERN, o
laboratório europeu de física de partículas onde, em julho do ano passado, foi
descoberto o famoso ‘bóson de Higgs’, infelizmente também conhecido como
"partícula de Deus".
Já havia estado lá antes, como
pesquisador visitante, por três meses. Isso foi bem antes da grande descoberta
do ano passado, mas, para nós, físicos, o CERN já era famoso. Foi lá, em 1983,
que foram descobertos outros bósons muito importantes, com os nomes menos
sugestivos de W+, W-, e Z0.
Esse trio de partículas confirmou a
previsão feita por teóricos, ainda na década de 1960, de que as forças
eletromagnéticas e fracas (estas
responsáveis pelo decaimento radioativo) comportam-se da mesma forma em
altas energias. Nessa outra realidade, as duas podem ser vistas como facetas
distintas da mesma força unificada, a força "eletrofraca".
Na busca por explicações cada vez
mais abrangentes dos fenômenos naturais, nada mais atrativo do que teorias que
unificam entidades distintas dentro de uma mesma explicação.
A descoberta do “bóson de Higgs”
marca o início de um novo capítulo da física de partículas. Os dados ainda não
são suficientes para que se confirmem muitas das propriedades da partícula. É
como se soubéssemos que a sombra que vimos projetada na parede é de um ser
humano, mas ainda não sabemos se é homem ou mulher, jovem ou velho, a cor dos
olhos etc. Para os detalhes, serão necessários mais dados, ou seja, mais
colisões e estudos.
Como aceleradores de partículas
podem ser vistos como uma espécie de supermicroscópio, quanto maior a energia
da colisão (equivalente ao poder de
magnificação), mais podemos decifrar das intricadas propriedades das partículas
elementares de matéria.
Infelizmente, o acelerador foi
fechado semana retrasada, e permanecerá assim por dois anos. O objetivo é
atingir o dobro da energia atual quando reabrir em 2015. Com isso, poderemos
entender melhor que sombra é essa que vimos.
O “bóson de Higgs” é mais uma
entidade onipresente do que uma sombra; está por toda parte, como o ar que
respiramos em nossa atmosfera. Aparentemente imaterial, tem substância e
interage com todas as outras partículas de matéria, incluindo as que transmitem
as forças entre elas, como os bósons acima mencionados. A exceção é o fóton, a
partícula de luz, que parece ser imune ao charme do Higgs. Essa imunidade
explica por que o fóton é a única partícula sem massa. (Talvez exista outra, o gráviton, a suposta partícula responsável pela
gravidade. Mas, por enquanto, o gráviton permanece uma especulação.)
Como um espírito arredio, o “bóson
de Higgs” é muito difícil de encontrar. Quando surge, desaparece quase que
imediatamente, em menos de um trilionésimo de segundo. Ao pensar que, para
encontrá-lo, foi necessária a maior máquina já construída na história da
humanidade, alojada dentro de estruturas gigantescas, fica difícil não pensar
nas antigas catedrais, também imensas, também dedicadas à busca de entidades um
tanto etéreas.
As diferenças são muitas, mas a
analogia é tentadora. A busca da ciência não deixa de ser uma forma de
peregrinação.”
FONTE: escrito
por Marcelo Gleiser, professor
de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de
"Criação Imperfeita". Artigo
publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/96543-na-catedral-da-fisica.shtml)
[Imagem do google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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